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domingo, 4 de outubro de 2015

Domingo eleitoral


Há pouco, enquanto exercia o meu direito de voto e olhava, apalermado, para a quantidade de quadrados disponíveis naquela folha, percebi a prisão em que vivemos. Não vivi no tempo da ditadura, portanto não sei o que isso é. Vivo numa outra geração. Uma geração pálida, formatada pelas televisões e pelos meios informáticos. Somos livres e, no entanto, estamos tão presos. Não tenho o direito de fazer comparações, daí não as fazer. Falo neste momento. Na escuridão em que vivemos. O problema desta escuridão é que qualquer vestígio de luz pode parecer a solução. Não é. Aliás, pensar assim é demasiado perigoso. Nem sempre a primeira luz, depois da escuridão, nos aponta o caminho. É aí que entra a nossa consciência. É aí que entra a necessidade de olhar, pensar, agir. Falam-nos de esquerda e direita. Falam-nos em orçamentos de estado e outras coisas que parecem muito concretas e, no fundo, são demasiado abstractas. O que eu vejo – e repito, para que leiam bem: o que eu vejo – é uma prisão num pedaço de papel. Se fossemos, mesmo, livres, o boletim de voto não teria não sei quantos quadrados desejosos de uma cruz. Seria uma folha em branco. Eles que são o problema, acenam-nos com a ideia que são a solução. Serão? Não me vejo como um anarquista. Não o sou. Mas tenho plena consciência do terror escondido atrás das cores políticas. Tenho consciência dos que sofrem todos os dias. E dos outros que vivem no topo das suas torres de marfim, com todas as regalias, alheios ao que se passa cá em baixo. Não votar não é uma opção. Mas quando todas as opções são más, em quem hei-de eu votar?
Cuidado com a luz. Oxalá ela não nos cegue.

 

PedRodrigues

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Textos da nova cidade


Hoje senti necessidade de te escrever. Agora que não estás e eu me mudei para outra cidade, com cores que já não são as nossas. Aqui não temos memórias dos nossos dias juntos. Começo um novo referencial, com novas oportunidades, novos objectivos. Tanta coisa. Tanta coisa. No entanto, vieste comigo na bagagem. Escondida entre a escova de dentes e o perfume que me deste. Vieste comigo e não estás aqui. Não faz sentido. Nenhum. Mas raramente as coisas fazem sentido. Às vezes construímos silêncios que nos afastam, como se fossem uma distância muito grande; e, no fundo, o que queremos é apenas um abraço: a necessidade de uma presença embrulhada em nós. Esperneamos, esmurramos e só queremos uma segurança, algo a que nos possamos agarrar. Olho o rio da janela, ao fundo, luzes que rompem o vazio da noite, e tudo o que queria era ter-te aqui. A certeza de uma conversa no mesmo metro quadrado, no mesmo espaço. Se possível as nossas mãos dadas, ou um olhar. Era isso que queria. Não estou a pedir muito, ou estou?

 

 

PedRodrigues

domingo, 6 de setembro de 2015

No recreio da escola


Ainda penso no beijo
que te não dei
naquele dia
no recreio da escola.
Na altura só queria
jogar ao berlinde, ou
futebol no campo verde
Não ligava a essas coisas
das meninas, ou do amor.
Tu só querias um beijinho
como os que vias
nas novelas das sete
E eu queria ser melhor
que o Maradona
ou o melhor jogador
de berlinde do recreio.
Mas um dia por capricho,
ou outra coisa qualquer
decidi pedir-te um beijo
Tu ignoraste-me
Ainda me lembro
das dores de barriga
por me teres rejeitado.

 
O amor era uma coisa
muito estranha,
naquele tempo.
Ainda é.

 

PedRodrigues