Páginas

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

O bê-a-bá da coisa

Se olhar para ti, para ti realmente, não para uma foto, – embora uma foto seja um segundo de ti – se olhar com certeza de te ver, de mais tarde te poder tocar, se olhar mesmo, consigo imaginar-nos juntos para o resto das nossas vidas. Sei que parece um bocado forçado, de uma rapidez quase supersónica, mas a verdade é que nos imagino lado a lado: eu a escrever livros sentado à janela e tu debruçada sobre mim à tua procura nas entrelinhas. Sonho dedicar-te livros e contos e textos. Dedico-te este – como já dediquei outros. Espero colher contigo todos os frutos dos anos que passarmos juntos. Ver-te envelhecer: uma ruga de cada vez. Não me olhes assim – imagino que me estejas a olhar com vontades homicidas por falar nas tuas rugas. Conheço-te. Para o bem, ou para o mal: conheço-te. É bom conhecer-te. Entender os espaços entre as palavras. A amargura em certas frases. Tu sabes e eu sei: não há relações que vivam sempre na bonança. Todos temos defeitos, todos erramos, todos acabamos por falhar num ou noutro momento. Somos seres falíveis, mas é no meio das nossas falhas que nos vamos compreendendo. E compreendendo-nos, amamo-nos. É este jogo do gato e do rato, esta apanhada desmedida entre barreiras e obstáculos que torna as relações tão especiais. Às vezes precisamos de tropeçar para nos podermos levantar mais e melhores. Precisamos de perceber que temos forças escondidas, e que, bem lá no fundo, vale a pena lutar. Quem ama: luta. Este jogo não foi feito para os desistentes, para os choramingas, ou os fracos de espírito. O amor é uma fonte de esperança, uma vontade cega de acreditar que, apesar dos defeitos, alguém nos merece e nós merecemos alguém. O amor é um puto altruísta que partilha o que tem com o parceiro do lado. O amor és tu nas entrelinhas deste e doutros textos. São os teus cabelos que escrevo, são os teus olhos que escrevo, são as tuas mãos que escrevo, os teus lábios que escrevo, a tua pele que escrevo, os teus seios que escrevo. És tu. O amor é querer-te a respirar contra o meu pescoço enquanto te ponho no papel. Sentir o teu perfume pela casa enquanto me levanto para esticar as pernas e as costas. Amar-te é escrever-te. É sangrar em cada palavra: o meu sangue e o teu sangue: o nosso sangue. Imaginas-te ao meu lado daqui a uns anos? Eu, vaidoso, de óculos futuristas poisados no nariz, de robe vestido diante do computador. Tu ao meu lado, tão serena, tão bela, a veres os filmes de Domingo à tarde. Imaginas o meu beijo na tua testa – eu sei que gostas e que achas romântico. Imaginas? Não sou um mago das relações, nem um profissional do amor, mas creio que este seja o bê-a-bá da coisa. E se olhar para ti, realmente para ti, isto te posso garantir: consigo imaginar o resto das nossas vidas: juntos. O amor deve ser – também – isto, não?


PedRodrigues

domingo, 11 de agosto de 2013

Croniquinha egocêntrica

Sinceramente? Sou bom. Sou o melhor. Sou o tal. Sinceramente? Não há quem me ganhe. Não há quem me derrube. Não há. Eu sou o melhor. Sou Deus. Sou os homens. Sou aquilo que acontece e que vejo e que se derruba nas horas que teimam em passar. Sou. Não me nego. Embarco. Se tiver de chorar? Foda-se, choro. Limpo as lágrimas, olho o mundo, penso: não deixarei nada por fazer. Paro. É mentira. Deixarei tanto por fazer… Mas farei muito. Farei mais que todos os outros. Serei mais, serei melhor, serei eterno. Sou aquilo que posso ser. Aquilo que me permito ser. Sou a dor do actos. A angústia da espera. Sou a bílis da incerteza. O vómito carne do desespero. Sou o não saber. Sou o amor. Sou aquilo que amo e quem amo. Tudo junto.  Sou os mexericos, a merda que sai de boca em boca, a consequência de ser algo ou alguém. Sou como devo ser e não me multiplico em aventuras utópicas. Amo-me  e sei por que razão me devo amar. Sou uma pedra em muitos sapatos. Sou uma pedra partida em vários sapatos. Sou dores no corpo. Aquele sorvedouro e aquele aperto miudinho no peito. Sou o bom e o mau. O vilão e o herói. Tenho ondas de palavras e espero ansioso pelas marés. Vejo-me e entrego-me a mim. Espero pelas balas do escárnio. Pelas setas da inveja. Espero como um homem. Espero de peito feito com coragem. Amo-me hoje e detesto-me amanhã. Mas amo-me. Gosto de mim, porque é bom ser quem sou. E eu sou tão bom. Se me pudessem ver como sou, escreveriam histórias eternas. Se me pudessem ver como sou, fariam de mim quem todos esperam que seja. Mas eu sou. Porque devo isso a mim. E se eu não for, mais ninguém será. Olho-me e vejo-me e sonho-me. Um dia serei quem devo ser. Amanhã talvez seja quem devo ser.


PedRodrigues

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Aos falsos amigos

Irritam-me os falsos amigos. Aqueles que sorriem connosco quando tudo está bem e  que, num passo de magia,  teimam em desaparecer quando as coisas dão para o torto. Irritam-me os complôs e os mexericos que se vão multiplicando de boca em boca. Irritam-me as pessoas que inventam histórias da carochinha sobre tudo e sobre todos. Irritam-me, especialmente, os maus-olhados, os quebrantos e todos esses vudus fulminantes. Há quem nos julgue à distância e nos transforme num herói, ou num vilão. É engraçado como temos a tendência suicida de julgar tudo na vida. Não deixamos acontecer porque tem de acontecer. Não deixamos ser porque tem de ser. Julgamo-nos a nós e aos outros, como se tudo na vida necessitasse de um julgamento. Julgamos e somos julgados. Mas, no final das contas, nunca somos tão maus como nos pintam, nem tão bons como imaginamos.  Ou vice-versa. Há muitas bocas a mendigar por um pingo de atenção. Há disparos homicidas em cada tertúlia das cinco da tarde. Há cinismos que nos corroem devagarinho como um ácido. Há os vampiros das amizades e toda uma cambada de seres fantásticos que vivem das desgraças alheias. Uma escória de camaleões que jogam com todas as cores. Não sei qual o motor que os move, nem por que razão são como são, mas acredito na infalibilidade da terceira lei de Newton: uma acção está sempre sujeita a uma reacção oposta de igual intensidade.


PedRodrigues