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quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Breve reflexão sobre a puta da vida


Às vezes um silêncio enorme que me deixa a pensar. Todos os pensamentos misturados de negro mudo. Uma imensidão vazia, como fechar os olhos sem adormecer. Fitar os espectros da vontade de te olhar, de te ver, de te tocar. Deste lado onde nada parece igual. Onde cresço à socapa do tempo: evitando as rugas, evitando as chagas. Deixando as feridas abertas para me lembrar. Há dores que nos consomem; há dores que nos despertam. Ouvi o meu avô dizer que o mar é só muita água junta. E que no meio do mar há apenas mais mar, e no meio desse mar há esperança de terra. Esperança. Deixamos que as águas nos levem à deriva, na esperança de encontrarmos terra, mas nem sempre as correntes estão a nosso favor. Por vezes temos de remar. Dar de nós. A vida nem sempre nos sorri. Nós nem sempre lhe sorrimos de volta. Às vezes um “puta que pariu” sabe tão bem. Às vezes um pontapé numa pedra que está no nosso caminho sabe tão bem. Às vezes uma lágrima sabe tão bem – e um rio delas?
A vida é uma puta sádica que gosta de nos ver sofrer. Eu devo ser um masoquista do pior, por continuar a acreditar em dias mais felizes. Mas, se assim não for, que me resta? Desisto de remar? Deixo-me levar pela corrente até um dia me afogar na procura de terra? Fecho os olhos. Respiro fundo. Lambo as feridas. Invento um novo tempo. Começo do zero noutro referencial. Guardo a bagagem. Não a apago. Recordar os erros é meio caminho andado para não os voltar a cometer. Feridas abertas que nos destroem ou constroem.
(Reparei agora que, ao longe, consigo tapar a lua com as minhas mãos.)
Não tenho medo daquilo que o futuro me reserva. É esta adrenalina de não saber que me dá vontade de seguir em frente. O chão é construído e pisado e caminhado. As chuvas limpam a poeira, mas não apagam os passos. As luzes da cidade iluminam o que a escuridão queria esconder. Há putas e poetas e pessoas que morrem de amor. A uma certa distância, tudo isto nos pode parecer pequeno. A uma certa distância, todos parecemos mais pequenos que aquilo que realmente somos. Não nos enganemos. Ao longe, a lua cabe na palma das nossas mãos. E a lua é enorme. Não é?
 

 

PedRodrigues

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Tentar esquecer

Tentar esquecer deve ser das coisas mais difíceis do mundo.
Durante a nossa vida, esquecemo-nos de tantas coisas. Coisas banais: como as chaves do carro, ou da casa, o sítio onde deixámos aquele número apontado, que agora nos faz falta, de uma ou outra data de aniversário. Esquecemo-nos de tudo, menos daquilo que nos queremos esquecer. Obrigar a esquecer é um exercício que desafia a lógica. Temos a mania sádica de guardar as mágoas. De repetir a angústia dos momentos tristes, como se o botão de repetição estivesse encravado. De reviver os momentos que um dia foram uma alegria imensa, mas que agora apenas se arrastam por dentro como fantasmas dispostos a atormentar-nos de cada vez que as luzes se apagam. O amor é um bicho do caraças. Quando amamos com as tripas de fora – a única forma de amar que conheço -  julgamos que a nossa felicidade será, para sempre, à prova de bala. Mas até os amores à prova de bala podem ser feridos mortalmente. Somos definidos pela nossa fragilidade. As nossas relações acompanham-nos. Aqui, no campo de batalha, no meio da lama, todos podemos cair: a perfeição serve apenas para nos obrigar a olhar em frente. O que fica depois da queda, além da lama no rosto, são as recordações, as memórias, as chagas. Tentar esquecer, deve ser das coisas mais difíceis do mundo. Obrigar o coração a avançar é impossível: deve ser por isso que ele bate por conta própria. Um dia partilhámos beijos, carne na carne, palavras de amor, alma na alma, momentos, cidades, imagens, danças, sorrisos. Como podemos obrigar-nos a esquecer quem amámos, quando aquilo que queremos esquecer, é aquilo que os faz ficar? São estes paradoxos que nos desgastam por dentro. São estas as cólicas que nos deixam a pensar: se o amor é uma máquina de criar monstros, talvez o melhor seja amar de caçadeira na mão. E no entretanto entre este pensamento e a próxima insónia, acabamos por esquecer tudo isto. Caímos na armadilha e voltamos a dar de nós. Porque, apesar de tudo, o amor é necessário. Um dia há-de ser de vez. Ninguém sai daqui vivo – li eu, um dia destes. 

(Um sorriso, depois do ponto final.)

PedRodrigues

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Perspectiva


Já reparaste que o sol nasce para, no final do dia, desaparecer?
A neve cai para, mais tarde, derreter?
As folhas crescem nas árvores para, um dia, se despenharem no chão?
E já reparaste bem na beleza de um pôr-do-sol; das flores escondidas, que aparecem
depois de a neve derreter; das ruas vestidas com o castanho das folhas caídas no chão?
 
Talvez a beleza do mundo esteja dentro dos olhos de quem a vê.
Já reparaste, mesmo, nisso?
 
PedRodrigues

Coragem


Então quis dar voz às palavras não ditas. Aos poemas não escritos. Às cidades não visitadas. Às madrugadas não partilhadas. Quis procurar o erro, no meio dos erros: as vírgulas que deviam ter sido pontos finais. E dei por mim a lamentar às escondidas - como se pudesse guardar todas as mágoas do mundo - os tropeções e as quedas. O que mais custa numa queda é o impacto do corpo com o chão, o perceber que nos podemos despenhar, que o nosso corpo não é tão duro como julgamos. A nossa fragilidade é uma fraqueza. Ninguém gosta de ser fraco – muito menos parecer fraco. Mas é no meio dos tropeções que nos aprendemos a levantar e a andar. A atenção ao detalhe é tão necessária como os passos que nos obrigam a avançar. Na cadência dos dias que acontecem não há lugar que não queira, um dia, visitar. Não há amores que não queira, um dia, viver. Nem sempre podemos dar razão ao coração. Às vezes é preciso coragem no meio da vertigem. A queda é garantida. O que fazemos depois, depende de nós. Não há castelo que se construa sem a primeira pedra.

 
PedRodrigues