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quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Último texto de dois mil e catorze



Peço ao mundo um segundo. Apenas um segundo. Peço-lhe tempo para cumprir os meus desafios, para atravessar a meta. Nada mais. Peço-lhe tempo para aprender a guardar comigo aqueles que amo, para continuar a amar a carne, os ossos, o calor dos abraços, a alegria dos sorrisos partilhados. Tempo para me preparar para o depois. Peço-lhe tempo para o agora. É isso que quero. Quero concentrar-me no agora. Nas noites frias de inverno, entre as mantas, a escrever como um louco sobre os amores passados e a possibilidade dos amores futuros; nas manhãs de primavera, com todas as cores que guardo por dentro como se de um quadro se tratassem; dos finais de tarde de verão, à beira-mar, de pés na água salgada; das promessas de outono que acabam sempre por cair por terra como as folhas secas. Quero concentrar-me neste segundo. Procurar em mim o brilho que ilumina a noite escura. Descobrir o mapa para a índia do meu coração, e partir. Sem medo de me perder pelo caminho – todos nos perdemos; todos nos voltamos a encontrar. Partir em busca da felicidade. Encontrar o meu ponto de equilíbrio. Criar. Ser. Ser um pouco mais. Ser cada vez melhor. Crescer. É isso que quero: crescer. Dar amor. Receber amor. Olhar o infinito e sonhar com o seu final. Inventar. Gritar bem alto, como um louco. Sussurrar ao ouvido: és capaz. Porque realmente sou. Capaz de transformar um momento menos bom, numa oportunidade. Recomeçar. Criar um novo zero, um novo referencial relativo. Encontrar. Novas pessoas, novas cidades, novos mundos. Tingir a folha em branco. Com lágrimas de alegria, com sorrisos que disfarcem a tristeza. Usar este músculo que não se cansa de bater. Não ter medo de eventuais taquicardias. Não ter medo. Ir em frente. Sempre. Olhar para o passado como isso mesmo: algo que passou, que não volta. Olhá-lo como um motor para avançar e não como um motivo para ficar parado. Ao mundo peço apenas um segundo. Apenas um segundo de atenção. Há tanta coisa que nos escapa. Concentramo-nos na tempestade e por vezes esquecemo-nos da bonança.

Só preciso desse segundo.

 
E tu? Que precisas? Já pensaste bem nisso?

 

PedRodrigues

domingo, 28 de dezembro de 2014

Metades


Talvez o problema seja mesmo esse: tenho a mania de dar muito, e pouco receber em troca.
De iluminar a noite escura, como uma fogueira. Como o brilho incandescente e o calor do fogo, que necessita de combustível para arder.
Algo.
Nada se explica por si só. Nem o amor. Nem o calor. Nem a alma. Nem a noite. Nem a saúde. Nem a doença.
Talvez o problema seja mesmo esse: só procuro a lua quando está cheia. Não consigo amar as coisas pela metade.

 

PedRodrigues

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Pequena reflexão das 02:27

Temos a tendência de esquecer o mais importante. Focamo-nos no facto do copo parecer meio vazio, ou meio cheio. Esquecemo-nos, no entanto, que é apenas um copo com algo no seu interior.

PedRodrigues

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

02:49


Se conseguisse fotografar a tua alma, não te pediria esse minuto da tua atenção. Preciso de te olhar, de te ouvir com calma, como se fosses a minha música favorita. Entendes? Preciso desse minuto de ti. De te descobrir com todo o cuidado. Procurar-te atrás das nuvens que escondem o céu estrelado que és. Procurar o teu brilho – sem me ofuscar; porque o amor é isso; os verdadeiros amantes não se ofuscam um ao outro: brilham em sintonia e iluminam tudo à sua volta. De ti quero esse minuto na madrugada líquida que se dissipa lá fora, em que a cidade se cala e só tu aparentas existir. Quero do teu olhar um reflexo, uma vontade. Esta mesma vontade que trago por dentro de te abraçar. Quero de ti a busca. A procura necessária por esse sorriso em quarto crescente que me deixa sem saber que fazer. Quero de ti um beijo. Lábios nos lábios, língua na língua, amor no amor. Preciso de ti um momento. Apenas um momento. E prometo fazer-te ficar o resto da tua vida.

 

PedRodrigues

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

A noite


A noite é daqueles que se embebedam ou drogam para esquecer todos os desgostos de amor.
É dos poetas, que metem os sonhos no papel.
É de todos aqueles que se escondem da pressa dos dias.
É dos decadentes que procuram o brilho nas luzes da cidade.
É dos amantes, que amam com todas as suas forças e não recebem esse amor de volta.

 
PedRodrigues

sábado, 13 de dezembro de 2014

Breve reflexão sobre a puta da morte

Ao Pedro e à Patrícia

Ninguém sabe o momento certo. O segundo exacto em que a última molécula de oxigénio é respirada. Num segundo ainda cá estamos, no outro, já não. Há uma linha ténue que separa estas duas condições. Uma margem temporal imperceptível.  Num segundo, uma mãe segura o filho nos seus braços, ainda vivo; no outro, tem-no morto, nos braços. O que existe depois é a revolta. A dor. O vazio. O espaço que fica por dentro e que nada parece ser capaz de preencher. Diz-se que o tempo passa e tudo cura. Mas as marcas acabam por ficar connosco para sempre. O vazio pode diminuir, mas não deixa de ser vazio. Agora não há risos, nem brincadeiras, nem gargalhadas. Agora não há palavras de revolta, nem guerras, nem birras. Não somos estrelas no céu porque foi-nos dado um lugar na terra. Um propósito mundano. Somos feitos da mesma matéria: cada um no seu espaço. Os mortos não nos olham de cima. Depois daquele segundo resta apenas uma ausência cega – talvez por isso nos fechem os olhos. A morte é a diferença entre a alegria e a tristeza. A companhia e a solidão. Quando morre alguém que amamos, parte de nós morre com essa pessoa. Fica a saudade. E a saudade é um infinito muito grande no peito:  nada o preenche.

Puta que pariu a morte!


PedRodrigues

domingo, 7 de dezembro de 2014

07/12/2014

Tudo o que preciso é do toque dos teus lábios ao adormecer
E do brilho dos teus olhos ao acordar.

És o único ponto cardeal que necessito.

PedRodrigues

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Caderno


E no meio do caderno recordações de um amor passado. Juras de um “para sempre teu” e de um “para sempre tua”. Palavras. Nada é para sempre. Agora a página termina. Não há mais linhas onde escrever. Não há mais espaços onde marcar os sentimentos no papel. Agora viramos a página. A história terminou. Fechamos o caderno. Até um dia o voltarmos a abrir por acaso. Vai doer. Pode ser uma dor miudinha, quase sem sentido, mas vai doer. É a dor da afirmação. Se o amor for verdadeiro, quando terminar doerá. Esta é a prova que o amor existiu. Depois do fim, o amor dói. Porque estas coisas têm a mania sádica de se perpetuarem por dentro. Vivemos do avesso. Guardamos as mágoas e mostramos os sorrisos. Somos cadernos de capas rijas, marcados com histórias de amores quase possíveis. Um dia alguém nos abrirá e perder-se-á no meio das nossas histórias. Não se cansará de nos ler. Não terá medo dos segredos que guardamos, nem das chagas que nos marcam. Um dia alguém voltará a escrever nas nossas páginas. Com sorte, poder-se-á ler: “amo-te, aqui mais ninguém escreverá”.

 

PedRodrigues

domingo, 23 de novembro de 2014

Lições

Lição número um: ama-te.
Lição número dois: lembra-te da lição número um, quando amares alguém.

PedRodrigues

sábado, 22 de novembro de 2014

Fotografias


Encontrei há pouco algumas fotografias antigas. Fico sempre com um travo a tristeza quando vejo imagens de outros tempos, outras idades. Desta vez, entre tantas outras, a que mais me marcou foi uma em que o meu avô está comigo ao colo, era eu um bebé com menos de um ano de idade. Espantou-me, particularmente, a força e a vitalidade do meu avô naquela foto. Os braços fortes, o cabelo ainda grisalho. As histórias que sempre ouvi não fazem justiça ao homem que era e que aquela foto tão bem retrata. Outrora o meu avô “virava o mar do avesso”, como ele próprio me diz. Apercebi-me, naquele momento, da inevitabilidade do tempo. Do instante daquela fotografia até hoje, passaram vinte e sete anos. Hoje, aqui estamos, eu e ele, lado a lado. Eu, um jovem adulto, ele, o resto que sobrou do homem que um dia foi – é bastante, acreditem. Há quem olhe as fotografias de sorriso no rosto, recordando momentos do passado. Para mim, estas fotografias são uma afirmação do presente e um alerta do futuro. Assustam-me. Um dia, o meu avô já não estará comigo. Ficarão as fotografias, mas ele não. É esse dia que temo. O tempo é um monstro que nos devora. Um dia seremos apenas o pó que sobrou desta luta, desta vida. Um dia seremos apenas fotografias: recordações de um passado que passou por nós a correr.

Somos instantes. Aproveitemos.

 

PedRodrigues

sábado, 15 de novembro de 2014

Shhh...

Vieste para tomar café,
Acabaste por ficar para jantar.
A conversa estava a ser óptima
O teu sorriso, os copos de vinho
A sobremesa, os teus lábios,
O café, os teus olhos…
Não sei o que de mim te fez ficar
Acho que isso nada importa
Ficaste.
A conversa vai longa
Só nos calamos enquanto
Nos beijamos.
Shhh…


PedRodrigues

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Jogos de sorte

Nos jogos de sorte, devemos desistir quando estamos a ganhar. Foi isso que fiz. Tive a sorte de a encontrar, então desisti de procurar. Não sou, no entanto, imune à beleza feminina, aos desafios verbais, à força de algumas personalidades mas, no final das contas, nada disso se compara à forma como ela me desarma, sem saber que o faz.  Quando olho em volta, tudo se resume a ela. Ao jeito de ela me adivinhar. Claro que o desconhecido é um atractivo. É impossível negá-lo. Mas chega uma altura em que nos cansamos de explorar. Em que tudo o que queremos é alguém que entenda o que dizemos, mesmo quando nada dizemos. Alguém que nos adivinhe. Alguém que seja o mesmo jogo, mas com um nível diferente todos os dias.


PedRodrigues

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Aos amigos que partem


O que mais me custou foi aquele último abraço, depois de lhe ter dado o livro. Não lhe disse “adeus, até um dia”, disse “adeus, até já”. Não quis juntar uma massa temporal tão grande a um espaço tão pequeno. Aos amigos que partem, desejo que voltem. Foi isso que lhe disse “até já”. Para a semana não lhe vou enviar uma mensagem  a avisar a hora  do jogo de futebol, nem a combinar uma jantarada de amigos - sei, à partida, que ele não vai aparecer. Agora todas as mensagens que trocarmos serão escritas com saudade. Com vontade de quebrar os milhares de quilómetros que nos separam, o fuso-horário que nos troca as voltas. Durante a partida desejamos a chegada, durante a chegada desejamos que o tempo pare, que o mundo se esqueça de nós. Somos obrigados a emigrar. A construir novas casas, novos lares. A necessidade assim o obriga. Deixamos o coração em casa e partimos vazios à espera de algo que nos preencha. Procuramos novas fundações onde nos possamos reinventar. Andamos, caímos, levantamo-nos. É isso que espero dele, do outro lado deste mundo que teima em girar de forma caótica. Desejo que ele se reinvente e prospere. Deste lado, nós vamos tentar fazer o mesmo. Um dia voltaremos a estar todos juntos, noutro lado qualquer, num outro fuso-horário qualquer. Depois abraçamo-nos novamente e dizemos “adeus, até já”. Porque é isso que somos: o regresso, no momento da despedida. Até já.

 

PedRodrigues

sábado, 8 de novembro de 2014

Poema da cidade que um dia foi nossa

Agora as ruas vazias,
As sombras perdidas pela cidade
O teu rosto em cada canto
Onde partilhámos beijos e
Juras de amor
Às vezes uma gargalhada,
Ou um olhar indiscreto
Dizia que te amava
E não te mentia
 
Agora as memórias
Agora as histórias repetidas
Os restos das lágrimas choradas
Agora a calçada e o musgo nas paredes
As vidraças turvas, onde a luz custa a passar
Agora a dor do último beijo
Do último adeus
 
Queria que fosse um até já,
Mas não foi.
 
Agora nada a não ser
O vazio
Tudo remexido com a vontade de ti
Quilómetros quadrados que não fazem sentido
Sem te ter ao meu lado.
 
Depois de ti tudo mudou,
E, no entanto, tudo permanece imutável
Pequenas partes tuas em toda
A parte.
Não há um lugar que diga que é apenas meu.
 
Fui ontem ao sítio onde te vi pela última vez:
Não estavas lá.
Deixei-te uma flor
E vim embora.
 
Se sentires a minha falta
Procura-me pelas linhas da cidade
Onde as minhas memórias
Ainda namoram com as tuas.
 
 
PedRodrigues
 

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Outra dissertação sobre os dias de chuva

Lá fora chove. O céu parece querer desabar sobre as cabeças de quem anda na rua. Pergunto-me por que razão olhamos tantas vezes o céu. Talvez o céu seja apenas algo bonito de se olhar, ou talvez procuremos respostas. O céu não nos responde. O céu chove sobre as nossas cabeças. É o que o céu sabe fazer, aquilo para que foi criado. Diz-se que a chuva, por vezes, é uma bênção; outras vezes é uma maldição. Aqui dentro, no meu bloco de papel, perco-me em analogias entre a chuva e o amor. Descobri, no meio desta confusão de palavras, uma ténue verdade que talvez mais tarde venha a refutar. Vivemos na crença do amor perfeito. Procuramos algo que não existe, que nos foi contado pelas histórias que terminavam invariavelmente num “felizes para sempre”. Criámos uma ilusão do amante perfeito, aquele que compreende as sete cores do nosso arco-íris. Mas ninguém é de barro. Ninguém se molda à nossa vontade. Ninguém é perfeito. Ninguém entende as sete cores. Todos temos as nossas dúvidas, as nossas inseguranças, as nossas confusões, as nossas lutas pessoais. Somos seres falíveis. “Perfeitamente defeituosos”, como ouvi uma vez. Nem sempre a chuva que cai do céu é uma bênção. E nem sempre os outros nos vão agradar incondicionalmente. Temos de os aceitar por aquilo que são e não por aquilo que poderão ser. Talvez nesse momento sejamos mais felizes. Um mundo sem erros é como um céu sem chuva: no meio da seca, acabamos por ter saudades de nos molhar.


PedRodrigues

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

O último poema de Outubro

O que mais me custou quando partiste foi pensar que
passaria mais um inverno sozinho.
Não guardei de ti calorias de amor suficientes para
me manter  quente nos dias gelados que se aproximam.

Vem o frio, vem a chuva
e nada disso parece fazer sentido sem ti.
Os dias são mais pequenos e
as noites mais longas.

A solidão é um banho de água gelada.

Talvez morra de hipotermia.



PedRodrigues

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

O meu lugar


Nem sempre o horizonte é uma linha recta - pelo menos aqui. Noutro lugar, haverá outros horizontes. Talvez sejam linhas rectas, ou não. Não sei. Conheço o horizonte deste lugar. Embora por vezes ainda me surpreenda. Conheço o horizonte do meu lugar. Foi aqui que nasci. Foi aqui que cresci. Foi aqui que dei o meu primeiro beijo. É aqui que me perco. É por aqui que desespero, quando estou longe. Este é o meu lugar. Diz-se que “casa é onde o coração está”. Não podiam estar mais certos. Vá para onde for, a minha casa vai comigo. É por este horizonte que desespero – e ainda cá estou. Tenho vontade de conhecer o mundo, tenho vontade de viver noutros lugares, de conhecer e viver novas culturas. Mas este será sempre o meu horizonte: um mar de prata imenso, que se desmancha freneticamente na areia. Para onde quer que vá, levarei este cheiro comigo. O toque salgado das areias e das algas deste mar. É bom partir, se tivermos para onde regressar. Tenho para mim que a vida se perde numa circunferência: começa e acaba no mesmo ponto. Tenhamos nós a sorte de acabar de a desenhar. Tenhamos nós a sorte de partir, para regressar.

 

PedRodrigues

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Não sei que título dar a isto


Não quero olhar para ti e pensar que foste aquela que deixei fugir.
Vou esperar que o tempo passe, a poeira assente e tudo volte ao sítio certo – se é que há um sítio certo.
Vou esperar pela neblina da manhã do primeiro dia da primavera, pelo vermelho fogo do pôr-do-sol do primeiro dia de verão, pelo cheiro da terra molhada do primeiro dia de outono, pelo calor humano partilhado na primeira noite de inverno.
Vou esperar. Sem pressa de nada. Sem vertigens de ansiedade.
Vou esperar no meu canto, sem te pressionar.
Não vou adiantar os ponteiros do relógio. Rezar aos anjos e aos santos para que o tempo acelere. Não me vou desdobrar em pensamentos, ou invenções. Não me vou lamentar, como um parvo.
Vou esperar.
Devagar, o momento certo há-de chegar. Quero estar preparado.
E quando olhares para mim, espero que digas que sou aquele que acertou.
Quero ser aquele que ficou.

 

PedRodrigues

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Às mulheres que terminam capítulos

Então saiu à rua. Muito senhora de si. De lágrimas guardadas na mala, ao lado da maquilhagem. De esperança nos olhos e sonhos desenhados nas palmas das mãos. Às vezes é preciso um ponto final, e não uma vírgula. Os capítulos começam com letra maiúscula – aprendeu na escola. Olhou para trás e ele ainda lá estava. Se deres mais um passo, cais no precipício, pensou. Já não há chão entre nós. Acabou. Desabou por completo.  Se deres mais um passo cais no precipício. Agora eu avanço sem ti.  Já nada nos une. Já nada de bom nos une. Já nem as lágrimas te choro. Já nem o luto te faço. Acabou. Acabamos por perder aquilo que não sabemos guardar. E tu perdeste-me, pensou. Nem uma palavra ela disse. Nem um som ela fez. Nem uma última lágrima, por ele, ela chorou. Diz-se que o destino é um corredor muito longo com várias portas. Ela acabara de fechar uma. E preparava-se para abrir outra.


PedRodrigues

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Seis de Outubro


Não foi pelo primeiro olhar que partilhámos – e acredita, pareceu eterno. Não foi pelo primeiro beijo: lábios nos lábios. Não foi pela vontade revolucionária de mudar o imutável - tempo e espaço - que me separavam dela. Não foi pela primeira conversa que tivemos: as horas transformadas em palavras e sentimentos. Não foi nada disso. Nem sequer a necessidade urgente de lhe dizer as palavras que se atropelavam por dentro como que com pressa de sair. Nada disso. Não foram os suspiros que me percorriam o corpo, na busca de segredos que teimava em tentar esconder. Não foram os sonhos inventados de vidas futuras partilhadas lado a lado: ilhas na corrente. Não foram as gargalhadas estridentes a ecoarem pelo quarto. Não foi nada disso. Apesar de tudo isso parecer suficiente. Apesar de tudo isso parecer bastante. Não foi pela sorte de a ter conhecido. Não foi pela estabilidade no meio do caos, ou o caos no meio da estabilidade. Não foi pelo desafio de a fazer sorrir a primeira vez. Não foi por nada disso. Nem dos olhos eu me esqueço, nem da boca eu me esqueço, nem do nariz eu me esqueço, nem dos cabelos eu me esqueço, nem do cheiro, nem dos sinais, nem das curvas, nem da voz. Mas não foi por isso que me apaixonei por ela. Foi pela forma como ela dançava para mim, como se eu cantasse uma música que só ela conseguia ouvir.

 

PedRodrigues

domingo, 21 de setembro de 2014

Corolário destes dias sem ti


E no final todos somos passado guardado em caixas. Enterrados debaixo de sete palmos de entulho amoroso. No final, nada. Fica o gosto salgado das lágrimas choradas, os papos e as olheiras. Uma tristeza miudinha. Uma esperança abafada daquilo que podíamos ter sido e acabámos por não ser. No final não há tempestade. Já lá vai. Passou. Ficam as vozes que ainda ecoam por dentro, que não se calam, que nos acompanham durante as noites de insónias. Ficam as memórias gravadas nos espaços que partilhámos juntos. Eu marquei-te e tu marcaste-me. Os espaços nunca mais serão os mesmos. Nada fica igual e, no entanto, nada mudou. Li uma vez que o amor é uma força interior. É verdade. O amor remexe-nos por dentro. Constrói, ou destrói. Mas tudo por dentro, nunca por fora. O amor, como amor, não tem força, por si só, para construir, ou destruir castelos e cidades. No entanto, pode mover os homens a fazê-lo. E foi isso que nos aconteceu. Fomos remexidos por dentro. Nada está no seu lugar. Apesar de parecermos os mesmos, por fora, – tirando uma ou outra ruga; uma ou outra olheira – estamos estilhaçados por dentro. Agora somos passado guardado em caixas. Algo que julgamos estar mudo, num canto, para sempre. Mas o passado não se cala. Pode falar baixinho, às escondidas, mas não se cala. Pelo menos, por enquanto. Pelo menos enquanto esta ferida que arde por dentro não sarar. No final não há tempestade. É isso que mais me assusta.

 

PedRodrigues

Alguém passe isto no noticiário das oito


Tenho para mim que o melhor serial killer de sempre é o amor: já matou tanta gente e nunca cumpriu um dia de prisão.

 

PedRodrigues

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Timing


Não creio que a felicidade se tenha esquecido de nós. Talvez seja uma questão de timing. Mais tarde, quem sabe? A vida tem esta mania sádica de destruir o que é bom. Resta-nos a persistência, o engenho, a calma. Podemos chorar – devemos chorar, ora essa – esbracejar, espernear, berrar. Partir a loiça toda. Podemos passar noites em branco a recordar o que era bom, o que nos unia. A indagar os porquês e a procurar soluções. Sonhar um com o outro: o que podíamos ter sido. O que podemos ser. Mas tu estás aí e eu estou aqui. Separados por quilómetros e horas. Por espaço e tempo, que não encurtam com a nossa vontade. A vida é uma merda. Eu sei e tu também sabes. É um campo de batalha e só quem luta acaba por vencer. Deste lado eu vou lutando. Desse lado também lutas. Não te peço que esperes por mim, assim como não me pedes que espere por ti. Há caminhos que precisam de ser percorridos. Os caminhos são feitos por quem os caminha. Amar significa deixar que o outro faça o seu caminho, mesmo que esse caminho não seja o nosso. Sei que custa, mas o amor é um tipo fodido. Nada a que não estejamos habituados. Somos uns guerreiros do caraças, não somos? Talvez tudo isto seja apenas uma questão de timing. Ou um erro de julgamento dessa força dinâmica que mete ordem no mundo. Há que ter paciência. Se tiver que ser, será.

Não creio que a felicidade se tenha esquecido de nós.
Digo e repito.

 

PedRodrigues

domingo, 7 de setembro de 2014

Poema a quente


Olhei em volta e não te vi
O meu copo teimava
Em desaparecer
Pedi outra bebida e
Esperei
Mas não sabia
Se irias voltar
Olhei o relógio
E percebi:
Era tarde e não ias regressar
Perdi-te e nem percebi
Que viver sem ti
É querer-me matar

 

PedRodrigues

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Ensaio sobre o final de uma relação

Nas palavras dela, a culpa é minha. Porque depois do último adeus, do último beijo, me afastei. Diz que ainda me ama, ainda sonha comigo, ainda pensa, várias vezes, – demasiadas, segundo ela – em como seriam as nossas vidas se não nos tivéssemos separado. O que ela não compreende – e é isto que me irrita – é este sorriso e boa disposição com que disfarço as noites mal dormidas, as greves de fome, os soluços no peito sempre que vejo as fotos dela com as amigas a beber uns copos. Nas palavras dela, sou o vilão por ter esquecido tudo aquilo que passámos juntos. Por não a ter procurado quando ela mais precisava – e ela precisava sempre. Por sair à noite e não lhe dizer seja o que for. Esqueci-a. Fui eu que a esqueci e a desliguei num interruptor qualquer. Mas o que ela não entende é que apesar de sair com os meus amigos, não me esqueço dela. Quando bebo uns copos faço uma força imensa para não pegar no telemóvel e lhe dizer tudo o que sinto, todas as saudades que não consigo abafar por mais que tente. Não entende que preferia estar deitado com ela a ver um filme qualquer – não importa qual – e a fazer jogos de força com os pés em que nenhum de nós ganha ou perde. O que ela não entende é que durante todo este tempo, sempre que falava com ela, a convidava para vir ter comigo, mas ela não tinha tempo. Fazia-me de convidado para ir ter com ela, mas ela não tinha espaço. Acho que ela não me entende. Talvez eu não a entenda a ela, também. As coisas são como são, e por vezes os opostos atraem-se só para se destruírem um ao outro. Imagino que seja esta a lei fundamental das coisas. Não me vejo como um pobre coitado, que neste momento está sozinho na ressaca de uma relação. Assim como não me vejo como um vilão. O que não falta por aí são músicas sobre corações partidos, desgostos de amor e toda essa panóplia de flagelos amorosos. Mas a vida é mesmo assim: de tanto ouvirmos a mesma canção acabamos por nos fartar. Resta-nos apenas ter vontade de mudar e procurar uma canção diferente.
 
PedRodrigues

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Uma espécie de carta de amor


Não sei se isto é uma carta de amor, ou uma declaração de amor de algum género. Sei, porém, que te procuro todos os dias, na ânsia de te dizer o que sinto - que não é pouco. Vejo as tuas fotografias e atormenta-me não te falar, nada te dizer. Revolto-me com a minha cobardia. És a minha revolução – acredita – e ainda não te conheço, pouco sei sobre ti. Tenho vontade de te abraçar, de te dizer coisas que agora se aparentam presas na minha garganta. Sou um tipo estranho, confesso. Ainda não te conheço e já imagino cenários aleatórios contigo a meu lado. Num deles, estás com uma coroa de flores no cabelo, a sorrir – como naquela foto, sabes? – para mim. Era capaz de ficar horas parado a ver-te sorrir. Talvez seja mesmo amor, quem sabe? Ainda não te conheço e já te amo. Deve ser difícil aceitar isto, mas eu não cedo aos caprichos do socialmente correcto. Talvez te ame, não tenho vergonha de o dizer. E talvez tu leias isto e questiones a minha sanidade mental, mas eu tinha de o dizer. Porque amar-te em silêncio estava a deixar-me louco. Nestas coisas do amor, não chega imaginar. Sonhamos acordados com o que queremos que seja real. E a realidade, nua e crua, é que te quero ao meu lado a partilhar um café nessas chávenas em forma de coração, enquanto eu te digo coisas lamechas na esperança de um sorriso. Sim, esse sorriso, que me faz sonhar acordado.

Quando entrares, fecha a porta.

 

PedRodrigues

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

01:47

Descobres, devagar, que o mundo continua a girar, mesmo quando estás parado.

E isso assusta-te.

PedRodrigues

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Fala-me dos teus dias ao lado dela

São beijos no pescoço
Pequenos-almoços na cama
Ao Domingo de manhã
Carinhos em sítios aleatórios
Que arrepiam

 
São mais quinze minutos
Só mais quinze minutos
Antes de meter os pés no chão
Antes de regressar à rotina
São mais quinze minutos
Só mais quinze minutos
Junto a ti
(Podemos ficar aqui para sempre?)

 

São insónias partilhadas
às duas da manhã
As minhas ideias ridículas
As tuas gargalhadas estridentes
Enquanto a cidade dorme
E ninguém ousa fazer barulho

 

São coisas que ninguém sabe
E que guardo para mim
Como o quanto me amas
E o quanto te amo a ti.

 

 

PedRodrigues

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Partir, para ficar


Comecei, no dia um de Agosto, a escrever o meu segundo romance. Sou sempre um pouco céptico em relação ao que escrevo. Não é fácil meter no papel aquilo que trazemos por dentro. Não é fácil metermos as tripas de fora. Mas é necessário.
Aqui vos deixo um pequeno excerto. É assim que tudo começa.


Ali, o mar. Ali, o horizonte. Ali, as incertezas de uma vida que ninguém conhece, ninguém vê. O mar liga terras que não conhecemos, com pessoas que não conhecemos, com vidas que não conhecemos. O mar liga-nos.
 
As histórias começam onde as pessoas acabam. Há gente que acontece para lá daqui. Se gritar, mesmo que grite com todas as minhas forças, do outro lado do mundo ninguém me ouvirá. Sou demasiado pequeno para um mundo tão grande. As histórias são inventadas para serem passadas de boca em boca. Se tiver sorte, a minha história chegará ao outro lado do mundo. Os homens são demasiado pequenos para este mundo tão grande. Mas, de quando em vez, há homens que crescem e se multiplicam por todo o lado. Vão crescendo de boca em boca. O sonho dos homens é esse: serem gigantes.
 
Esta é uma história sobre pessoas e ideais. Uma história sobre concretos e abstractos.  
Tudo se passa numa pequena vila, junto ao mar, na margem sul de um rio que a separa de uma cidade média. Entre as duas margens há uma ponte. Há quem a atravesse para ir trabalhar, há quem a atravesse para regressar a casa. Esta é uma história de partidas e regressos.

PedRodrigues

terça-feira, 29 de julho de 2014

Vinte e quatro horas na esperança de ti


O sabor a menta fresca do teu beijo ainda me consome. Lá fora o sol brilha. Olho as pessoas na rua, pela janela. Às vezes passam casais de mãos dadas. Lembro-me de ti. Recordo-te a sorrires para mim. A dizeres-me aquelas coisas bonitas que eu adorava ouvir. Lembro-me de ti. Uma lágrima. Esses dias parecem-me tão distantes. Onde estás? Olho para o telemóvel. Nada. Nem uma mensagem, nem uma chamada perdida. Abro o computador. Procuro as tuas fotos. As nossas fotos. Outra lágrima. Sabes como era feliz? Muito feliz. Demasiado feliz, até. Talvez por isso me tenha dado ao luxo de errar. Perdi-me no meio de tanta felicidade. Acabei por me distrair. Perdoa-me. Por favor, perdoa-me. Fui uma parva. Sou uma parva. Mas amo-te. Foste, és e continuarás a ser a melhor parte da minha vida. Passámos por tanto. Sempre foste o meu companheiro neste campo de batalha. Sempre estiveste ao meu lado nos dias menos bons. Sempre tiveste um abraço guardado para mim quando tudo o que precisava era isso mesmo. Era no teu sorriso que me perdia. Hoje estou perdida à procura desse sorriso. Sinto-me à deriva. Amo-te, juro que te amo. Sei que te deve custar acreditar nisto, mas amo-te. Lá fora o sol brilha, cá dentro eu vou-me eclipsando. As nossas fotografias são o que me resta. Isso e os cenários que vou reconstruindo com a minha memória. Mas isso não me chega. Nada disso me chega. Um dia tive tudo. Hoje não tenho nada. Percebes?
Começa a cair a noite. Tenho novamente a idade que tinha quando te conheci. Tenho novamente a idade do nosso primeiro beijo. Lembras-te? Desde esse momento até agora o mundo deu algumas voltas. Sentiste o mundo a girar sobre nós? Ainda sinto o teu perfume nas minhas roupas – ou imagino o teu perfume nas minhas roupas. O sabor a menta fresca do teu beijo ainda me consome. As lágrimas foram inventadas para serem choradas, disseram-me uma vez. Então eu choro-as todas por ti. Choro um mar. Invento ondas. Invento cores quentes e cores frias. Reinvento o mundo, as palavras, os desejos, as crenças, os ideais. Reinvento tudo, se for preciso. Reinvento tudo para te ter novamente comigo.
Acabei de me deitar. Há um vazio ao meu lado com os contornos do teu corpo. Meti duas almofadas na cama para o caso de apareceres sem avisar. Não, não é um delírio. É uma mensagem de esperança. Espero que apareças e me digas que me amas, baixinho. Sussurra para que mais ninguém oiça. Só eu e tu: parceiros de crimes de cabeceira, amantes condenados a um amor quase épico. Só eu e tu. Volta para mim.
Os meus dias são assim: vinte e quatro horas de ti. Vinte e quatro horas na esperança de ti. Já te disse, mas repito: perdoa-me. Errei, eu sei. É difícil – acredita, eu sei. Mas ninguém nos disse que as relações são fáceis. Ninguém nos disse que a vida é bela como no cinema. Não haveria a bonança sem a tempestade. Nem a alegria sem a tristeza. Esta é a minha mensagem de esperança. O sabor a menta fresca do teu beijo ainda se passeia pela minha boca. Volta. Diz que me amas. Vamos começar tudo de novo. O mundo é nosso. Não desistas de mim. Eu nunca desistirei de ti.

 
PedRodrigues

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Poema a quem fica


É assim que eu sou: convido as pessoas a entrarem
E peço-lhes que fiquem mais um pouco.
Algumas vão mesmo ficando, outras
Desaparecem. Ficam as histórias.
Essas vão ficando comigo para que
As conte e continue a convidar as pessoas
A entrarem. A ti peço-te que entres
E que fiques só mais um pouco
Fica. Se puderes vai ficando
Sempre mais um pouco. Conta-me
As tuas histórias. Convida-me a entrar.
Era capaz de me sentar contigo e
Contar-te histórias da minha vida.
A deixar-te entrar devagar. É assim
Que eu sou. Fica só mais um pouco.

 
PedRodrigues

quarta-feira, 16 de julho de 2014

00:10

E as palavras
que nunca te disse
ficarão guardadas atrás
dos meus lábios
até que um dia
as venhas buscar.

PedRodrigues

terça-feira, 15 de julho de 2014

(pro)cura-me


Tenho saudades tuas. Só o que está ligado se pode partir, é certo. Nós estávamos ligados, como todos os bons amantes. Só o que está ligado se pode partir, repito. Tenho saudades tuas. Tenho saudades nossas e de tudo o que era nosso. O mundo era nosso. O sol nascia, o sol punha-se, e nós estávamos juntos, cá dentro, onde tudo parecia certo, onde estávamos protegidos. Cá dentro, onde apenas existíamos eu e tu, nada poderia dar para o torto. Havia gargalhadas, beijos, declarações ingénuas de amor, havia filmes noite adentro, poemas recitados, olhares escondidos e mais tarde revelados, carícias e abraços intermináveis. Cá dentro estávamos seguros. Mas o mundo acontece, também, lá fora. Ninguém se pode esconder para sempre da vida. Há os refúgios, as escapadelas, as férias, mas a vida acaba sempre por nos encontrar. Acaba por nos acontecer e, se não estivermos preparados, acaba por nos atropelar a duzentos quilómetros por hora. Acho que foi isso que nos aconteceu. Nenhum de nós estava preparado para o mundo real, onde as coisas nem sempre são como queremos. Onde todas as excepções têm regras. Não estávamos preparados para nada disso. Distâncias abismais, pessoas aleatórias a aparecerem e a desaparecerem à nossa volta, medos, dúvidas, confusões. No fundo, problemas. Até ali eles sempre nos tinham passado ao lado, como se tivéssemos um campo de forças à nossa volta que os desviava. Até ali nada nos podia separar. Era para sempre, pensávamos nós na nossa ingenuidade. Era para sempre. Só que nunca é. Nada é para sempre. Tudo dura até um dia. Viemos do pó e ao pó voltaremos, sempre ouvi dizer. Neste momento é isso que nós somos: um resto que ficou desses dias. Fomos carne na mesma carne, músculo contra músculo, pele na mesma pele. Fomos inteiros, até um dia nos estilhaçarmos em mil. Hoje somos as memórias que guardamos desses dias, dessas gargalhadas, dessas carícias, desses poemas ditos ao desbarato. Hoje somos a saudade. Somos essa noção concreta do que um dia foi abstracto. Será para sempre, um dia pensei contigo. E será para sempre o momento do teu sorriso quando te dizia que te amava. Será para sempre a arritmia que sentia quando me sorrias embriagada de amor. Serás para sempre, até um dia. Serás para sempre enquanto te procurar no meu telemóvel, nas minhas roupas e por toda a parte. Serás para sempre enquanto acreditar. Serás para sempre nesta saudade

 
(pro)cura-me com a carne
Dos teus lábios junto
À carne dos meus
Cura-me do veneno
Que é não ter-te
Procura-me nas tuas
Memórias, como eu
Te procuro nas minhas
E dá-me a mão devagar
Como se o tempo parasse
E nada tivesse que
Mudar

 

Serás para sempre até ao dia em que estas palavras estiverem gastas. Porque passaste pela minha vida e, para o bem ou para o mal, acabaste por ficar presa em mim.

 

Repito-te: (pro)cura-me.

 

PedRodrigues

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Poema sobre o fim de uma relação


Mudei o teu nome
No telemóvel
Tirei a alcunha e
O coração
Agora és só mais um
Contacto. No meio
De outros contactos
Quando me ligas
Ou mandas mensagem
Já não aparece a tua
Fotografia a sorrir
Para mim.
Estou triste
Acabei de perceber
Que isto é o início
Do fim.

 

PedRodrigues

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Desabafo


Conta-me tudo o que te atormenta. Tudo aquilo que odeias em ti. Todos os detalhes mais sórdidos que escondes do mundo de forma tão engenhosa. Conta-me o lado menos bom dos teus dias. Aquilo que mais odeias em tudo o que te rodeia. Conta-me os teus fracassos. Os teus segredos mais embaraçosos. Despe o sorriso que mostras aos outros. Fala-me dos amores fracassados. Das lágrimas choradas às escondidas. Das cólicas de nervosismo e dos gritos de revolta. Mostra-me esses recantos mais escuros que vais tentando esconder em ti. As súplicas abafadas que ainda te corroem por dentro. Diz-me que há algo de errado contigo, como se realmente houvesse. Diz-me que te sentes deslocada neste mundo, que ele não foi feito para ti. Relembra todas as desculpas que deste a ti mesma para não seres feliz. Tudo aquilo que negaste a ti mesma por não te achares merecedora. Conta-me todas as tuas tormentas e não me escondas nada. Eu prometo salvar-te de todos esses males que perpétuas em ti. Prometo explorar todos os cantos mais escuros onde se escondem os monstros que te afligem. Prometo-te que nada há de errado em ti. Que tu és o meu mundo. Deixa-me beijar todas as feridas que ainda estão abertas, e todas as chagas. Deixa-me adormecer-te no meu peito como se fosse a tua casa, o teu lar. Deixa-me dizer-te ao ouvido que todos os estilhaços que fazem parte de ti, todas as imperfeições, todos os dias menos bons, são tão belos como o sol que nasce nos teus olhos todas as manhãs. Vem até mim com tudo aquilo que és e que sonhas ser. Deixa que te consuma, cada pedaço de ti, até que sobre apenas o murmúrio da tua boca junto ao meu ouvido, sem males, nem tormentas. E deixa-me amar cada recanto teu, como se nele se escondesse um pedaço meu.

 

PedRodrigues

domingo, 29 de junho de 2014

Outra crónica sobre o amor

Não querias o amor. Nunca procuraste o amor. Mas ele, teimoso, teimava em encontrar-te. Julgaste que lhe podias fugir. Que conseguias correr mais que ele. Um dia ele cansa-se, pensavas. O amor não se cansa – ao contrário de ti. E inventaste línguas para não dizeres o amor. Inventaste países para te refugiares e viveres de ti. Declaraste guerras a quem passava as tuas fronteiras. Renunciaste o gemido excitante do toque no corpo; o arrepio do orgasmo. Renunciaste a verdade escondida atrás dos lábios. Reinventaste o tempo para que nunca fosse o momento certo, o minuto certo. Quiseste com todas as forças que nada fosse como nos filmes do cinema. Apagaste todas as luzes para que não pudesses ver as caras que apaixonam. Calaste as vozes que gritavam dentro de ti e te pediam companhia. Tornaste-te cega e surda e muda. Quem não vê, quem não ouve e quem não diz, não pode amar, pensavas tu. Achavas que não havia mérito em jogos viciados. Achavas que o amor era um jogo viciado: perdias sempre. Não havia esperança. Um dia ele cansa-se, pensavas tu. Mas o amor não se cansa, já te disse. O amor encontra-te. E podes esconder-te na neblina da cidade, podes caminhar pelas ruas vazias de cabeça baixa, um dia ele encontra-te. Um dia o relógio marcará a hora certa. Levanta a cabeça, olha em frente: já está.


PedRodrigues   

terça-feira, 10 de junho de 2014

Poema do fim da tarde

Bate o fim da tarde na janela
E eu estou para aqui
A ver as tuas fotografias
A imaginar-me nelas
Com vontade de te tocar
Com vontade de te beijar
Com vontade de te dizer
Que és linda
Não o faço
Deixo-me ficar  a olhar-te
Esperando que um dia
Partilhes um fim de tarde
À janela
Comigo



PedRodrigues

terça-feira, 3 de junho de 2014

Poema de um amor altruísta


Tu dizes que gostas de mim
Mas há um mundo para lá de mim
E esse mundo também tem coisas boas
Perguntas-me se te estou a atirar aos lobos quando te falo desse mundo
Não estou
Quero-te por perto
À distância do meu toque
Longe dos lobos
Quero ser a tua casa
Mas não te posso obrigar a ficar
Se tiveres de partir, parte
Eu cá me hei-de aguentar
A tactear-te pelos cantos
Imaginando-nos felizes
Para sempre.

 

PedRodrigues

 

 

domingo, 1 de junho de 2014

Croniquinha em jeito de desabafo



E então descobri silêncios dentro do silêncio. Naquele dia, àquela hora, quando tudo o que queria era ouvir a tua voz junto ao meu ouvido. Descobri que há mais para lá do fim que aquilo que julgamos. Então fechei os olhos. Apertei as saudades misturadas entre os lençóis: tu não estavas. Há mais para lá do fim. Há o que fica de nós: sangue, suor, lágrimas. Então percebi que as lágrimas que choramos quando morre o amor são as que mais nos magoam. As lágrimas que choramos de saudade são as que mais nos pesam. Mas se vamos chorar, que choremos por algo que valha a pena. Naquele dia, àquela hora, tudo o que queria eras tu. Não a imagem de ti. Não a ilusão de ti. Não as memórias de ti. Queria-te. Como se quer o amor. Como se quer o sol que nos aquece depois do inverno gelado. Como se quer o sol. Não o sol com todos os raios que partilha com todo o mundo. Os únicos raios que me interessam, são aqueles que o sol partilha contigo e comigo. É deles que te falo. É deles que sinto falta. Então tento desligar-me um pouco para que te possa anular em mim. Porque tu vives em mim. E não quero a tua imagem, as tuas memórias, a ilusão de ti. Quero-te. Quero a tua mão a tactear o meu corpo como se fosse a primeira vez. Quero os teus lábios nos meus. Quero um segundo de ti. Quero uma vida de ti. Quero que, onde quer que estejas, procures por mim. Eu aqui ando à deriva, na esperança de te reencontrar.

 

PedRodrigues

terça-feira, 20 de maio de 2014

Uma coisa que escrevi há algum tempo

São as paragens que nos lixam. Se o nosso coração parar de bater, morremos; se pararmos a meio de um
A...
(Pausa para pensar se devemos dizer, se realmente é o melhor caminho a seguir, se não devemos fugir a sete pés e esquecer aquilo tudo)
...mo-te
Corremos o risco de não ser levados a sério; se pararmos no sítio errado, à hora errada, podemos ser atropelados – por um carro, ou um camião, ou uma mota, ou até mesmo a vida. Parar é morrer - mesmo. São as paragens que nos lixam. É esta mania de travar a todo o custo que nos racha por dentro. É esta sobrelotação de pensamentos e sentimentos que nos deixa à beira do precipício. Parar para escutar o mundo. Parar para olhar todas as paisagens que ficarão guardadas em nós. Parar para sentir o ar a entrar lentamente nos pulmões. Parar por um segundo. Parar oito horas para dormir.
Vivemos cerca de metade das nossas vidas parados.
Parar é morrer. Passamos metade da nossa vida mortos. Morremos lentamente, mas temos sede de vida. Temos desejo de aventura, mas paramos com medo do desconhecido. Paramos para pensar no próximo passo – fazemos bem. Pensa primeiro, age depois. Age primeiro, pensa depois. As possibilidades de errares são imensas.
Já pensaste nelas?
Não pares ao atravessar a rua. Atravessa sem olhar. Não pares.
Não parei.
Foste atropelado. Estúpido. Por que razão não paraste? Para. Avança. Tantas possibilidades. Tantos erros. Beija-a. Diz-lhe que a amas.
E depois?
Deixa-te levar. Perde-te nela. Perde-te com ela. A vida é uma chama a arder, não tenhas medo de te queimar. O amor é uma chama a arder, não tenhas medo te queimar. Não deixes que a chama se apague. Não tenhas medo. Estúpido. Palerma. Não tenhas medo. Procura-a até ao fim do mundo.
E se ela continuar a fugir?
Continua a procurá-la. Amas, não amas?
Amo!
Não desistas. Não pares. Não te percas em concepções ptolemaicas da realidade. Vive para ela. Não há horror maior que o de ficar parado. Age. Vai ao fim do mundo e volta. Conta-lhe as tuas histórias. Vês como ela sorri com as tuas histórias? É amor. Não tenhas medo: expõe-te ao mundo. Sê a cobaia dessa doença: amor. Amar. Eu amo-te. Tu amas-me. Eu amo-te de volta e tu amas-me de volta. Eu sei que me repito. Eu sei que já disse isto, mas preciso de voltar a dizer. Não me permito ficar parado. Não posso ficar parado. O meu coração não pode parar
Se ele parar, o que restará de mim para te amar?


PedRodrigues

Seremos todos passado, um dia

Seremos todos passado
Um dia
E o nosso maior medo
É o de sermos esquecidos
Queremos que nos lembrem
Que não nos deixem partir
A ideia de nós
Deve ser maior que nós
Não recordem a nossa pequenez
Um dia
Quando formos passado
Que sejamos maiores
Melhores
Que o nosso
Presente

PedRodrigues

quarta-feira, 7 de maio de 2014

A conversa

Quando a conversa termina fica o vazio. Um silêncio espesso que consome o pouco que resta de nós. Há lágrimas. Consigo ver as lágrimas. Ouvi o tremor na voz dela: havia lágrimas. Antes de a conversa terminar o vazio não existia – o vazio era o futuro, uma hipótese sólida do futuro. Antes de a conversa terminar houve gritos e palavras arremessadas como objectos. Nada magoa tanto como as palavras que arremessamos como objectos. O coração acelera de adrenalina. Os pensamentos fragmentam-se e por vezes não fazem qualquer sentido. Disparamos palavras; apontamos falhas, defeitos, erros; circulamos à volta dos mesmos temas, das mesmas acusações. Antes de a conversa terminar não há vazio, há caos. No meio desse caos nada se cria, nada se constrói: é a anarquia dos sentimentos. Tenho vontade de dizer que te amo, - porque, de facto, amo – mas não digo. Tenho vontade de te abraçar e de te dizer para parares e me abraçares, – porque, de facto, é o que quero – mas não digo. Tenho vontade de ti, como tu tens vontade de mim, mas deixo-me ficar em modo de combate, pronto a ripostar as tuas investidas. Tu gritas. Guerreias comigo como se fosse o inimigo e precisasse de ser vencido – nisso, estamos em sintonia. Não sou o teu inimigo, nem tu és a minha inimiga. Fomos apanhados pela vida e nem sempre a vida traz coisas boas consigo. Mas não culpemos apenas a vida e as inevitabilidades da vida. Culpemo-nos a nós. Em algum momento acabámos por errar. Eu errei, tu erraste. Fizemos merda. Talvez fosse inevitável, ou talvez fosse evitável: há sempre dois lados na mesma moeda. Gostamos de assumir o inevitável como a resposta certa, mas bem lá no fundo sabemos que não é. Podíamos ter evitado. Como? Não sei. Na verdade não sei. Não sabemos. Podíamos, de alguma forma mais astuta e menos belicosa, ter evitado todo este banho de sangue. Os erros, tal como os obstáculos, existem para serem, primeiramente, evitados e, se for o caso, – se for impossível evitar esses erros, esses obstáculos – existem para serem superados. Durante a conversa usamos os erros e os obstáculos da pior forma possível: como armas de arremesso. Atiramo-los ao acaso na esperança que magoem, que marquem. Atiramo-los para mostrarmos que estamos certos. Não estamos. Calamo-nos. Recuperamos o fôlego. Tentamos meter a cabeça no lugar – apesar de tudo; apesar de todas as feridas e mutilações. No silêncio há lágrimas. As lágrimas são o pó que sobrou dessa luta. Então acalmamo-nos. Dizemos finalmente o que é realmente importante: eu amo-te e tu amas-me. No entanto, há ainda problemas por resolver, mudanças que precisam de acontecer para que tudo acabe da melhor forma possível. Eu quero estar lá contigo e tu queres estar lá comigo, quando toda esta tempestade passar. Temos a certeza disso. É com essa certeza que nos comprometemos um ao outro. A certeza da mudança é incerta, mas é necessária. Eu prometo mudar, preciso de mudar: por ti e para ti. Porque mereces o melhor de mim, não apenas a possibilidade do melhor de mim. Até a conversa terminar há caos: nada se cria, nada se constrói. Durante a conversa eu amo-te. Depois de a conversa terminar, no vazio, eu ainda te amo. E choro-te e escrevo-te: porque mesmo neste vazio é apenas o teu rosto - com, ou sem lágrimas - que consigo encontrar.


PedRodrigues

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Dissertação sem nexo

Então percebi que o amor nos surpreende. Percebi que amores à prova de bala podem ser feridos mortalmente, olhares ingénuos podem começar amores épicos, guerras podem ser desencadeadas por dilemas de amor. Foi então que dei conta que todos procuramos algo em alguém. Projectamos as nossas dúvidas e inseguranças em quem nos dá a mão. Depositamos confianças cegas na esperança de fintarmos a desilusão. Procuramos quem nos entenda. Alguém que compreenda os nossos medos escondidos a sete chaves. Alguém que nos oiça e nos ampare e nos diga que no final tudo ficará bem. Foi então que compreendi que há mais lados num quadrado que aqueles que nos ensinaram. Há mais cores num arco-íris que aquelas que julgamos ver. Há mais tons de vermelho, amarelo e azul que aqueles com que pintamos a nossa vida. E no fim contemplei todos os erros como vitórias. Pisei o chão e saboreei o pó de todas as lutas passadas. Aprendi que o passado faz parte das minhas fundações, mas o hoje, o agora, está nas minhas mãos. Há biliões de decisões a tomar: algumas erradas, outras certas. A vida é feita de cada segundo que passa. E cada segundo é uma decisão. Decido, então, ficar atento ao que me rodeia e ao sufoco da incerteza do erro. Porque mais vale a desilusão do agora, que a dor do depois. Custa menos a sarar, sem o dedo na ferida.


PedRodrigues

sábado, 26 de abril de 2014

Deste lado da barricada

Aqui, deste lado da barricada, eu amo-te sem te ver. Aqui, deste lado da barricada, eu amo-te sem te tocar. Vou-te amando porque preciso. Vou-te amando porque quero. Vou-te amando porque faz sentido. Sinto-te dispersa pelo ar. Sinto-te a dares-me vida. És tudo o que acontece à minha volta. És a certeza de um metro quadrado de paz neste caos que me rodeia. És o sorriso que me escapa nos dias cinzentos que se multiplicam. Deste lado da barricada espero-te a todas as horas. Deste lado da barricada tento arranjar forças para largar tudo e fugir até ti. Deste lado da barricada só faltas tu. Nestes dias cinzentos, neste mundo triste que me rodeia, nesta falta de amor que se mistura no ar, tu és o sorriso que me faz querer continuar. És tu. És sempre tu. Amo-te sem te ver. Amo-te sem te tocar. Estás tão longe deste lado da barricada. Mas nem a distância é grande o suficiente para me fazer desistir. Podia acabar o mundo, ou a certeza do mundo, e eu continuaria a amar-te. Já és o sangue que corre nas minhas veias. Já és a arritmia que fustiga o meu coração. Já és o ar que respiro e as cólicas de nervosismo. És o sentido do amor. És o caminho do amor. És as palavras que deixo no papel. Neste sítio tão estranho, neste sítio tão impuro, és o motivo que me faz continuar. Já és, deste lado da barricada, a vontade de lutar para ser feliz.


PedRodrigues

(Colaboração com o rapper Durval, que podem ouvir aqui )

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Poema sobre a inevitabilidade do tempo


Devagar o tempo muda.
O vento muda.
As vontades mudam.

 
Devagar um momento de dor torna-se numa recordação penosa.
Uma recordação penosa torna-se numa conversa de café com uma nova paixão.
Uma nova paixão torna-se num novo amor.
Devagar esse amor vai crescendo
Eu vou crescendo e tu vais crescendo comigo. Amamo-nos.
Agora somos amor, amanhã talvez continuemos a ser amor
Vamos vivendo devagar, seguindo os caprichos do tempo
Seguindo a ordem dinâmica das coisas
Cada um no seu referencial
Hoje amamo-nos
Amanhã voltaremos a amar-nos – espero.

 
Devagar somos fotografias na estante
Os miúdos brincam pela casa
Olham-nos como se nunca tivéssemos sido crianças
(Mas fomos, lembras-te?)
Devagar o tempo também passará por eles
Devagar os miúdos deixarão de ser miúdos e também eles terão miúdos

 
Devagar seremos recordações
Apenas recordações
E eu pergunto-me:
Como é que o tempo passou por nós tão depressa?
Ainda ontem estávamos no café
Ainda ontem te beijava pela primeira vez
(Perdi a conta aos beijos que te dei ao longo do tempo)
Hoje partilhamos as rugas e os cabelos brancos
Partilhamos o nosso amor
Hoje, depois de tanto tempo, continuo a amar-te

 

 

PedRodrigues

 

 

sábado, 29 de março de 2014

De Coimbra, com amor

Descobri-te devagar. Levei o meu tempo. Cometi os meus erros, as minhas loucuras. Perdi-me. Encontrei-me. Voltei a perder-me e a devorar toda a insanidade que me rodeava. Achava normal ser um louco no meio de loucos. E era normal – tão normal. Não sei em que ponto tudo mudou, isso pouco ou nada importa. Mudei: essa é a derradeira verdade sobre todas as verdades. Tu não. Ficaste parada enquanto o tempo me moldava com os teus contornos. Foste a rede deste trapézio. A mão que me amparou. A voz de discórdia que atormentava as minhas dúvidas. Guardei-te como se fosses minha e ainda hoje és. De ti fiz paisagem: a minha favorita. Da tua imagem líquida fiz soluço no peito, lágrima no olhar. És cantada e chorada em serenatas ao luar. Eu não canto, mas escrevo. Escrevo-te neste meu jeito desproporcional de juntar as palavras com o que trago por dentro. Por vezes julgo-me sozinho, como se aquilo que sinto fosse pessoal e intransmissível. Depois descubro que estou errado. Outras vezes guardo para mim o que devia ser escrito – não por ter medo de errar, mas por egoísmo. És minha. As nossas sombras namoram em segredo, como se mais nenhuma sombra te namorasse. Eu sei que é mentira, mas resolvo ignorar. Gosto de pensar que és minha e apenas minha. Talvez sejas, mas és demasiado grande para caberes apenas no meu coração. Moras em milhares de corações – talvez milhões, não tenho como os contar – e em todos eles és amada e respeitada. Isso reconforta-me. Um dia partirei e falarei de ti pelo mundo. Falarei das nossas histórias, das nossas aventuras. Descobri-te devagar, levei o meu tempo, cometi os meus erros, fui um louco no meio dos loucos. Veni, vidi, vici. Vim, vi, venci. Vim, vivi, cresci. Mas isso tu já sabes. Do meu quarto oiço o silêncio que habita em ti. Há um céu negro, imenso, que te veste e alinda. Há céus negros que vestem todas as cidades do mundo, mas nenhum se compara a este. Para te ser sincero, é do teu céu e da tua lua e das tuas estrelas que mais saudades sentirei. Acreditas?

PedRodrigues  


quarta-feira, 26 de março de 2014

In memoriam

E no final das contas descalcei-me e deixei que a areia se misturasse com os meus dedos. Avancei, sem medo, até onde as ondas partiam. A água gelava-me os ossos. Naquele momento pensei “se me deixar ir, acabou-se”. Mergulhei e deixei que a água salgada diluísse os meus pensamentos. Parei de respirar por instantes. Fiquei suspenso numa espécie de duelo de memórias. Em todas elas assombravas-me. Perseguias-me através do tempo. Não me deixavas partir. Bastava que me largasses a mão. “Larga-me a mão”, pensava. Mas tu não largavas. Não por teimosia. Nunca por teimosia. Não estavas preparada, só isso. Eu ali, no meio daquele mar, tão imenso, tão gelado. “Deixa-me ir” implorava-te. Tu não deixavas. Querias que ficasse. Nem que fosse apenas por um segundo. Querias que ficasse e te dissesse que tudo estava bem. Não estava. Na imensidão do mar percebi a minha pequenez. Nas mãos daquele gigante líquido eu era apenas uma migalha. Percebi a minha pequenez. “Deixa-me ir”, mas tu não deixavas. Para ti não era apenas uma migalha. Era mais que isso. Plantaste em mim o teu mundo e viste-o crescer nos meus olhos. Também tu foste o meu mundo. Continuas a ser o meu mundo. Conheço todos os meridianos do teu corpo. Plantei em ti o meu mundo e vi-o crescer nos teus olhos. E assim sendo, eu fico e não vou. Fico por ti. Porque te amo. Porque te preciso. Eu fico e não vou. Deixa-me só sair daqui. Deixa-me só regressar. Não me deixo ir. Busquei um pouco de ar. Nadei até terra e deitei-me de barriga para cima, na areia. O meu corpo estava gelado e não estavas lá para me aquecer. Agarrei-me ao que restava de ti, às memórias de ti, e levantei-me. Olhei o céu uma última vez à tua procura. “Se me tivesse deixado ir, acabava-se”, mas tu não me deixaste ir. Querias que ficasse. Por isso fiquei. Por ti fiquei. Porque apesar de ter perdido o meu mundo, não permito que percas o teu.


PedRodrigues

quarta-feira, 19 de março de 2014

Ao meu pai, neste dia

Pai,

Quando era miúdo criava heróis que me protegiam de todo o tipo de ameaças. Criava-os para que me ajudassem nas batalhas do dia a dia. Em cada um desses heróis vivias tu. Eras tu que me protegias, mesmo sem saberes, de todos os males que me atormentavam. Mesmo tendo mares e oceanos a separarem-nos, tu estavas comigo. Nunca me esquecia de ti e contava os dias para o teu regresso. Os heróis que criava eram a personificação da tua ausência. Quando não estavas, eles guardavam-me. Mas, no entanto, tu estavas. Tu guardavas-me e protegias-me. Mesmo estando longe, mesmo estando tão longe.
A mãe sempre me disse que tenho muito de ti. Herdei-te os olhos, o nariz, o cabelo, a estatura, o feitio. Somos carne da mesma carne. Sangue do mesmo sangue. Correm-me os teus genes nas veias e é com orgulho que os ostento. Amo-te pai. Não precisava de escrever este texto para que o soubesses. Escrevemos o nosso amor nos silêncios. Não precisava de escrever fosse o que fosse, mas quis assinalar esta data. Quis deixar esta mensagem. Hoje não estás a milhas náuticas de distância, estás em Lisboa, a poucas horas daqui. Logo, ligar-me-ás e desejar-te-ei um feliz dia do pai, como faço todos os anos. Tu agradecerás e dirás qualquer coisa engraçada. Talvez falemos da faculdade ou de futebol. E nos silêncios das nossas conversas fica aquilo que ambos sabemos: eu amo-te e tu amas-me. Obrigado pai. Obrigado por me ajudares a ser mais e melhor. Obrigado pelos conselhos; pelo apoio nesta jornada. Obrigado por continuares a ser o meu herói, pai. Porque os verdadeiros heróis não necessitam de capa ou máscara. Amo-te.


Pedro