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terça-feira, 28 de junho de 2011

Ao meu primo, o fotógrafo

"O que me falta em palavras, sobra-me em amor"

Lembro-me, como se fosse hoje, dos pessegueiros em flor no quintal dos meus avós. Guardo essa imagem com saudade. Mas tenho medo de a guardar tão fundo, num canto qualquer do meu cérebro, que nunca mais a consiga encontrar. É nessas alturas que gostava de ter uma fotografia. Uma cábula para a eventualidade da memória me atraiçoar. É nessas alturas que sinto a falta do meu primo Pedro, com a sua máquina fotográfica, a prender o mundo num momento.
A nossa amizade vem de longe. Vem dos laços de sangue que ainda nos unem. Uma pequeníssima quantidade de genes que partilhamos como irmãos. Somos mais que família, somos mais que simples amigos, mas não sentimos necessidade de o partilhar por palavras. Há um código de honra entre nós, uma linguagem indecifrável, muito própria, que não partilhamos com ninguém. Não precisamos.
Tal como nunca lhe disse:
-És importante para mim
(Apesar de ter a certeza que ele sabe disso)
Nunca fiz um elogio decente ao trabalho dele. Um
-Gostei
Ou
-Bom trabalho
Nunca
-Excelente. Digno de um prémio. Continua
Algo de construtivo, com começo, meio e fim. Eu que até levo jeito para usar as palavras, nunca lhe consegui dizer que para mim ele é o melhor - com condições para ser o melhor no mundo dos entendidos da matéria. Calo-me. Deixo que ele entenda o código, e apesar de não ouvir
-Obrigado.
Eu sei que ele agradece. Ao nosso jeito lá vamos falando nos espaços em branco. Preenchendo o mundo com imagens e palavras. Cada macaco no seu galho. Procurando, no entanto, o mesmo destino. Trancando nas palavras, o que o outro guarda na moldura. Parando o mundo em pequenos instantes. Gravando memórias no espaço de segundos. Inventando histórias em mil palavras - enquanto o outro as vai captando no dia-a-dia. Cada um ao seu jeito
-És importante para mim
Um olhar atrás da lente
-Bom trabalho
Mais mil palavras no papel. No espaço em branco, ele:
-Gostei
Se me tirasse uma fotografia nesse momento, expunha ao mundo o nosso segredo. Se alguém nos conseguia expor ao mundo, era ele. Está sempre mil palavras à minha frente. E isso, realmente, pouco importa. Só queria uma imagem dos pessegueiros em flor, que não tenho palavras para os descrever como eles merecem. Faltam-me sempre mil palavras. Onde andavas tu quando os pessegueiros me imploravam que os prendesse no tempo?


PedRodrigues

sábado, 18 de junho de 2011

Letras de Músicas

Amor numa garrafa


Num bar te encontrei
Num bar te perdi
No meio das garrafas
Cheias de vício de ti
Hoje cada gota
Torna a saudade dormente
Afogando-me as mágoas
Num copo de água ardente
Agora o fígado acompanha
O que me resta do coração
Amar-te foi um passo
Que dei em vão
O caminho era a direito
Mas consegui me perder
Um mar de vinho
Que não consegui vencer
A vida era uma festa
Quando olhavas para mim:
“Só mais um copo,
A garrafa está no fim”
O teu olhar desdenhoso
Da minha postura torta
Dez lamúrias por gole
Até chegares à porta
Perdi-te para o whisky
Perdi-te para o gin
Amar é uma virtude
Que falta em mim
A cada gota uma facada
No teu coração
Amar-me foi um passo
Que deste em vão
Não me olhes atrás das lágrimas
Que eu não entendo o que sinto
A tua tristeza é mais letal
Que uma garrafa de absinto
E a ressaca do teu corpo
Mata o que resta de mim:
“Não te vás embora,
A garrafa está no fim”

PedRodrigues

sábado, 11 de junho de 2011

"Mea culpa" não é "desculpa"

Sou a pior pessoa do mundo. Penso para mim todos os dias que sou a pior pessoa do mundo. O meu avô sempre me disse:
“É a ruindade que não te deixa crescer”
Eu acredito. A velhice é sinónimo de sabedoria – em minha casa a hierarquia dos cabelos brancos prevalece. Raramente se engana, o meu avô. Embora por vezes diga as coisas duma forma arcaica, sem travões e no seu jeito bruto. Não o encaro como defeito, mas como feitio. A vida não foi fácil para ele: desde muito novo teve de trabalhar; passou tormentos na pesca do bacalhau; já foi operado várias vezes – o corpo não é de ferro; e há alguns anos perdeu a minha avó. A vida deu-lhe o direito de ser como é. Não sou ninguém para o criticar.
Acho – tenho a certeza – que herdei a ruindade do sangue dele. Acredito que tenho um bom coração, que sou bem-intencionado, mas também acredito no velho cliché: “de boas intenções está o Inferno cheio”. As minhas atitudes falam por si. Não preciso de justificações. Acredito no poder de interpretação das pessoas. Acredito, porém, que não raras vezes se enganam a julgar as atitudes alheias.
Ao contrário do meu avô, a vida nunca me deu uma chapada. Sempre me estendeu a mão. Sempre tive tudo o que pedi. Mais que aquilo que mereço – não é falsa modéstia, é verdade. Já vi a morte de perto duas vezes. Tive medo, mas a vida estendeu-me a mão. Há quem não tenha tal sorte. A vida não me deu o direito de ser como sou, eu escolhi ser assim. Todas as escolhas têm um preço. As maleitas a que estou por vezes sujeito são resultado das minhas más decisões, do meu mau julgamento e do meu feitio de leão. É a terceira lei de Newton a conspirar contra mim.
Não estou a escrever este texto com o intuito de me desculpar a todos aqueles que por vezes só me querem bem; a todas aquelas que só pedem um pingo do meu amor; – que eu não consigo dispensar – a todas as que usei num momento e ignorei no outro; a todos aqueles que me querem tirar da minha teimosia… Não vos estou a escrever um pedido de desculpas. Não tenho esse direito. Sou um turbilhão de complicações e bipolaridade. Acabo sempre por atrair confusões e arrastar as pessoas para o meio delas. Não tenho culpa, nasci assim. Como disse: não vou pedir que me desculpem, não tenho esse direito e não sou pessoa de andar a mendigar pelo perdão alheio. Este texto é uma explicação: de quem sou, como sou e o que faço.
Hoje a vida estendeu-me a mão duas vezes. Hoje tenho tudo. Hoje posso sorrir, sem esconder o que quer que seja atrás dos dentes. Hoje não tenho o direito de pedir desculpa – nem vontade de o fazer. Hoje, este momento é meu. Amanhã nada me pertence – ainda? Ninguém é para sempre. O problema é mesmo esse: eu também sangro.

PedRodrigues

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Caldeirão de crenças: a Perfeição existe

Acredito que o mal esteja nas pessoas. Não acredito na maldade gratuita que as religiões nos tentam vender em forma de bilhete de salvação – ou condenação - num futuro pós-morte que não sei se existe.
Nunca fui de acreditar que coisas boas atraem coisas boas, e que fatalmente as coisas más atraem coisas más. Embora corra o risco de dar o dito por não dito: sou uma pessoa supersticiosa. Acredito em Deus e passei por todos os testes que a igreja –  (e) a minha mãe – me propôs: desde o baptismo, até ao crisma. Apesar de já não ir regularmente à igreja, falo com Ele várias vezes. Muitas dessas vezes a minha vida está de pernas para o ar. Não sei se Ele existe, mas assumi há muito tempo – ou assumiram por mim, e fizeram-me acreditar – que sim. Ele existe e anda por aí, não sei onde, não quero saber onde, não sei se está nas árvores ou noutro sítio qualquer, mas acredito que Ele anda por aí.
Apesar das desgraças que vejo todos os dias, não deixo de acreditar que há uma entidade divina que vai para lá da nossa compreensão. Não sei se é só um, se são vários, não sei. Sou uma pessoa confusa, com uma mente que trabalha a uma velocidade acima da esperada, deixando-me sempre à deriva num mar de dúvidas. De qualquer das formas, a razão pela qual acredito numa entidade divina superior ao comum dos mortais é muito simples. Desde muito pequeno me agarrei à crença de que a perfeição existe. Não acredito contudo que a perfeição seja humana. Somos seres fantásticos: funcionamos como máquinas, num ritmo perfeito, numa harmonia perfeita entre vários elementos. Porém, somos seres imperfeitos: falíveis em actos, pensamentos, ou até mesmo na nossa vertente funcional. Falhamos sempre na pior altura. No momento exacto em que não devíamos falhar. Alguns perecem mesmo no momento de tal falha. Somos seres fantásticos, mas não somos perfeitos.
Para mim: Deus é a perfeição. Chamo-lhe Deus, mas podia chamar outro nome qualquer. Porém, foi este o nome que me foi apresentado desde pequeno e que assumi como sendo o correcto, apesar de o nome nada alterar na crença numa entidade perfeita.
Tal como disse: somos seres imperfeitos. Não acredito que, se realmente há um Deus, ele deva ser culpado por todos os males do mundo. A maldade está em cada um de nós. Por exemplo: uma faca é uma arma, para quem a quiser ver como uma arma. Cabe a cada um avaliar o objecto à sua maneira. Por outro lado, temos a questão dos desastres naturais: quem culpar? A resposta é simples: o mundo não é um sítio perfeito. A humanidade é uma pequena parte da imperfeição deste mundo, que contribui para que o planeta seja cada vez menos habitável. Em grande parte dos casos, estamos a colher as nossas tempestades. Estamos a colher o fruto da nossa ganância, da nossa inconformidade e da nossa imperfeição. É assim que vejo as coisas. Tenho pena.
De um ponto de vista mais pessoal – cada vez mais – sou uma pessoa crente e supersticiosa. Não sei se posso falar em antagonismo, quando uso estas duas palavras. Mas não sou perfeito. Posso dizer que não gosto de ver chinelos virados do avesso; azeite entornado no chão causa-me arrepios na espinha; e acredito que estou a pagar os meus sete anos de azar por ter partido um espelho. Tais crenças devem-se a uma resposta natural de acontecimentos que acabou por condicionar a minha visão das coisas. Sempre que uma destas situações me é apresentada, como por exemplo o azeite entornado no chão, algo de desfavorável acaba por acontecer. O mundo é um sítio imperfeito, de facto. Daí esta minha busca constante pela perfeição, não tendo curiosidade nenhuma em ver o seu rosto.

PedRodrigues