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sábado, 28 de abril de 2018

Ofélia

Quando me perguntam, em jeito belicoso
como te atreves a falar de amor?
como se eu fosse louco
logo a mim
eu, que não gosto de confrontos
com outros que não comigo
logo a mim
eu, que me calo e me fecho no manicómio
que é o meu corpo
(ou o que é para lá do meu corpo)
e rio
e esbracejo
e esperneio
e olho do fundo do hospício
onde habito com todos os meus monstros
eu, que me pergunto
não devemos falar de amor?
não devemos calar de amor?
hei-de morrer louco,
logo eu
que nunca soube viver as coisas de outra forma
que não até ao limiar da loucura
(especialmente o amor)

Pedro Rodrigues

quarta-feira, 25 de abril de 2018

Terra à vista

Depois de esvaziares
a casa
quis uma forma
de esvaziar também
a minha mente
e fechei-te entre
capa e contracapa
centenas de páginas
como toneladas de entulho
depois de as paredes colapsarem

fechei-te lá dentro
como quem fecha o sol
numa caixa de cartão
alheio ao facto que o sol
não cabe numa caixa de cartão
alheio ao facto que as feridas de amor
não deixam de doer por mais que as escondamos no papel ou no sorriso
alheio ao facto que tudo se sucede e se desmancha
como, enfim, o mar ao encontrar um pedaço de terra

Pedro Rodrigues

744


Um miúdo, de sete ou oito anos, em conversa com o pai:

Pai porque é que os autocarros vão de um lado para o outro?
Porque é assim que funcionam as linhas de autocarros. Uns vão, outros vêm… A linha de autocarro une dois pontos: um de partida, outro de chegada.
- Então é como a vida…


Pedro Rodrigues

sem título

O meu avô, sempre que comia chocolates:
deixa-me cá comer mais um, que para amarga já basta a vida.



Pedro Rodrigues

Flores

Malmequeres
(e isso já quer dizer tanto)



PedRodrigues

quinta-feira, 19 de abril de 2018

O primeiro passo é um acto de coragem

eu paro
tu paras
eu olho
tu olhas
eu gosto
tu gostas
nenhum de nós 
se decide

e o tempo avança
e o mundo gira
e nós parados
eu aqui
tu aí

e pensamos
depois
eu aqui
tu aí
(não sei onde
sei lá eu onde)
o que seria
se um de nós
tivesse dado
o primeiro passo

Pedro Rodrigues

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Ouvido no autocarro.
Dito por uma senhora de meia idade:

Os pobres é que carregam os sacos dos ricos.

PedRodrigues

sábado, 14 de abril de 2018

Pelo pulso

ao olhar 
o velho 
CASIO
que outrora 
fora
do meu avô
percebi:
o relógio
não te dá 
as horas

tira-tas 

PedRodrigues

sexta-feira, 13 de abril de 2018

era - e é

construímos passados 
como quem ergue muros
e deixamos do lado de lá
o que ainda existe
embora gostássemos que
já não existisse
mas a memória
cria fantasmas 
que continuam 
a atravessar essas barreiras
e nos assombram
quando o mundo se cala
quando as luzes se 
apagam
quando enfim
voltamos a ficar 
sozinhos

e tu não eras: continuas a ser


PedRodrigues

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Ouvido no autocarro,
dito por um senhor de muletas:

- A vida é assim: passa-se depressa.


PedRodrigues

quinta-feira, 12 de abril de 2018

Lisboa, 22:13

Sabes o que me chateia?
chateia-me que as pessoas não tenham cuidado com nada
nem com as ruas
nem com as estradas molhadas
nem com a possibilidade de cheias
nem com a impossibilidade da eternidade
nem com as outras pessoas
O descuido é uma forma de esquecimento
e chateia-me de morte que se esqueçam de mim



PedRodrigues

segunda-feira, 9 de abril de 2018

Margarida

Olho para ti e
deixo tudo à sorte
mal me quer
bem me quer
mal me quer
bem me quer
que me queiras
mal ou bem
não importa
que me queiras



PedRodrigues