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sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Ela [2017]

Disse-lhe: “as melhores pessoas são as que falam sem filtros, as que dizem o que pensam, as que gritam as tripas para fora”. São as espontâneas, porque a mentira necessita de tempo. São as que estão partidas por dentro, mas não esperam que alguém as repare. São os relógios que não dão a hora certa - porque não há hora certa para amar; não há hora certa para ser feliz; não há hora certa para fugir, ou chegar. As melhores pessoas são essas: as que não necessitam de reparação, de acertos, de filtros na garganta. São as que não se demoram em explicações ou histórias. São as que não nos pedem para apagar ou esquecer o passado, mas que nos ensinam a aceitá-lo, como parte das nossas fundações. São as que não nos exigem um futuro, por saberem que o depois tem muitas portas - e todos devemos ter o direito de escolher qual queremos abrir. São as que percebem que nem sempre o horizonte é uma linha recta. E que no infinito todas as linhas acabam por se encontrar. São as que se perdem nos nossos olhos, como se contassem constelações e pudessem inventar galáxias. São as que brilham nessas noites longas, que por vezes parecem não terminar. São essas as pessoas que me fascinam. Ela era uma dessas pessoas.


PedRodrigues

domingo, 15 de janeiro de 2017

Cartas ao meu avô


São três meses de ausência.
Às vezes penso que foste apenas fazer uma última viagem de barco, e que, eventualmente, acabarás por voltar para mim, para me apertares a mão com força, e me dares um daqueles abraços de esmagar as costelas. Antes das lágrimas caírem há sempre um sorriso, por imaginar que voltarás com mais histórias daquelas que repetias todos os dias à refeição, ou quando estávamos os dois sozinhos na sala, a ver televisão. Não sei onde estás, porque não têm chegado cartas, mas acredito que seja um sítio muito longe e elas se tenham perdido pelo caminho. Acredito que não te tenhas esquecido de mim, porque os melhores amigos não se esquecem uns dos outros. O amor é um bem imaterial, que não segue as leis da física, e portanto não há espaço, nem tempo que nos desligue um do outro. Assim sendo, eu aguardo o teu regresso com saudade, repetindo-te nas palavras que vou escrevendo para o mundo. E guardando em mim todos os anos em que fomos felizes a ouvir as aventuras um do outro.

Com amor,


O teu pombo.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Janeiro

Toca a Intro (Original Mix) dos The XX e o convite é claro: sorri um pouco. Começar costuma ser a tarefa mais ingrata - pelo menos para mim. E daqui a pouco as horas viram dias, e os dias meses, e os meses oceanos - como diria o David Mourão-Ferreira. E quando dermos por nós talvez não haja escapatória possível, talvez nos afoguemos nessa imensidão líquida. Temos aprendido a nadar, como nas aulas de natação da nossa infância. Temos tentado manter a cabeça à tona, com medo que nos falte o ar. Diz-me: tens aproveitado? A pergunta parece tão simples, tão estúpida. Não são essas as mais difíceis de responder? E todos os dias uma vontade à minha volta de regressar ao passado: ao sol, ao calor, aos festivais, às noites de pés no mar, a olhar a imensidão negra, como que esperando por respostas. À minha volta uma necessidade de acelerar o relógio: hoje estou nos vintes, mas adorava já estar nos trintas: quando lá chegar é que estou no ponto. Enquanto isso Roma arde à minha volta. Eu rio-me um pouco. Gosto tanto de rir, por que não gasto mais tempo aqui? E continua à minha volta a contestação: porque hoje está frio, porque os casacos pesam, porque o calor é que é, e todos vivem o Janeiro a chorar pelo Julho e a imaginar os dias de Agosto. Enquanto isso, eu pergunto novamente: tens aproveitado? E entre a pergunta e a resposta o tempo vai passando entre os dedos, como uma areia fina, que teima em não se agarrar. Tudo nos parece escapar. Sonhamos com a liberdade, mas sentimos necessidade de controlar. E choramos os dias que não vivemos como devíamos ter vivido, as viagens que não fizemos, os livros que não lemos, os filmes que não fomos ver ao cinema, os amores que não soubemos guardar. Choramos tudo o que não conseguimos controlar. E na nossa frágil condição, perdemos a oportunidade de perceber que podemos escolher a liberdade, fugir ao status quo. Desligar a televisão, poisar os telemóveis, esquecer os #throwbacks, e aproveitar o sol de Janeiro. Não porque nos faz lembrar Junho, ou Julho, Agosto, mas porque sabe realmente bem o seu calor, independentemente do dia, mês, ou ano. Aproveitar as cores destes dias. Guardar o momento. Porque não há dois minutos iguais, e no final desta música não há replay. 


PedRodrigues