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sábado, 26 de março de 2016

Às mulheres que terminam livros


Tinhas-me como um dado adquirido. Achavas que estaria sempre no mesmo lugar, como uma fotografia gasta, perdida pelas estantes. Achavas que as horas do meu relógio seriam para sempre tuas e que a minha pele teria para sempre o teu nome. Não. Prezo demasiado a minha liberdade. Ensinaste-me teoremas e novas medidas. Que o quadrado da hipotenusa é igual à soma do quadrado dos catetos. Mas eu nunca fui mulher de triângulos: amo em linha recta. Ao contrário de ti. Agradeço-te por me teres oferecido o almanaque do desapego, com todas as instruções para desligar esta bomba relógio que é a solidão de amar alguém que não nos ama de volta. Na banda sonora da nossa despedida não há músicas repetidas. O teu cheiro não dura para sempre – infelizmente para ti. Tinhas-me como garantida, mas a vida prega partidas. Aprendi a vencer jogos viciados. Arranjei uma caixa de guardar passados. Desculpa, meu amor, mas está na altura de fechar a tampa.
PedRodrigues

terça-feira, 22 de março de 2016

Colombo

Nas estantes
das grandes lojas
há cada vez menos livros
de poesia. Não creio
que os poetas estejam mortos
ou a beleza dos versos
tenha caído em desuso
Não.
Há outros monstros,
com capas mais bonitas,
a aliciarem os leitores
Acha belo o vidro
quem não conhece o diamante.
Digo eu, que ainda
sorrio ao ler os livros de poesia.

#pedrodrigues

domingo, 6 de março de 2016

O jogo


Queria partir em busca de novos países, onde pudesse inventar vidas, construir casas, constituir família
lugares comuns, como os recreios das nossas infâncias
conheci-te mais tarde, num jantar de amigos
numa situação aleatória
até aí, a vida brincava às escondidas connosco
eu procurava-te e não sabia
tu escondias-te de mim e não sabias
mas o mundo é redondo e nós não temos pernas para lhe fugir
a vida é um ciclo vicioso e,
eventualmente, acabamos sempre por encontrar alguém
[mesmo quando não sabemos]
Eu queria um novo país, uma nova fronteira
onde me pudesse rir a contar as constelações, ou os pingos das primeiras
chuvas da nossa primeira primavera
queria invadir outros espaços, onde me pudesse perder e
aguardar por uma mão que me guiasse às escuras
um lugar onde fôssemos juntos
sem medos
O teu corpo foi o último país que conquistei;
tenho as fundações da nossa casa enterradas no teu coração
aqui o chão treme todos os dias
o tecto desaba:
ficam as estrelas e
tu ao meu lado, a ensinares-me os caminhos secretos
que mais ninguém conhece
- Talvez me deixe ficar por aqui – dizia-te enquanto
me sorrias; e o teu sorriso era motivo suficiente
para me fazer ficar

 
[Rebenta a bolha:
o jogo acabou]

 

PedRodrigues