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quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Esperança, o último texto de Novembro


Sabes o mais engraçado? No outro dia encontrei o postal de Natal que me deste no ano passado. Estava dentro do “os transparentes” do Ondjaki. Foi uma daquelas coincidências macabras a que muitos chamam destino. Não sei se foi ou não.  Talvez haja realmente uma força dinâmica qualquer que nos empurra uns para os outros e mexe certas peças, em certos momentos. Isso pouco importa. O facto é que ele lá estava, guardado religiosamente dentro daquele livro. Estava lá de forma a recordar-me de ti e da página onde tinha ficado. Passou praticamente um ano. Onze meses e uns dias, para ser mais exacto, que nestas coisas a precisão é importante. Onze meses desde que escreveste “o próximo ano será ainda melhor, porque as pessoas boas merecem ser felizes” (estou a citar-te de memória, por isso posso ter falhado em alguma palavra). No dia em que escreveste esta frase fazias planos de um futuro ao meu lado, um futuro com mais de onze meses, creio. Mas o tempo passa e, pelos vistos, as pessoas cansam-se e desgastam-se. Não sei se deixei de ser bom, ou se o destino, ou a tal força dinâmica, se encarregou de nos afastar para que pudéssemos sentir a falta um do outro. Se assim foi, agradeço que ela acabe com a brincadeira, porque realmente as saudades são imensas e o coração parece apertar cá dentro. Não sei se sentes da mesma forma. Os meus postais, ou as minhas dedicatórias nos teus livros sempre foram frouxas. Talvez tivesse medo que te apaixonasses por elas, pelo Pedro que escreve, o que todas imaginam ser um príncipe encantado, e depois te apercebesses que o Pedro é de carne e osso e muita confusão: com muitos defeitos e algumas virtudes. Embora nunca te tenha dito, escrevi muito para ti, e sobre ti. Como podia não o fazer? A nova versão do livro trará o teu capítulo. A dedicatória que mereces. O teu espaço continua guardado: dentro dos livros e dentro do peito. Já disse e repito: se puderes, não demores.

 

PedRodrigues

domingo, 20 de novembro de 2016

Texto triste, como esta noite de Inverno


Durante algum tempo acabei por dar luz verde à autocomiseração. Talvez porque achasse poder ter feito mais; ter dito mais; ter mudado um ou outro momento. Durante algum tempo carreguei às costas uma culpa demasiado pesada para ser só minha. Foram precisas muitas noites mal dormidas, muitos copos entornados, muitas refeições desperdiçadas, muitas músicas melancólicas ouvidas, muitas lágrimas choradas - à socapa. Durante muito tempo achei que o caminho devia ter sido feito por mim, ou melhor, que o desvio que levou à ruína foi tomado apenas por mim. Talvez este tenha sido um exercício de egoísmo. Uma tentativa de centrar em mim um sistema que não era, de todo, apenas meu. Mas o tempo acabou por passar – passa sempre – e com ele algumas coisas que permaneciam no escuro começaram a aparecer. Percebi, se for para chorar que seja por alguém que valha a pena ser chorado. A vida não é assim tanto tempo. E correndo o risco de cair noutras palavras: os vinhos das melhores castas revelam-se com o tempo, os outros acabam por azedar. Não vou cair aqui no erro de mistificar o outro lado, tornando-o numa figura monstruosa, cruel. Acredito que um dia tenhamos sido uma tempestade perfeita. No entanto, ao longo do caminho acabámos por nos perder. Não que a culpa tenha sido de um ou de outro, porque as estradas que construímos também acabam por ser distâncias que nos afastam: cabe a cada uma das partes encontrar a outra a meio do caminho – o que só se faz avançando em conjunto.
Apesar de tudo, creio ser normal, algumas vezes, ainda procurar velhas imagens, na esperança de uma memória feliz, ou tentar encontrar alguma indicação de um novo rumo da tua parte. É triste, e acabo por cair no mesmo erro que me levou a começar este texto, mas creio ser normal, creio ser humano. Não lidamos bem com finais. É um dos nossos defeitos de fabrico. E eu considero-me um artigo defeituoso. Um artigo perfeitamente defeituoso.
 

PedRodrigues

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

[Fim]


Perceber.
Há silêncios que nos afastam como
se fossem distância.
Evitar.
Dar um sentido a tudo o que foge ao nosso alcance.
Procurar.
Novos lugares onde morar.
Perceber.
Os sonhos serão sempre mais bonitos que a realidade.
Fora das nossas fronteiras há linhas que definem limites,
e por mais que queiramos: o vidro nunca será diamante.
Viver.
Sem olhar por cima do ombro com medo que o passado nos atropele.
Traduzir.
Cada momento numa lição.
Sorrir.
Porque é impossível afogarmo-nos nas lágrimas choradas.
Ser.
Feliz: é a melhor resposta; a melhor desforra.

 

PedRodrigues

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

09/11/2016

Dado a escolher entre o mau e o péssimo, escolher o mau parece ser a melhor das duas opções. E, no fundo, se formos forçados a pensar de uma forma pragmática, é. Mas escolher o mau não é bom; é tão somente uma forma de minimizar o erro - embora ele ainda lá esteja. Por isso pergunto-me: se ganhasse o mau, em vez do péssimo, o mundo rejubilaria e atirar-se-ia de braços para o ar a agradecer ao divino? Será a vitória do mau motivo para desfiles de alegria? Devemos ter cuidado com o que escolhemos. E, às vezes, tacteamos o precipício confiantes que sabemos voar, mas esquecemo-nos das asas em casa. Olhemos então desconfiados para a qualidade das opções. Não esquecendo que o mau não deixa de ser mau, mesmo em comparação com o péssimo.
 
PedRodrigues

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

O tempo não cura nada

Há um mês que não vou a casa. Desde o dia em que resolveste partir. Um mês: o tempo foge-nos. Quando cheguei, ainda estavas, por muito pouco: um resto do homem que um dia foste, deitado numa cama de hospital, com tubos por todo o lado. Durante uma hora dei-te a mão. Agarrei-te com força com vontade de te puxar para a vida, de te puxar para mim. Acabaste por ficar, em silêncio, entre os barulhos monofónicos das máquinas, e os lamentos das pessoas à tua volta. Ali estivemos os dois: eu, em lágrimas, tu a lutares por mais uns minutos de vida. O teu corpo fervia, talvez da febre, porque segundo os médicos os teus órgãos começariam a desligar aos poucos, cansados da luta, e tu acabarias por te deixar ir. Foi há um mês. Um espaço de tempo onde cabe apenas a saudade. Um mês sem falares comigo; sem me dizeres "meu pombo", na tua voz velha e grave; um mês sem abraços, sem apertos de mão, sem lutas. Há quem diga que o tempo cura tudo, mas eu não acredito nisso. O tempo só nos separa uns dos outros, não traz ninguém de volta, não cose feridas abertas. É só tempo - a devorar tudo e todos e a processar-nos como memórias. Foi há um mês que partiste, e as lágrimas continuam a cair, teimosas, sem que o tempo tenha tempo para as secar.
 
PedRodrigues