Páginas

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Caderno


E no meio do caderno recordações de um amor passado. Juras de um “para sempre teu” e de um “para sempre tua”. Palavras. Nada é para sempre. Agora a página termina. Não há mais linhas onde escrever. Não há mais espaços onde marcar os sentimentos no papel. Agora viramos a página. A história terminou. Fechamos o caderno. Até um dia o voltarmos a abrir por acaso. Vai doer. Pode ser uma dor miudinha, quase sem sentido, mas vai doer. É a dor da afirmação. Se o amor for verdadeiro, quando terminar doerá. Esta é a prova que o amor existiu. Depois do fim, o amor dói. Porque estas coisas têm a mania sádica de se perpetuarem por dentro. Vivemos do avesso. Guardamos as mágoas e mostramos os sorrisos. Somos cadernos de capas rijas, marcados com histórias de amores quase possíveis. Um dia alguém nos abrirá e perder-se-á no meio das nossas histórias. Não se cansará de nos ler. Não terá medo dos segredos que guardamos, nem das chagas que nos marcam. Um dia alguém voltará a escrever nas nossas páginas. Com sorte, poder-se-á ler: “amo-te, aqui mais ninguém escreverá”.

 

PedRodrigues

domingo, 23 de novembro de 2014

Lições

Lição número um: ama-te.
Lição número dois: lembra-te da lição número um, quando amares alguém.

PedRodrigues

sábado, 22 de novembro de 2014

Fotografias


Encontrei há pouco algumas fotografias antigas. Fico sempre com um travo a tristeza quando vejo imagens de outros tempos, outras idades. Desta vez, entre tantas outras, a que mais me marcou foi uma em que o meu avô está comigo ao colo, era eu um bebé com menos de um ano de idade. Espantou-me, particularmente, a força e a vitalidade do meu avô naquela foto. Os braços fortes, o cabelo ainda grisalho. As histórias que sempre ouvi não fazem justiça ao homem que era e que aquela foto tão bem retrata. Outrora o meu avô “virava o mar do avesso”, como ele próprio me diz. Apercebi-me, naquele momento, da inevitabilidade do tempo. Do instante daquela fotografia até hoje, passaram vinte e sete anos. Hoje, aqui estamos, eu e ele, lado a lado. Eu, um jovem adulto, ele, o resto que sobrou do homem que um dia foi – é bastante, acreditem. Há quem olhe as fotografias de sorriso no rosto, recordando momentos do passado. Para mim, estas fotografias são uma afirmação do presente e um alerta do futuro. Assustam-me. Um dia, o meu avô já não estará comigo. Ficarão as fotografias, mas ele não. É esse dia que temo. O tempo é um monstro que nos devora. Um dia seremos apenas o pó que sobrou desta luta, desta vida. Um dia seremos apenas fotografias: recordações de um passado que passou por nós a correr.

Somos instantes. Aproveitemos.

 

PedRodrigues

sábado, 15 de novembro de 2014

Shhh...

Vieste para tomar café,
Acabaste por ficar para jantar.
A conversa estava a ser óptima
O teu sorriso, os copos de vinho
A sobremesa, os teus lábios,
O café, os teus olhos…
Não sei o que de mim te fez ficar
Acho que isso nada importa
Ficaste.
A conversa vai longa
Só nos calamos enquanto
Nos beijamos.
Shhh…


PedRodrigues

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Jogos de sorte

Nos jogos de sorte, devemos desistir quando estamos a ganhar. Foi isso que fiz. Tive a sorte de a encontrar, então desisti de procurar. Não sou, no entanto, imune à beleza feminina, aos desafios verbais, à força de algumas personalidades mas, no final das contas, nada disso se compara à forma como ela me desarma, sem saber que o faz.  Quando olho em volta, tudo se resume a ela. Ao jeito de ela me adivinhar. Claro que o desconhecido é um atractivo. É impossível negá-lo. Mas chega uma altura em que nos cansamos de explorar. Em que tudo o que queremos é alguém que entenda o que dizemos, mesmo quando nada dizemos. Alguém que nos adivinhe. Alguém que seja o mesmo jogo, mas com um nível diferente todos os dias.


PedRodrigues

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Aos amigos que partem


O que mais me custou foi aquele último abraço, depois de lhe ter dado o livro. Não lhe disse “adeus, até um dia”, disse “adeus, até já”. Não quis juntar uma massa temporal tão grande a um espaço tão pequeno. Aos amigos que partem, desejo que voltem. Foi isso que lhe disse “até já”. Para a semana não lhe vou enviar uma mensagem  a avisar a hora  do jogo de futebol, nem a combinar uma jantarada de amigos - sei, à partida, que ele não vai aparecer. Agora todas as mensagens que trocarmos serão escritas com saudade. Com vontade de quebrar os milhares de quilómetros que nos separam, o fuso-horário que nos troca as voltas. Durante a partida desejamos a chegada, durante a chegada desejamos que o tempo pare, que o mundo se esqueça de nós. Somos obrigados a emigrar. A construir novas casas, novos lares. A necessidade assim o obriga. Deixamos o coração em casa e partimos vazios à espera de algo que nos preencha. Procuramos novas fundações onde nos possamos reinventar. Andamos, caímos, levantamo-nos. É isso que espero dele, do outro lado deste mundo que teima em girar de forma caótica. Desejo que ele se reinvente e prospere. Deste lado, nós vamos tentar fazer o mesmo. Um dia voltaremos a estar todos juntos, noutro lado qualquer, num outro fuso-horário qualquer. Depois abraçamo-nos novamente e dizemos “adeus, até já”. Porque é isso que somos: o regresso, no momento da despedida. Até já.

 

PedRodrigues

sábado, 8 de novembro de 2014

Poema da cidade que um dia foi nossa

Agora as ruas vazias,
As sombras perdidas pela cidade
O teu rosto em cada canto
Onde partilhámos beijos e
Juras de amor
Às vezes uma gargalhada,
Ou um olhar indiscreto
Dizia que te amava
E não te mentia
 
Agora as memórias
Agora as histórias repetidas
Os restos das lágrimas choradas
Agora a calçada e o musgo nas paredes
As vidraças turvas, onde a luz custa a passar
Agora a dor do último beijo
Do último adeus
 
Queria que fosse um até já,
Mas não foi.
 
Agora nada a não ser
O vazio
Tudo remexido com a vontade de ti
Quilómetros quadrados que não fazem sentido
Sem te ter ao meu lado.
 
Depois de ti tudo mudou,
E, no entanto, tudo permanece imutável
Pequenas partes tuas em toda
A parte.
Não há um lugar que diga que é apenas meu.
 
Fui ontem ao sítio onde te vi pela última vez:
Não estavas lá.
Deixei-te uma flor
E vim embora.
 
Se sentires a minha falta
Procura-me pelas linhas da cidade
Onde as minhas memórias
Ainda namoram com as tuas.
 
 
PedRodrigues
 

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Outra dissertação sobre os dias de chuva

Lá fora chove. O céu parece querer desabar sobre as cabeças de quem anda na rua. Pergunto-me por que razão olhamos tantas vezes o céu. Talvez o céu seja apenas algo bonito de se olhar, ou talvez procuremos respostas. O céu não nos responde. O céu chove sobre as nossas cabeças. É o que o céu sabe fazer, aquilo para que foi criado. Diz-se que a chuva, por vezes, é uma bênção; outras vezes é uma maldição. Aqui dentro, no meu bloco de papel, perco-me em analogias entre a chuva e o amor. Descobri, no meio desta confusão de palavras, uma ténue verdade que talvez mais tarde venha a refutar. Vivemos na crença do amor perfeito. Procuramos algo que não existe, que nos foi contado pelas histórias que terminavam invariavelmente num “felizes para sempre”. Criámos uma ilusão do amante perfeito, aquele que compreende as sete cores do nosso arco-íris. Mas ninguém é de barro. Ninguém se molda à nossa vontade. Ninguém é perfeito. Ninguém entende as sete cores. Todos temos as nossas dúvidas, as nossas inseguranças, as nossas confusões, as nossas lutas pessoais. Somos seres falíveis. “Perfeitamente defeituosos”, como ouvi uma vez. Nem sempre a chuva que cai do céu é uma bênção. E nem sempre os outros nos vão agradar incondicionalmente. Temos de os aceitar por aquilo que são e não por aquilo que poderão ser. Talvez nesse momento sejamos mais felizes. Um mundo sem erros é como um céu sem chuva: no meio da seca, acabamos por ter saudades de nos molhar.


PedRodrigues