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quarta-feira, 26 de junho de 2013

A cantiga do bandido


É a velha máxima do

-Eu gosto de ti...

Dito assim, na brincadeira. Vai na volta às vezes até lhe sai com sinceridade. Às vezes a coisa vem mesmo de dentro - sabe-se lá de onde. Tanta gente a falar naquela coisa do amor. As raparigas que desenham corações e o tentam prender dentro desses corações. Tanta coisa que ele não entende. Elas para ele

-Fazes-me sentir especial

Enquanto ele vai piscando o olho a outra, ou trocando mensagens às escondidas. Porque as coisas são mesmo assim e uma pessoa não se pode ficar pela monogamia. Dizem que vai contra o metabolismo dos homens. Dizem que somos uns porcos e uns estúpidos e que não temos coração

-Coração?

E eis a pergunta que vai ficando na cabeça de muitos: coração? A ideia com que se vão enganando

-Eu amo-a. Posso ter três ou quatro amantes, mas no final das contas eu amo-a.

Vão brincando ao amor porque não o entendem – ou não querem entender. Vão colecionando mulheres porque é assim que deve ser. Porque são fascinantes e desafiantes e são a melhor coisa do mundo. E à medida que as colecionam fazem-nas sentirem-se especiais. Vão-nas mimando e guardando, até se fartarem delas. Quando o fascínio desvanece e o desafio acaba, elas passam de melhores do mundo a um simples empecilho

-Eu gosto de ti, mas amo outra e não posso fazer nada quanto a isso. Tu entendes, não entendes?

Elas não entendem. Como poderiam entender?

-Como pude ser tão parva?

(Lágrimas, lamentos, súplicas)

-A culpa não é tua, é minha...

Assim dito como quem sente realmente a coisa. Como quem sabe o que é sofrer. Isto sempre num tom melancólico

-A culpa não é tua

A culpa é do metabolismo. A culpa é das hormonas que andam aos saltos - e das mulheres que as fazem disparar. Mas no fundo, no fundo, a culpa é mesmo daquela característica que os distingue do restante reino animal: são uns românticos incuráveis: apesar de partilharem a cama com várias, amam apenas uma. E entre flores e beijos lá vão cantarolando a cantiga do bandido. Lá vão espalhando o amor pelas freguesias

-O amor?

Ou outra coisa qualquer que ainda não lhe sei o nome. Lá se vão desdobrando em mil e esperando que a coisa não dê para o torto. Mal sabem esses artistas que a mentira tem perna curta. E que a parvoíce feminina não começa onde a nossa termina.

PedRodrigues

segunda-feira, 17 de junho de 2013

À avó que me morreu

Morreste-me. Há sete anos: morreste-me. Ainda me lembro de tudo: do cheiro a Verão à hora de jantar, do timbre da voz que nos deu a notícia, do pôr-do-sol a esgueirar-se pelos vidros das janelas, da cara da mãe, da cara do avô. Lembro-me de tudo e nada disso me traz conforto. Morreste-me. Há sete anos que me pergunto todos os dias como seria se ainda por cá estivesses. Se continuarias a sorrir como sorris nas fotos que encontrei nas caixas lá por casa. Adoravas quando o mundo sorria – quem não adora, não é? Ainda hoje me pergunto como seria se cá estivesses para me dar força. Como seria se cá estivesses para dar força à mãe e ao avô. Sentimos todos a tua falta. Sentimos muito a tua falta. Lembro-me que há sete anos, ao saber da notícia, corri para a praia em busca do conforto de uma resposta que julgava estar enterrada na areia, ou escondida no barulho das ondas a vergarem-se sobre si. Procurava uma resposta para a perda. Tinhas-me morrido. Nunca mais te iria ver. Nunca mais iria sentir as tuas rugas a beijarem-me a cara. A tua voz não voltaria a chamar o meu nome. Quantas vezes chamaste o meu nome? Um milhão? Dois milhões? Não o chamaste vezes suficientes. Sinto tanta falta de ouvir a tua voz a chamar o meu nome. Hoje és as lágrimas que choro. És as lágrimas que choramos. Morreste-nos, mas o nosso amor por ti não morreu contigo. Jurei há sete anos que iria visitar a tua campa sempre que pudesse. Não tenho cumprido essa promessa. Desculpa-me. Há uma tristeza que se veste de mim de cada vez que entro no cemitério. Quando olho a tua fotografia imagino-te a repousar serena em algum lugar distante. Imagino que um dia voltarás e me beijarás novamente e dirás que tudo está bem. Imagino o sorriso do avô ao ver-te. Imagino isso tudo e depois percebo que não passa disso, da minha imaginação. Choro por dentro e aguento um pouco para que a mãe não me veja a chorar. Não quero que ela chore. Não quero que ela me diga que chorar faz bem e depois tente aguentar as lágrimas dela de modo a se mostrar forte. Perder quem amamos é como perder uma parte de nós. Há algo que parte e não volta. Há um luto que vive connosco e sobrevive cá dentro com as recordações que guardamos. Se fizer força ainda te consigo ouvir a chamares-me para jantar. Todos os dias falamos em ti. Todos os dias recordamos com saudade o teu lugar na mesa. O avô tem sido um guerreiro na tua ausência. Mas todos os guerreiros acabam por cair. Tenho medo de o ver cair. Não me imagino sem ele, assim como não me imaginava sem ti. Pergunto-me tantas vezes como me tenho aguentado sem ti. Morreste-me. Há sete anos morreste-me. Há sete anos proibiram-me de te ver a repousar serena de pálpebras fechadas. Pediram-me que me lembrasse de ti a sorrir. E é isso que tenho feito. Recordo-me sempre de ti em todo o teu esplendor. Recordo-me de ti com toda a saudade que é humanamente possível guardar. Amar-te-ei sempre na mesma quantidade. Passem mais sete anos, ou setenta, viverás guardada em mim. A sorrir. Sempre a sorrir. No que de mim depender, não serás esquecida. Sentimos a tua falta, avó. Onde quer que estejas, olha por nós. Olha por mim. Não te esqueças de mim. Nunca te esqueças de mim. Tenho tantas saudades tuas. Avó. És esta lágrima que desce o meu rosto. Morreste-me. Há sete anos morreste-me, mas eu não te esqueço. Avó. Amo-te. Avó.


PedRodrigues

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Jantar para dois


Às vezes pergunto-me se alguma vez gostaste de mim. Pergunto-me todos os dias, ora essa. Pergunto-me e respondo-me e no final acabo sempre com a mesma sensação: um vazio imenso. Na verdade não sei gostaste, realmente. Se há alturas em que penso que sim, há outras em que julgo que me enganaste e fizeste de mim parva. Ando sempre nesta corda bamba, sem saber para que lado vou pender. Gosto de pensar que somos felizes. Gosto de imaginar o brilho dos teus olhos ao contares-me todos os teus planos para seres o melhor de todos, o grande, o inigualável. Para mim sempre foste o pináculo da perfeição. Conquistaste-me com as tuas falinhas mansas, com as tuas manhas de artista do sensível, com o teu ar de sonhador incansável. Eras, e és, o único que me fazia sonhar que podia chegar mais longe. Julgava poder acompanhar-te nessa tua jornada, mas a meio compreendi que era impossível seguir-te cegamente sem perder um pouco de mim. Hoje estás cada vez mais perto daquilo que sonhaste. Hoje tens milhares de seguidores que te acompanham e te lêem e que julgam conhecer-te. Mas tu sabes, como eu sei, que nenhum deles te conhece como eu conheço. E eu que julgo conhecer-te tão bem, não consigo entender se algum dia gostaste verdadeiramente de mim. Tento encaixar-te em cada palavra. Tento tornar-te nas personagens que escreves. Tento que sejas aquilo que quero que sejas. Nunca és, mas eu não deixo de tentar. É este meu masoquismo que me vai dilacerando lentamente. Esta vontade de te descobrir e de querer que me descubras. Quem estou eu a enganar? Tu já me descobriste. Tens esse dom assustador de ler as pessoas nas entrelinhas. Vais-te apoderando delas, vais crescendo nelas até que, a certa altura, é impossível remover-te sem que faças estragos permanentes. Pergunto-me tantas vezes se alguma vez gostaste, realmente, de mim. Pergunto-me, mas tenho medo de te perguntar. Tenho medo que me digas que não e que parte de mim desabe no processo. Talvez por isso te tenha feito o jantar e espere por ti enquanto vou olhando para o vazio do teu lugar. Talvez por isso imagine o teu sorriso do outro lado, a cumprimentar-me como eu mereço. Sou uma parva, eu sei. Lá no fundo eu sei que gostas de mim e que sou eu aquela que escreves nos teus textos. Espero que um dia me dediques um dos teus livros. Eu espero. Por ti, eu espero. Apesar de não te compreender na tua plenitude, tu voltas sempre para mim. Tu olhas-me sempre com aquele teu ar tão estranho e ao mesmo tempo tão adorável. Um dia seremos apenas eu e tu nos teus livros. Um livro para nós. Até podes escrever sobre este jantar que hoje te fiz, desde que no final fiquemos apenas os dois: felizes para sempre.

 

PedRodrigues

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Menu Verão


É estar de pés enterrados na areia. Sentir os grãos entre os dedos. Olhar o mar, olhar a imensidão do mar e pensar

-Sou tão pequeno

Porque no fundo sou mesmo. Sou tão pequeno quando comparado com o mar.
É sentir o sol na cara. Sentir o calor do sol na cara. Esquecer tudo: presente e passado. Sentir o sol na cara e esquecer que sou pequeno quando comparado com o mar. É pensar como um grão de areia

-Sou tão pequeno

Porque é. Mas uma praia é feita de grãos de areia. E eu, por exemplo, sou tão pequeno em comparação com uma praia.

-Sozinho sou tão pequeno

Sozinhos somos demasiado pequenos. Sozinhos o mundo parece engolir-nos: temos medo, somos fracos, somos uma pequena parte. Aos nossos olhos o mar parece um gigante azul que se irrita de quando em vez. O céu parece demasiado vasto para caber nos nossos olhos. Sozinhos somos isto. Sozinhos somos pouco.
É sentires a brisa na cara e pensares

-Sou este instante

Parares, respirares fundo, sentires novamente a brisa

-Também sou este instante

E assim sucessivamente: instante após instante. É sentires-te parte de cada instante por seres esse mesmo instante. É estares cá e gostares de estar cá. Pensares no mar, no céu, na areia, no vento. Veres o mundo como ele é: demasiado grande para caber na palma da tua mão. Mas teres alguém ao teu lado que te diz

-Tu consegues

Alguém que te dê a mão

-A minha mão cabe na palma da tua mão

É entenderes que podes tornar alguém no teu mundo. Perceberes que não há impossíveis quando estão juntos. É sorrires e sorrires e sorrires e sorrires: até te cansares. Mas nunca te cansas, pois não?

(A sorrir)

-Nunca me canso

A verdade é essa: nunca te cansas. Quando estás verdadeiramente feliz, a vida parece-te um Verão interminável. E ninguém se cansa do Verão, pois não? Todos gostamos demasiado de sentir a areia nos pés, de sentir o calor do sol na pele, de olhar o mar e imaginar onde termina o horizonte. São os prazeres da vida. São as pequenas coisas da vida. Como nós, que também somos tão pequenos.

-Sou tão pequeno

-Tens a certeza?

-Sozinho sou tão pequeno... – sorriu - Mas quando estou contigo sinto-me infinito.

PedRodrigues