Páginas

terça-feira, 31 de maio de 2011

Não nasci bandido

                        Para alguém, sobre alguém. Niguém precisa de saber mais...
Já vivi um terço daquilo que provavelmente irei viver. Os anos passam por mim numa corrida infernal a velocidades muito próximas da velocidade da luz. Não me sinto velho, muito pelo contrário: sinto-me cheio de vida; sinto-me com fome de vida, embora já tenha vivido aventuras dignas dos melhores filmes americanos. Adoro os filmes americanos. Agora, com o passar dos dias, perco horas a ver-me no ecrã. Imaginando-me no meio das explosões, das perseguições, dos negócios pela porta do cavalo, dos tiroteios… Um pingo de nostalgia passeia-se pela sala.
A minha mãe nunca foi de ligar aos mexericos da terra
“O filho dela é má companhia…”
Não gosta de ouvir este tipo de coisas, naturalmente. Mas nunca perdeu tempo com os passatempos alheios. Tempo é dinheiro e a vida não lhe permite certos luxos, certas futilidades. Amo a minha mãe. Gosto de viver na mesma casa que ela, ter comida, cama e roupa lavada, mas há certas alturas na vida em que uma pessoa se farta do tecto da casa onde cresceu. É uma vergonha para mim, com esta idade, viver ainda em casa da minha mãe, sem trabalho – um biscate aqui e ali, de vez em quando – sem carro, sem nada que possa dizer que é meu, a não ser esta roupa que trago no corpo e a loucura que trago na cabeça.
“Já devia ter morrido vinte vezes…”
No entanto não morri e continuo aqui para as curvas. Uma cicatriz aqui, outra ali, mas nada de grave, nem uma sequela para amostra. Uma vez levei um tiro. Entrou e saiu. Para azar de quem disparou, nada de grave me aconteceu – só mais um par de cicatrizes. No dia seguinte, estava eu na praia e o atirador no hospital. A vida é irónica.
Lembro-me de quando passava droga. Quando ia de norte a sul tratar de negócios. Um amigo em cada porto. Um amigo
“Não tens uma gramita para mim? Eu tenho dinheiro para te pagar”
Em cada esquina. A sorrir-me enquanto lhe vendia a própria morte. As feições de quem já não vive sem a gramita, os dentes amarelados e o corpo trémulo. A sorrir para mim
“Eu tenho dinheiro para te pagar”
Enquanto me pagava para o matar, com o dinheiro que roubava aos pais. Que pensariam os pais daquela troca? Que pensaria a minha mãe de mim?
“O filho dela não é boa companhia…”
As más-línguas estavam certas. Desculpa mãe. Nada de bom acontece a quem anda de mãos dadas com o diabo. Mas a culpa não era minha. Não nasci bandido. A vida mostrou-me este caminho e eu nunca apontei uma arma a ninguém para que usasse o que vendia. As escolhas partem de cada um. Eu era só um mero comerciante – só mais um - a fornecer um produto, um serviço. Não tenho culpa que este mundo seja um sítio tão merdoso que as pessoas paguem pela sua morte. Também eu experimentei um pouco de tudo. Só pela diversão. Só para aguentar mais umas horas numa festa qualquer que agora não me lembro. Só mais um pouco disto, só mais um pouco daquilo, só mais umas horas, só mais uns minutos, só mais uns segundos.
A vida era bela no tempo das vacas gordas. Agora estou aqui. Preso a esta casa, a esta terra esquecida por Deus. Sem dinheiro, sem carro, sem nada a não ser os filmes americanos e as lembranças de melhores dias. De dias de loucura que passaram por mim à velocidade da luz. Que só deixaram cicatrizes e nem uma sequela para amostra.
“Já devia ter morrido vinte vezes…”
No entanto não morri e o meu corpo está moído – eu sei que sim – mas eu não sinto. Amanhã voltava a repetir tudo novamente. Tenho sede de vida. Quero sair da casa da minha mãe. Quero ter dinheiro, um carro, uma casa, um património. Quero crescer que já tenho idade para isso. Quero ter direito a uma vida de actor de filmes americanos. Sou eu no ecrã no meio das explosões, das perseguições, dos negócios pela porta do cavalo, dos tiroteios…
Já vivi mais nestes anos, que algumas pessoas viveram nas suas vidas inteiras. Agora vejo a pasmaceira da janela do quarto, enquanto passa um filme americano na televisão e eu espero pela melhor oportunidade para crescer. Não sou eu na televisão mãe. Tu, melhor que ninguém, sabes que eu não nasci bandido, foi a vida que me apontou primeiro a pistola.


PedRodrigues


sexta-feira, 27 de maio de 2011

Este texto vai meter-me em apuros

Não sei como começar. Acordei sem vontade nenhuma. O tempo chuvoso lá fora ajuda o ócio que paira aqui dentro. Ontem foi só mais uma noite igual a tantas outras. Não aprendi nada de novo, a não ser o preço dos cocktails na discoteca. Penso para mim: fade in. Escrevo na minha cabeça.  Comecemos.
Eu e os meus amigos temos a falta de delicadeza de objectificar as mulheres. Temos o mau gosto de lhes dar notas, numa escala de zero a dez, consoante o seu grau de beleza. Sim, os homens são uns porcos. Recentemente, aprendi que há mais numa pessoa que a sua beleza física. Desculpem se aprendi a lição tarde, mas sou uma pessoa bastante teimosa. Gosto de apreciar a beleza e guardar no bolso de vez em quando. Desta vez, caí do cavalo. Levei com a lança no peito e provei o sabor do pó. Nunca é tarde de mais. Uma lufada de ar fresco, estranhamente, um sentimento de realização, ou algo do género que não sei explicar de outra forma que não esta: imaginem que são fumadores durante décadas, param um ano de fumar, e no final desse ano decidem fumar um último cigarro. Se eu fosse fumador, imagino que esse cigarro soubesse a uma vida. É assim que me sinto. Como se tivesse fumado esse último cigarro com sabor a uma vida.
Agora vamos ao mais importante. O busílis da questão. A razão de tal mudança. Não é uma rapariga feia, de todo. Mas não é, nem tem aquilo que eu tão cegamente procurei durante anos nas mulheres - conseguindo e ao mesmo tempo falhando. Nenhuma me deixou tão perto da loucura como esta. Não a entendo, mas adorava entender. E quando julgo que a tenho na mão, ela foge-me entre os dedos. Vive vinte e quatro horas num estado de loucura no qual eu me adoro perder. É inteligente e nunca se dá por vencida numa batalha de argumentos. Consegue-me tirar do marasmo e desafiar-me. Acreditem que não é fácil. Disse que ela não é feia, não em tom depreciativo – não me interpretem mal. Adoro as caretas que ela faz quando quer gozar comigo. A forma como finge que me ignora e a forma como me ignora por vezes - sem querer, aposto. Adoro a forma como a cara dela se engelha quando manda gargalhadas estridentes. E adoro aqueles olhos da cor da noite. Ela é tudo menos feia, ela é linda. Mas só para os olhos certos. Os olhos que a conseguem ver num todo e não por partes. Olhos que a vejam, não como um objecto, mas como uma pessoa.
Provavelmente não deveria ter escrito nada disto. Provavelmente irei levar com uma onda de perguntas. Provavelmente ela não vai gostar disto. Como disse: não a entendo. Provavelmente ela
“Não gosto de ti”
Diz as coisas num sentido literal. Não sei. Gostava de saber, mas não sei. O mais engraçado é que se soubesse, ela já não era a rapariga que descrevi. A tal rapariga que me meteu a pensar e me retirou do vazio da futilidade. Provavelmente ela vai gozar comigo. Ou então, se tem algum interesse, vai perdê-lo porque eu estou a confundir as coisas, ou a ir longe demais. Provavelmente ela não está preparada. Provavelmente eu estou a avançar muito rápido. Não sei. Não a entendo. Só ela poderá dar resposta a tais dúvidas. Ela não é como as outras. Não posso montar só um cenário. Tenho de montar um filme inteiro. Ou mais. Não sei. A única coisa da qual estou certo é que, a primeira coisa que vai sair da boca dela quando ler isto é a seguinte:
“Morre”

PedRodrigues

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Crónica do mosquito no quarto

Não gosto de mosquitos. São seres horríveis. Têm não sei quantas patas, asas, um bico em forma de palha que usam para chupar o sangue das pessoas - tal como certos governantes deste país. Perdoem-me o desvio – e não têm alma. Não acredito que tenham alma. São repugnantes, irritantes, chatos, aborrecidos e mais uma quantidade de sinónimos que não vou escrever para não me perder em insultos.
Não tenho pena dos mosquitos. Tenho pena das moscas, apesar de saber que há por aí muita merda espalhada. Mas a merda de hoje – apesar de em maior quantidade – vale menos de metade da merda de outros tempos. Tenho pena das traças, apesar de haver cada vez mais roupeiros cheios e carteiras vazias. Tenho pena que se percam nas florestas de livros que as pessoas de hoje não lêem. A ignorância é uma bênção, e ao que parece as traças estão condenadas ao abismo da sabedoria. Não tenho pena nenhuma dos mosquitos. Vampiros de não sei quantas patas que se aproveitam do sangue alheio.
“Bzzzz”
(um mosquito no quarto. Mais um mosquito no quarto)
Buzina-me aos ouvidos enquanto tento concentrar-me na melhor posição para adormecer. Perdi a conta aos carneiros que contava. E a mulher dos meus sonhos está condenada a prisão perpétua num canto escuro da minha mente, sem direito a liberdade condicional. Maldito mosquito. Detesto mosquitos. Atrapalham-me a concentração. Minam-me o poder de decisão. Gostava de escrever, mas não consigo e a culpa é do mosquito. Não sei o que será pior: uma pedra no sapato, ou um mosquito no quarto; um elefante branco na sala, ou um mosquito no quarto. Seres horríveis. Impossíveis de ignorar. Impossíveis de aturar. Impossíveis de servir de ajuda a esta cadeia natural de acontecimentos a que chamamos de vida. Não nos ajudam a esquecer os problemas, só maximizam o grau de irritação. Calem os mosquitos. Insectos horríveis: pequenos e irritantes.
Um dia, num Verão qualquer, gostava de adormecer sem ser acordado por um mosquito. Gostava de sonhar sem ser boicotado. Gostava de viver sem me chuparem o sangue. Gostava que o mosquito no meu quarto desse com a cabeça na parede. Gostava que ele olhasse para o espelho e tentasse chupar-se a si mesmo. Gostava que ele parasse de bater as asas e de fazer aquele barulho irritante. Gostava especialmente que ele voasse para Marte e procurasse por lá uma poça onde pudesse se reproduzir. Gostava que fizesse boa viagem e me deixasse sonhar em paz - com todo o sangue a que tenho direito no meu corpo.
“Vai e não voltes”
Detesto mosquitos. Que bichos nojentos. Não gosto de servir de banquete, nem de ser alvo das vuvuzelas alheias.
(Deixem-me ser feliz à minha maneira.)
“Adeus!”
Acabei de matar mais um mosquito que passeava, obeso, pelo meu quarto.
PedRodrigues

sábado, 21 de maio de 2011

Breve introdução à amizade

Vivemos presos nesta selva urbana. Pobres que somos, andamos perdidos. Uns conduzem melhores carros, têm melhores casas, têm mulheres mais bonitas; essas mulheres mais bonitas têm melhores peles – cortesia dos produtos de beleza que os maridos podem pagar e dos milagres da cirurgia plástica – têm roupas mais caras e jóias que são o sonho de qualquer princesa de faz-de-conta. No entanto, todos os reis têm subordinados, nenhum tem amigos.
As amizades são o equivalente social da equação perfeita. Nesta selva urbana vivemos todos unidos numa floresta de fios. No final de cada fio só vejo conchas vazias. As amizades estão desniveladas. As equações têm soluções impossíveis. Ninguém é feliz com a felicidade dos outros. Todos queremos mais. A ganância e o egoísmo tornaram-se nos eucaliptos desta floresta, secando as amizades à sua volta. Tenho pena.
Todos os dias procuro pelo final dos fios que me unem às pessoas. Todas me surpreendem. Aliás, uma das minhas maiores felicidades é o espanto e a dúvida que tenho sobre todas. As pessoas não nos surpreendem com as mentiras que nos contam, surpreendem-nos com as verdades que descobrimos sobre elas. É assim que vejo a sociedade: um areal de mentiras, que eventualmente são afogadas num mar de verdades. Todos os dias procuro uma gota desse mar no final de cada fio. Todos os dias encontro o equivalente a uma pequena poça. Sorrio.
Nunca quis ser rei. Gosto demasiado de partilhar o pão à mesa e de brindar com os meus amigos. Gosto de ser aplaudido, mas não nasci para ser bajulado. Gosto de fazer a minha parte na equação. Gosto de ser a verdade no final no fio. Gosto de estar lá quando é preciso. De ser marinheiro na tempestade e de ser o primeiro a festejar na bonança. Um dia ouvi, numa entrevista ao António Lobo Antunes, a seguinte frase:
“As pessoas são como os arco-íris: nós nunca nos entendemos nas sete cores”
Ainda hoje essa frase me vem à cabeça com regularidade. Nem sempre nos entendemos nas sete cores, mas se nos entendermos em três ou quatro já é muito bom. As amizades são isso mesmo: concordar, mesmo quando discordamos. Saber viver com as diferenças. Equilibrar a equação para que o resultado desta seja possível.
Nesta floresta de fios e conchas vazias, uma das minhas maiores alegrias é saber que, no final de alguns fios, há oceanos de verdades. Que, se um dia cair, alguém me ajudará a levantar. Quanto a todos os outros: espero que um dia não se percam no próprio vazio. Nem só de dinheiro, carros e mulheres bonitas vive o mundo. As amizades são o equivalente social da equação perfeita, não queiram ser melhores que a sua solução.

PedRodrigues

quarta-feira, 18 de maio de 2011

A dois passos do melhor que posso ser

Ali estava eu: mais um copo para o caminho. Nunca fui fã de seguir a estrada que os outros pisam. Sempre me senti diferente; nunca fui diferente; nunca quis ser diferente.
 Ali estavas tu: bela como sempre. Não sei o que fazes ao cabelo, nem como o tratas. Só sei que parece veludo, e a forma como se agita é única e singular. Passei horas – não sei precisar no relógio onde paravam os ponteiros – a admirar-te. O copo multiplicou-se. O meu desejo por ti também. Perdi-me nas curvas que tão generosamente me apresentavas. Perdi-me nos olhares que lançavas às feras – agarrava-me com unhas e dentes aos que vinham na minha direcção.
Ali estava eu: a afogar as mágoas num mar de whisky. E tu de saia, as meias de vidro a reflectirem o meu sorriso tímido. Um rio de desejo atrás de cada dente. Uma ânsia de te provar. Tantas vezes te vi naquele mesmo bar. Nunca tive coragem de me aproximar. Sempre me deixaste mudo. O amor que sentia pelo que via de ti, o desejo que fazias crescer nas minhas calças, tudo isso era nada, comparado com o medo que tinha. Ainda hoje me pergunto:
-Medo de quê?
A resposta continua a mesma
-Ela era melhor que eu
No entanto na minha cabeça o melhor sou eu até ao momento da verdade. No momento da verdade tremo de medo.
-Será que sou o suficiente?
A resposta sempre foi a mesma. As inseguranças continuam a multiplicar-se tal como os copos no bar. O suficiente, o melhor, o difícil de alcançar. Nunca o pior, o horrível, o nunca mais. Mas as inseguranças…
-Será que sou o suficiente?
A resposta continua a mesma. O medo também. A minha cabeça continua perdida na mesa do bar: mais um copo para o caminho. Um pedaço de mau caminho que dança de saia no meio da pista. Que me deixa num limbo entre a besta e o homem. Que me faz sonhar com o corpo dela despido. Com os gemidos de prazer. Com uma perna para aqui e outra para ali. Com
-Mas será que sou o suficiente?
E a resposta não muda porque eu sou o melhor. E sendo o melhor um dia levantei-me do marasmo em que me encontrava. Nadei pelo mar em que me afogava. E disse-te
-Vem comigo
Tu vieste e eu fui o melhor. Tu eras melhor que eu, mas ali eu fui o melhor. Uma perna para um lado, outra perna para o outro e tu gemias com o toque da minha língua. Os meus dedos a passearem pelo teu corpo levantando cada pêlo. Os teus dedos a contraírem-se com o aproximar do momento. Um oceano de prazer que transbordava de ti - acendendo cada vez mais o fogo. Entrei no teu paraíso e só parei quando chegámos ambos ao céu. Ali fui o melhor. E na ressaca do momento acabei por entender que apesar de ser o melhor, o medo de falhar é enorme. Um dia alguém não vai gemer de prazer. É desse dia que tenho medo. Aqui estou eu: sentado no mesmo bar, uma bebida para o caminho.

PedRodrigues

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Breve elogio à estupidez: o sofá, os mexericos e a verdade


“No Facebook sou quem quero”
Foi esta a frase que me ocorreu num destes dias. Lamentavelmente, a curiosidade matou o gato, mas eu não vejo ninguém a cair para o lado quando começa a hora da especulação. Não me levem a mal. Sou um ser curioso. Não gosto da ignorância – embora cada vez mais seja uma bênção. Não quero ir para a campa sem saber tudo aquilo que posso saber, mas quanto mais sei, mais inquieto fico; quanto mais inquieto fico, mais quero saber. Não é saudável. Acreditem.
Vejo cada vez mais a curiosidade como um trapézio sem rede: cair pode ser fatal. O lado negro da curiosidade é o seu uso abusivo. Quando esta passa de uma simples procura por uma resposta e se torna num furacão de especulações e mexericos.  Não é saudável. Faz-me lembrar as conversas da minha avó Lucinda – que Deus a tenha – com as amigas, no sofá da casa dela. Falavam de tudo e de todos:
“Diz que disse que aquele enganou aquela e que tem um filho não sei onde que está às portas da morte por se ter metido na droga”
(Sem pausas para não perder o ritmo nem o fio à meada)
Recordo com saudade esse tempo. Não que tenha saudades de ouvir os mexericos, mas porque ali a conversa não vinha em forma de comentários para quatrocentas pessoas que não conheço lerem. Tenho saudades de me esquecer das conversas sobre a vida do filho-de-não-sei-quem-que-agora-namora-com-a-outra-e-espera-um-filho-da-vizinha. A vida era bela quando o sofá da casa da avó Lucinda era o Facebook da terceira idade.
É com tristeza que hoje eu faço parte deste problema – será? - que tento descrever. É com tristeza que perco horas a rir-me para o ridículo. Mas fico bastante feliz por saber que estou a errar. Infelizmente – será? -  há quem erre ainda mais que eu. Gosto de estudar os comportamentos das pessoas – não de um ponto de vista sociopata – mas gosto de ver como reagem ao que escrevo. Acredito que não seja o único a pensar assim, mas ao contrário de muita gente sinto vontade de o partilhar e tenho capacidade para o fazer – perdoem-me este garrafão de água benta que acabei de tomar.
Tal como no sofá da avó Lucinda, nem sempre tudo o que se diz corresponde à verdade. Basta recordar a frase com que comecei o texto. Meninas: não acreditem que o príncipe encantado está solteiro. Ele tem namorada e provavelmente um harém de amantes. Meninos: as frases melosas nem sempre são para o namorado – há mais marés que marinheiros – mas não se deixem enganar por certas ousadias. A publicidade também engana. Um estado no Facebook pode ser só a constatação de um facto, ou pode ser só uma forma de ver quem reage – e como reage - ao que foi escrito. Há quem goste de se gabar – “muita parra, pouca uva” – e há os que não precisam de público. Há os que gostam de dar a cara, e os que gostam de usar a máscara. Pessoalmente, eu acho que há mais acção nos bastidores que no palco, e tendo em conta que a ficção decorre no palco e a realidade nos bastidores, sintam-se à vontade para especular onde está a verdade.
Tenho pena de fazer parte deste problema. A curiosidade matou o gato, mas hoje em dia preferimos morrer a saber onde a vizinha gastou a herança, que viver de mãos dadas com a ignorância. Eu também gosto de saber aquilo a que tenho direito. Não hei-de ir deste mundo ignorante. Mas a verdade é que a minha liberdade termina onde começa a do próximo. A minha curiosidade devia terminar onde começa o segredo mais sagrado do próximo. Infelizmente, hoje em dia, a curiosidade já não é uma simples procura por uma resposta. Hoje em dia, os mexericos começam no “mural” do vizinho. Mas nunca é de mais lembrar: a verdade é o que fazemos dela. Qual é a tua verdade?

PedRodrigues

domingo, 1 de maio de 2011

Madrecita

Obrigado.
Deste-me ao mundo: parte de ti. É a tua metade que guardo comigo. Amo o pai, como te amo a ti, mas tu sempre deste o teu sangue, a tua alma e um pouco do teu corpo por mim.
Nos anos que me faltam com o pai, tu preencheste o vazio. Sempre foste o encarregado de educação. Amo o pai, como te amo a ti. Mas se for possível - se me permitirem - amo-te um bocadinho mais. Desculpa pai, tu sabes que é verdade. Ela sempre esteve cá. Em todos os momentos: ela sofreu, e escondeu-te o sofrimento. A léguas marítimas: ela viu-me a sofrer por um pouco de ar nos mares da Espanha. Ela esteve comigo, de mão dada, no hospital em Lisboa. Ela sempre esteve lá: nos bons e nos maus momentos. Desculpa pai, mas mãe é mãe.
Amo-te mãe. Hoje não é o teu dia. Hoje o meu amor não é maior que ontem. Hoje continuas linda. Hoje continuas mulher: o protótipo perfeito. Hoje sofres por mim, como ontem sofreste, e como hás-de continuar a sofrer. Não te quero a sofrer mãe. Mereces o melhor. Mereces rosas. Mereces beijos. Mereces o melhor que eu posso ser. Desculpa se não nasci perfeito. A pouca perfeição que tenho, herdei dos teus genes. Desculpa se te magoo: em pensamentos, actos e omissões. Desculpa não ser tão belo como devia ser. Obrigado por ocultares os meus erros e os meus defeitos. Obrigado por me lembrares que eu sou o melhor – mesmo quando sei que valho pouco mais que nada.
És tão linda mãe. Adoro cada ruga. Cada traço que muda com o tempo, mas que te faz continuar igual. Tão bela. Cada gesto que fazes com a boca quando o vento não sopra a favor. Cada grito que mandas para o ar:
“Pedro Miguel”
Que eu apanho: não com as mãos, mas com o estômago. Quando tremo só de pensar que estás chateada comigo. Detesto quando te vejo chateada. Não mereces mãe. Esse sorriso devia brilhar sempre. Gosto tanto dele mãe.
Desculpa se hoje não te ofereço rosas, ou outro bem material. Desculpa se só te posso dar palavras. Só posso dizer que te amo, que te adoro, que te venero. Hoje não é o teu dia. Hoje não é um dia especial. Hoje não te amo mais. Não te consigo amar mais. Os dias são iguais, desde que saiba que estás comigo: em pensamento, em rezas, em actos, em corpo, em alma… Hoje és o protótipo da mulher perfeita. Desculpa não te dizer todos os dias o que te vou dizer hoje – hoje o dia não é especial. Todos os dias são especiais contigo.
“Amo-te mãe”

PedRodrigues