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sexta-feira, 27 de maio de 2011

Este texto vai meter-me em apuros

Não sei como começar. Acordei sem vontade nenhuma. O tempo chuvoso lá fora ajuda o ócio que paira aqui dentro. Ontem foi só mais uma noite igual a tantas outras. Não aprendi nada de novo, a não ser o preço dos cocktails na discoteca. Penso para mim: fade in. Escrevo na minha cabeça.  Comecemos.
Eu e os meus amigos temos a falta de delicadeza de objectificar as mulheres. Temos o mau gosto de lhes dar notas, numa escala de zero a dez, consoante o seu grau de beleza. Sim, os homens são uns porcos. Recentemente, aprendi que há mais numa pessoa que a sua beleza física. Desculpem se aprendi a lição tarde, mas sou uma pessoa bastante teimosa. Gosto de apreciar a beleza e guardar no bolso de vez em quando. Desta vez, caí do cavalo. Levei com a lança no peito e provei o sabor do pó. Nunca é tarde de mais. Uma lufada de ar fresco, estranhamente, um sentimento de realização, ou algo do género que não sei explicar de outra forma que não esta: imaginem que são fumadores durante décadas, param um ano de fumar, e no final desse ano decidem fumar um último cigarro. Se eu fosse fumador, imagino que esse cigarro soubesse a uma vida. É assim que me sinto. Como se tivesse fumado esse último cigarro com sabor a uma vida.
Agora vamos ao mais importante. O busílis da questão. A razão de tal mudança. Não é uma rapariga feia, de todo. Mas não é, nem tem aquilo que eu tão cegamente procurei durante anos nas mulheres - conseguindo e ao mesmo tempo falhando. Nenhuma me deixou tão perto da loucura como esta. Não a entendo, mas adorava entender. E quando julgo que a tenho na mão, ela foge-me entre os dedos. Vive vinte e quatro horas num estado de loucura no qual eu me adoro perder. É inteligente e nunca se dá por vencida numa batalha de argumentos. Consegue-me tirar do marasmo e desafiar-me. Acreditem que não é fácil. Disse que ela não é feia, não em tom depreciativo – não me interpretem mal. Adoro as caretas que ela faz quando quer gozar comigo. A forma como finge que me ignora e a forma como me ignora por vezes - sem querer, aposto. Adoro a forma como a cara dela se engelha quando manda gargalhadas estridentes. E adoro aqueles olhos da cor da noite. Ela é tudo menos feia, ela é linda. Mas só para os olhos certos. Os olhos que a conseguem ver num todo e não por partes. Olhos que a vejam, não como um objecto, mas como uma pessoa.
Provavelmente não deveria ter escrito nada disto. Provavelmente irei levar com uma onda de perguntas. Provavelmente ela não vai gostar disto. Como disse: não a entendo. Provavelmente ela
“Não gosto de ti”
Diz as coisas num sentido literal. Não sei. Gostava de saber, mas não sei. O mais engraçado é que se soubesse, ela já não era a rapariga que descrevi. A tal rapariga que me meteu a pensar e me retirou do vazio da futilidade. Provavelmente ela vai gozar comigo. Ou então, se tem algum interesse, vai perdê-lo porque eu estou a confundir as coisas, ou a ir longe demais. Provavelmente ela não está preparada. Provavelmente eu estou a avançar muito rápido. Não sei. Não a entendo. Só ela poderá dar resposta a tais dúvidas. Ela não é como as outras. Não posso montar só um cenário. Tenho de montar um filme inteiro. Ou mais. Não sei. A única coisa da qual estou certo é que, a primeira coisa que vai sair da boca dela quando ler isto é a seguinte:
“Morre”

PedRodrigues

3 comentários:

  1. "Ela é tudo menos feia, ela é linda. Mas só para os olhos certos. Os olhos que a conseguem ver num todo e não por partes. Olhos que a vejam, não como um objecto, mas como uma pessoa." esta passagem está deveras perfeita. parabéns, outra vez, mais um texto espectacular.

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  2. es lindo ! salta para cima de mim e chama-me nomes

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  3. Parabéns Pedro. Para além de saber muito bem guardar a beleza da luz num mapa de bits (vulgo foto digital) também sabe muito bem guardar num texto a luz que lhe incendeia a alma! No meu caso poderei acrescentar que já passei algumas (poucas) vezes por estados de alma assim. Quando foi o último? Uiiiii se bem me lembro....

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