Páginas

terça-feira, 20 de março de 2018

O comprimento dos sonhos

Os sonhos têm
exactamente
a medida do perímetro craniano
de uma criança

PedRodrigues

segunda-feira, 12 de março de 2018

Sociedade de plástico

O mundo está a acontecer. E nós estamos demasiado presos aos nossos computadores e smartphones. Agarrados às promessas de plástico que vamos fazendo ao longo do tempo, e escrevendo nas nossas redes sociais. Todos os dias nos entram as notícias pelos olhos, como mosquitos que se despenham no pára-brisas de um carro a cento e vinte na autoestrada. O mundo está a acontecer. Com guerras, doenças, tragédias naturais. E nós agarrados ao nosso umbigo. Escondidos atrás dos ecrãs, longe das hecatombes, comentando à distância e esperando que as pessoas vejam a tamanha solidariedade das nossas palavras. Que nos vejam como a encarnação de anjos e santos. O mundo está acontecer e nós estamos cada vez mais presos aos filtros com que vamos maquilhando a realidade. Inventando novas formas de alimentarmos o ego. Será que com esta foto terei mais seguidores? Será que com estas palavras terei mais mensagens de carinho? Ninguém se apercebe do desfile do tempo a passar pelos corpos, porque os filtros vão mascarando a realidade. E, na verdade, na sociedade de plástico as promessas são descartáveis, os amores são descartáveis, as amizades são descartáveis. Andamos aqui todos a regar as plantas de plástico, enquanto as árvores na rua vão morrendo. Encarcerados em casas de espelhos, medindo o tamanho dos músculos, como quem procura uma razão para se declarar no mundo, se destacar pela aparência. E cada vez mais estamos presos às nossas versões digitais. O mundo a acontecer lá fora. A paisagem, o lugar, a companhia. E nós a querermos viver através do ecrã. Só mais uma fotografia. Só mais um vídeo. Olha, está chover. Que saudades do sol. Uma fotografia. Olha, está sol. Que saudades das chuvas de inverno. Uma fotografia. Nunca estamos satisfeitos. E o mundo a acontecer lá fora. A desfazer-se lá fora. Sabem, dou por mim, por vezes, a pensar na primavera. (Várias vezes.) Falo muito nas flores, nas ondas, no sol, na chuva. Eu sei. São a minha poesia. A poesia a acontecer lá fora.
Sabem que mais? Dou por mim a pensar, enquanto o manto negro da noite cai sobre a cidade e os candeeiros começam o seu espectáculo luminescente: não precisamos de pintar as flores. Não precisamos, de maneira alguma, de pintar as flores. 


Pedro Rodrigues


Já não

Foi uma daquelas perguntas inocentes
- Conheces?
que as pessoas nos fazem numa situação banal. Olhei-a novamente. Casaco de cabedal preto, cabelo apanhado, batom vermelho a reforçar a curva do sorriso. Meu Deus, como era bonito aquele sorriso. Não como uma feição a que estamos habituados a ver repetida. Não como aqueles sorrisos muito direitos de capa de revista. Nada disso. Era um sorriso bonito como um lugar. Como um lugar onde queremos ficar e, eventualmente, morar. Talvez não faça sentido, mas foi assim que a vi. Para mim é normal, tento poetizar tudo. Gosto de transformar a realidade em poesia e, a verdade?, com ela não precisava de me esforçar muito. Ainda só vos falei do sorriso, mas não era apenas isso que me fascinava. Sabem como toda a arte começa como uma  afronta ao status quo? Ela era uma espécie de motim e, por conseguinte, a forma mais crua de arte. Uma mulher para quem olhamos e percebemos, logo, num piscar de olhos, que é ali que tudo pode começar e acabar. Tudo.
Mas falava-vos da pergunta. A inocência da pergunta. Passava da uma da manhã. Não precisava de olhar para o relógio. Sabia-o. Para ela estar ali, sentada com as amigas, com um copo de vinho à frente, só podia passar da uma. Quando a pergunta começou a ganhar forma, a ser uma interrogação e, ao mesmo tempo, uma percepção da realidade, dei por mim numa viagem. Milhares de recordações me invadiram naquele momento e eram como soco no estômago. Um impacto horrível entre o presente e o passado. Dei por mim novamente sentado, ali, naquela mesa, a beber e a rir com ela e com as amigas. Nessas noites em que tudo parecia fazer sentido e nada parecia fora do lugar. Dei por mim a recordar os beijos, o sabor dos lábios, as marcas do batom que ela, gentilmente, teimava em limpar e eu tentava perpetuar por achar serem uma forma bonita de a guardar no meu corpo. Nesse momento senti aquela vertigem, sabem? Aquela sensação de vazio na boca do estômago, como quando estamos a cair de um sítio muito alto. Não sei. Acho que recordar amores passados é como passar a mão pelas cicatrizes. Acabamos sempre a lembrar-nos da ferida, do golpe, da dor. Ainda não percebi se é uma boa prática, mas acho que acaba por ser inevitável. 
E então mil e uma respostas me vieram à cabeça, mas acabei por responder assim
- Um dia conheci, mas já não. 



Pedro R. 

sexta-feira, 9 de março de 2018

Mulheres

Creio que todas as mulheres
nascem com o gene
da superação.
São como as flores
que mesmo no solo
mais inóspito,
mesmo nas condições
mais adversas,
não deixam de crescer
e florir
e mostrar ao mundo
que o que é belo
também pode ser forte

Pedro Rodrigues

quinta-feira, 8 de março de 2018

Sem título

Levei-te flores. Pousaste-as na jarra, com um sorriso largo.
As flores murcharam ( as pétalas estendidas pela mesa
como corpos numa batalha perdida )
Depois ainda te fiz uns jantares que acabaram
por ir arrefecendo, perdendo o tempero.
Os beijos também começaram a escassear
tornaram-se em gestos maquinais, toques de fugida. 
Os hábitos instalaram-se como a humidade
nas paredes 
A nossa realidade completamente sedada
pelo peso da rotina. 




PedRodrigues

sexta-feira, 2 de março de 2018

Março


E dou por mim a pensar na vida como uma montanha, bastante íngreme, que vamos subindo ao longo do tempo. Imagino o cume como o pináculo (redundante?) da minha vida, o estado de felicidade extrema, o lugar onde tudo parece fazer sentido. Imagino o passado (uso esta palavra, não no sentido linear que lhe é dado pelos dicionários, mas no contexto das maleitas a que estamos sujeitos ao longo dessa subida) como uma mala carregada com todas as coisas que não nos fazem bem, tudo o que não faz sentido guardar - somos peritos em acumular tralha ao longo do tempo. Dou por mim a subir a montanha com essa mala pesadíssima de tudo o que não me faz bem, coisas más, quilos e quilos, que fui guardando ao longo dos anos, coisas tristes, alguns litros de lágrimas, pesos mortos de discussões antigas, rancores que pesam outros quilos e, quando me meto a fazer as contas, a mala pesa mais que eu, o que me impede de caminhar, me prende ao chão. E olho para cima, a felicidade, o cume, tão perto que quase lhe consigo tocar se esticar um dos braços. Mas os braços estão carregados desses pesos e o corpo debate-se com a exaustão de levar consigo todas essas coisas que não nos interessam. Então dou por mim, neste cenário, a largar tudo o que não me faz falta, que apenas me causa peso, me prende ao chão, me impede de avançar, e vou. Porque devemos levar a vida com a leveza das penas. Devemos levar connosco apenas o indispensável. Tudo o resto devemos abandonar ao longo do caminho. E subir. Subir até chegar. Até chegar ao cume. 



PedRodrigues