Páginas

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Último texto de Agosto


Preferia que me tivessem dito que os monstros debaixo da minha cama, afinal, existem. O céu também pode ser pintado de vermelho e o mar, ao fim e ao cabo, não tem cor. Os baralhos não têm apenas cinquenta e duas cartas. E os arco-íris nem sempre se entendem nas sete cores.
Preferia que me tivesses dito “boa noite, até amanhã”, em vez de “adeus, até um dia”. Ou me tivesses beijado na testa com carinho, em vez de na boca com desprezo. Se a vida fosse fácil, as lágrimas não seriam choradas para acalmar a dor. Nada nos é dado de mão beijada. E nem sempre a sorte conspira a nosso favor. A luz nem sempre é imensa, mas até a estrela mais pequena pode iluminar uma noite escura.
Preferia que me tivessem alertado sobre os monstros vestidos de gente que caminham entre nós. Tudo seria mais fácil. O medo da solidão é imenso, mas indiferença no teu olhar sufoca-me. És um monstro vestido de homem: ficas, mas nunca estás. Consomes-me devagar, como um veneno dado em pequenas doses. Nem sempre amamos quem nos faz bem, é certo e sabido. E o céu, no fundo, também pode ser pintado de vermelho. O alerta está dado.

 

PedRodrigues

terça-feira, 25 de agosto de 2015

[No caderno preto]

É onde eu começo
e tu acabas
que olho para nós
e me encontro
Porque não há em ti
esquinas suficientes
para dobrar a minha vontade
de te ter
Aqui. Por perto.

PedRodrigues

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Ânsia


Só queria novamente um
minuto do teu abraço.
Algo que me fizesse
recordar o comprimento exacto
dos teus braços em volta
de mim. Foste um momento
que continuo a recordar
no silêncio.
Há quem me ache maluco
por rir sozinho,
ou falar sozinho,
ou cantar sozinho.
Mas quando choro sozinho
todos se fecham em copas.
(Todos choramos sozinhos – ou
quando achamos que ninguém
nos está a ver)
As piores lágrimas que chorei
foram por ti
e pela saudade do teu abraço.

 
Não há nada pior
que ansiarmos por algo
que não voltaremos a ter.

 

PedRodrigues

terça-feira, 18 de agosto de 2015

[Notas perdidas pelo telemóvel]

Nem sempre amamos quem nos faz bem.

Por vezes,
trazemos a pessoa errada
no peito;
e a certa na palma
da mão.

PedRodrigues

domingo, 9 de agosto de 2015

Filosofia barata


 

Devagar percebi que nem sempre um sorriso significa que estejamos felizes. Nem sempre uma mão nas costas significa alento. Nem sempre um beijo é sinal de amor. Devagar percebi que as pessoas são possuidoras de uma capacidade impressionante para o disfarce. Que o ser humano é cruel sem razão aparente e dono de um sadismo sem igual. Devagar a vida ensinou-me a prestar atenção ao que me rodeia; a separar o trigo do joio. Nem todos os que te estendem a mão te querem ajudar a levantar. Nem todos os que te gabam na cara, te defendem nas costas. É preciso saber distinguir quem te quer realmente bem, quem te procura na bonança e não te despreza na tempestade. Os teus sucessos nem sempre serão festejados por todos. Haverá sempre quem se roerá por dentro, à espera que tropeces na primeira oportunidade. Não lhes ligues. O caminho é feito por quem o caminha, e todos podemos tropeçar: faz parte da nossa natureza, da nossa fragilidade. O que distingue os vencedores dos vencidos é a capacidade de perseverança. Esta é uma lição importante. De tanto esfolar os joelhos aprendi a cair. E em cada queda percebi que havia a possibilidade de me levantar, mais e melhor. Talvez isto soe a filosofia barata, ou a um discurso de algibeira desses profetas do culto do eu, mas a verdade é esta, por mais quadros que pintem em volta dela. Aprendi com o tempo a prestar atenção aos cheiros da humidade do cair da noite, às cores apaixonantes de um nascer do sol. A vida ensinou-me a estar atento, a ter cuidado. Fazer parte de algo, não quer dizer ser consumido por algo. Não nos deixemos enganar. Se dentro de nós fizer sul, não nos percamos noutros nortes.

 

PedRodrigues