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segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Croniquinha feita de esperança


Ver a tua imagem e adivinhar-te. Adivinhar a textura da tua pele, o cheiro do teu regaço, o ritmo das palavras saídas da tua boca. Ver-te e adivinhar-te. Passar as tuas fotografias a pente fino: há imagens que falam connosco; há imagens que falam connosco e nos mentem. A tua imagem não. Olho-a e imagino-te de cabeça deitada sobre o meu peito. Imagino-te escrita e desenhada pelas minhas palavras. És linda. És os filmes que invento quando oiço as minhas músicas favoritas. Vejo-te e adivinho-te a passeares descalça pela casa. Imagino-te a sorrir com as minhas expressões estúpidas. Talvez sejam as tuas gargalhadas que me perseguem quando sussurro palermices às paredes. São os teus passos que demoram quando me deito sozinho a contemplar o branco hipnótico do tecto. És tu. Adoro inventar-te de mão dada comigo numa tarde de Primavera. Pudesse eu reinventar o tempo de tudo. Pudesse eu apressar a eternidade dos dias. Às vezes o tempo tem o orgulho sádico de nos separar. Mas o tempo é só tempo e acabará por passar. Aqui deste lado eu espero por ti: a adivinhar-te. És o conforto que vai restando neste Inverno garrido que acontece lá fora. É a tua imagem que vai falando comigo nos momentos em que a solidão teima em mostrar a cara. Devolveste-me o sorriso e, talvez por isso, sinta que já fazes parte de mim. Não muito, não pouco, mas o suficiente. E é vendo-te e adivinhando-te na dose certa que vou encarando os dias com esta felicidade inocente.
Ver-te e adivinhar-te
Feita de mim
No meu sangue
O teu sangue
Ver-te e imaginar-te
Amando-me
A amar-te
Eu e tu
Juntos
Um dia
Por favor, não demores.
 
PedRodrigues
 

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Pequena reflexão sobre o dia dos namorados


Amanhã é dia quinze. Imagino que este seja o pensamento de muitas pessoas: “Hoje é dia catorze, mas amanhã é dia quinze.” Nunca entendi muito bem a finalidade de celebrar este dia. Não o sinto mais especial que outro dia qualquer do calendário. Talvez este seja o meu lado cínico e amargurado a falar mais alto – quem sabe? Há um ano partilhei este dia com alguém: não trocámos prendas, não fomos jantar fora, não ligámos sequer a esta data, mas amámo-nos como se fosse outro dia qualquer. No ano anterior passei este dia sozinho, no ano anterior a esse também, no anterior a esse também. Passei maior parte dos dias dos namorados sozinho a cultivar o culto pelo amor próprio. Em todos os outros que partilhei com alguém nunca liguei muito a isso. Não que não acredite no amor, nas demonstrações de carinho, na celebração dos sentimentos. Nada disso. Acredito piamente no amor. Acredito em tudo o que esse amor engloba. Acredito nas palavras e nos gestos que fazemos por amor. Talvez daí este meu cinismo por esta data. Daí este meu descrédito pelos corações de peluche, os cartões e as rosas vermelhas de dia catorze. O amor celebra-se todos os dias. O amor celebra-se a todos os momentos, em todos os gestos - mesmo nos mais pequenos. Aliás, mais nos mais pequenos. Amar implica uma continuidade. Amar e ser amado obriga-nos a darmos o nosso melhor constantemente. Obriga-nos a estarmos atentos. Obriga-nos a construir, todos os dias, uma base para o futuro. De nada valem os cartões, os jantares a dois, os passeios pelos jardins regados de beijos e clichés românticos, se forem, apenas, a consequência de uma data no calendário. O amor está tão banalizado nos dias que correm, não o banalizem ainda mais. Não o marquem com uma cruz no calendário para o celebrarem de ano a ano. Acreditem no amor. Cultivem o amor. Colham os frutos desse amor. Não hoje, não amanhã, mas sempre. Sejam os melhores para quem amam: todos os dias, a todas as horas.
Amanhã é dia quinze: não se esqueçam de celebrar o vosso amor.

PedRodrigues

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

História de amor fragmentada


É aqui, no meio deste mar, deste fado, que te escrevo, meu amor. Aqui, neste deserto líquido, o céu mistura-se com a água. Não há horas, não há norte, não há sul, nem este, nem oeste. Aqui existo eu e os meus marinheiros. Para lá das escotilhas o sol nasce e põe-se dentro do mar. Perdemos a noção do tempo. Perdemos a noção do espaço. São as saudades que sinto de ti que me guiam.

Decidi há alguns anos, naquele dia, naquele momento, naquele segundo, que o resto da minha começava ali: contigo. Ainda me lembro do teu vestido branco de gola rendada, do teu olhar inocente na minha direcção. Coraste e eu corei contigo. Como controlar os impulsos da primeira troca de olhares? Deixei os meus amigos e fui ter contigo

-Olá

O teu rosto não mentia. Respondeste-me timidamente, quase entre os dentes

-Olá

Eu avancei

-Chamo-me Vítor

Ainda consigo ouvir a música que tocava de fundo enquanto contava as rendas da tua gola.

-Chamo-me Maria José

A verdade é que eu já sabia o teu nome. Sabia, mas queria ouvi-lo da tua boca, na tua voz de mel, queria ver os teus lábios a vibrarem com cada palavra.

Do momento em que trocámos os nossos nomes até ao momento do nosso casamento a história teimou em repetir-se: conhecemo-nos, crescemos, o nosso amor cresceu connosco, eu pedi-te em casamento e tu aceitaste. Esses dias só a nós nos pertencem.


Os homens são barcos que vão e vêm pela vida e acabam sempre por atracar num porto seguro. Tu és o meu porto seguro e sempre serás. Sempre que parto sonho com o dia do meu regresso. Todas as horas são horas de agonia. Nada nem ninguém consegue separar-nos. Nem este mar imenso, nem todos os oceanos do mundo. Teimo em partilhar-te com o mar. Sei que deves achar injusto – e na verdade é. Mas foi esta a vida que escolhi. O teu pai teve o mesmo destino e a tua mãe, tu e a tua irmã nunca deixaram de o esperar. Aqui no meio desta solidão das horas que se confundem é a tua imagem que me guia. Espero que não te esqueças de mim. Minto. Sei que não te esqueces de mim.


Atracarei dentro de horas e espero que estejas à minha espera. Quantas vezes vieste a Sines buscar o teu pai? Quando os meus pés pisarem o cais espero pelo teu abraço. Espero pelo teu sorriso, pelas tuas mãos, pelo teu cabelo ao vento. Espero-te. Espero-te toda. Espero-te inteira.


Consigo ver-te a chegar, deste lado do cais. O meu pai e a minha mãe vieram comigo. Esperei durante dois meses de coração na mão. Ainda não sabes, mas estou grávida. Não quis dizer-te por telefone, acho que uma notícia destas é demasiado grande para ser partilhada por telefone. Não imaginas a vontade que tive de te contar. Não imaginas a ansiedade desta espera demorada pelo teu abraço.


Corri até ti mal pisei o cimento do cais. O cheiro do teu perfume confundia-se com o cheiro do óleo e da gasolina dos motores em nossa volta, mas isso pouco importava. Tinha-te novamente nos meus braços. Brilhavas mais que nunca. Beijámo-nos cerca de cem vezes - ou na minha cabeça assim pareceu.

-Estou grávida

Disseste enquanto as pregas dos teu lábios encaixavam nas pregas dos meus lábios.

-Estou grávida

O tempo parou. Continuou parado até que consegui assimilar as tuas palavras. Estavas grávida. Às vezes, quando pensamos que não podemos ser mais felizes, a vida prega-nos estas partidas.


O nosso filho faz hoje cinco anos. Custa-me o mundo viver separado de vós. Amo-vos com todas as minhas forças, mas foi esta a vida que escolhi. Espero que ele não se esqueça da minha cara, ou da minha voz. Este mar, este fado, separa-nos aos três. A saudade estilhaça-se com as ondas. Aqui, no Pico, o sol brilha. Estamos atracados, mas este porto a mim nada me diz. Falta-me o teu abraço, faltam-me as mãos do nosso filho a agarrem-me os dedos. Aqui a saudade é maior que este oceano que se estende à minha volta. Um dia disseram-me que com um A o mar fica maior. Ao que parece, esqueceram-se de dizer que quanto maior o mar, maior a saudade. Talvez não seja sempre assim. Mas, a verdade, é que neste momento o mar é demasiado grande. Não vejo a hora de regressar.


Faz hoje seis meses que estás no mar. O Pedro está cada vez mais crescido. Acreditas que já sabe o alfabeto de trás para a frente? Tem os teus olhos, o teu cabelo e o teu nariz. De mim só herdou a beiça levantada. Fala várias vezes em ti e nota-se tão bem a saudade espelhada na cara dele. Volta depressa para nós.


Daqui a poucas horas estou em casa. Este ano consigo passar a noite de Natal e o Ano Novo. Pela primeira vez em três anos consigo passar convosco ambas as datas. O navio seguirá sem mim para a reparação. Ao que parece está com problemas no casco. Com sorte ficará na doca durante algum tempo e eu poderei ficar por casa mais alguns dias. Tenho tantas saudades vossas. Tantas, tantas. Mas daqui a poucas horas estarei junto de vós. Esperem só mais um pouco: estou mesmo a chegar.


Aos meus pais que, em conjunto com os meus avós, partilham a mais bonita história de amor que conheço. Feliz vigésimo nono aniversário de casamento. E peço desculpa por esta prenda de aniversário antecipada - juro que ainda sei a data do vosso casamento.

Com Amor,

Pedro



PedRodrigues


terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Politicamente correcto (?)


Mandem-nos daqui para fora que aqui não fazemos nada. Mandem-nos emigrar que aqui não fazemos nada. Todos sabemos que os países se constroem de fora para dentro. Todos sabemos que aqui não somos precisos. Mandem-nos embora porque a cultura assusta. Mandem queimar os livros antes que alguém se revolte. Mandem os nossos avós novamente para o campo e para o mar que o país precisa de mais um pouco do suor deles. Mandem-nos ter calma que mandar num país não é pêra doce. Mandar num país não é como pegar numa enxada: é preciso perícia e muito patoá. Não sejamos tolos que governar tira anos de vida. O que são uns quantos de calos nas mãos quando comparados com o desgaste de horas de maquilhagem e preparação para entrevistas? Deixemo-nos de pieguices que não é fácil jogar aos economistas. Deixemo-nos de queixumes que a vida está difícil para todos. O sol, o ar, a chuva, entre tantas outras coisas ainda são de borla. De que nos queixamos nós? De que nos queixamos nós quando os verdadeiros mártires estão todos no Palácio de São Bento? Mandemos uma carta ao Papa para os canonizar a todos e aproveitemos, já agora, para pedir que nos conceda o perdão eterno.

Sejamos pacientes e não mendiguemos. Há todos os dias uma nova solução para esta situação. Basta olharmos para as contas chorudas que para aí andam. Tenhamos pena dos banqueiros corruptos que não fizeram mal a ninguém. A culpa é dos números, que acabam sempre por atrapalhar. Acreditemos cegos na justiça míope. O que não falta por aí são inocentes a serem acusados injustamente. Pobres coitados que não são mais que vítimas deste mundo cruel. Mandem-nos calar que não somos exemplo para ninguém. Somos a geração rasca e sem ponta por onde se lhe pegue. Mandem-nos, mais uma vez, lá para fora, para que possamos brilhar e ser idolatrados pelo resto do mundo. Ao que parece, aqui, acabamos por nos eclipsar. Mandem-nos para longe dos nossos pais e de tudo aquilo que conhecemos. Mandem-nos apertar o cinto, os atacadores e uma corda ao pescoço. E se mesmo assim tivermos a insolência de piar: mandem-nos à merda. Nós somos um povo tão fraco que (ainda) vos deixamos governar.

 

PedRodrigues

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Conversa (estranha) com a minha confusão

 
-Não sei o que se passa comigo.
No espelho a minha imagem fragmentada entre os pingos de água gelada. As rugas e as olheiras das noites mal dormidas. Tantas dores perpetuadas nessas rugas e nessas olheiras. No espelho, eu. Aqui, diante do espelho, eu.
 
-Juro-te que não entendo o que se passa comigo. Há três noites que sonho com ela. Três noites em que acordo e sinto o vazio dela ao meu lado na cama. E o pior não é o vazio que ela deixou. São as imagens com que tento preencher esse vazio. Os cheiros que carregam essas imagens. Tudo. Tudo me lembra que um dia ela e eu, eu e ela fomos a primeira pessoa do plural.
 
(-Tens saudades dela? É isso?)
 
-Não sei. A verdade é que nesta coisa dos amores feridos mortalmente eu sou apenas mais uma vítima. Aqui me estendo. Aqui fiquei. Sabes, acho que por vezes confundimos as coisas – por vezes? Tantas vezes... Às vezes confundimos a saudade daquele amor que um dia partilhámos com aquela pessoa, a pessoa que julgávamos ser a metade certa, com o medo de vivermos o resto da nossa vida sem encontrarmos essa metade certa. Se me perguntasses, há um ano, se tinha saudades de algum dos meus amores passados dir-te-ia, com toda a firmeza do mundo, que não. Naquele momento, nenhum amor interessava a não ser aquele amor. Naquele momento tudo fazia sentido.
 
(-E hoje?)
 
-Hoje nada faz sentido. Hoje penso se um dia encontrarei alguém que compreenda a minha confusão. Ou que, pelo menos, não tenha receio de a partilhar comigo. Neste momento penso se haverá alguém que encaixe em todas as minhas imperfeições. Que entenda as cores do meu arco-íris. Que seja bela, como ela era, e ao mesmo tempo desafiante. Ainda há pouco ouvia a Spanish Sahara dos Foals e me lembrava dela. Foi ela que me mostrou a música pela primeira vez. Nesse momento em que os primeiros acordes começaram a tocar consegui vê-la debruçada sobre o meu computador, as luzes do quarto apagadas e os olhos dela a brilharem com a luz do ecrã. Consegui sentir o cheiro do champô dela. Juro que consegui.
 
(-Será que já a esqueceste, realmente?)
 
-Se te disser que a vejo em todo o lado, acreditas? Até as sobrancelhas desalinhadas eu consigo ver. Sim, que ela tinha aquela mania irritante de as arrancar compulsivamente com os dedos. Lembras-te?
 
(-Claro que me lembro...)
 
-Gostava de te poder dizer que, de facto, já a esqueci. Durante algum tempo julguei que sim. Mas acho que é bom que ela continue viva no meu pensamento. É algo que, apesar de parecer paradoxal, me dá alento. Uma lembrança de que um dia fui feliz ao lado de alguém, e que um dia poderei voltar a sê-lo.
 
(-Mas não tens medo que isso venha a ser apenas uma lembrança para o resto da tua vida? Não tens medo que essa tenha sido a tua última hipótese de seres feliz?)
 
 -Sabes, uma das coisas que mais me fascina na nossa vida é esta imprevisibilidade dos factos: o que hoje parece eterno, amanhã já acabou. É fascinante e ao mesmo tempo apavorante e trágico. É esta adrenalina de não saber o meu lugar no mundo, de não saber o plano que me está reservado, e ao mesmo tempo esta esperança, este crer, esta fé que tenho em encontrar a minha tempestade perfeita, que me faz continuar de sorriso no rosto.
(-Mesmo quando te lembras que há um ano estavas muito mais feliz que hoje?)
 
-Mesmo nesses momentos. Mais nesses momentos. Reinvento-me, descubro-me, entendo-me. Sou um ser em construção – como todos somos. Tenho os meus objectivos. As minhas batalhas particulares. Talvez daqui a um ano esteja feliz - bastante mais feliz. Talvez daqui a um ano esta fase seja só mais um capítulo de um livro. E eu sonho escrever livros, tu sabes disso.
 
(-Sei.)
Passo novamente as mãos pela cara. A minha imagem continua reflectida no espelho. Sorrio.
 
-Obrigado por me ouvires.
 
(-Lembra-te: nem quando estás sozinho, estás totalmente sozinho.)
 
A nossa busca pela tempestade perfeita, a metade certa, continua.
Onde quer que estejas, nós estamos aqui.
 
PedRodrigues