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domingo, 29 de junho de 2014

Outra crónica sobre o amor

Não querias o amor. Nunca procuraste o amor. Mas ele, teimoso, teimava em encontrar-te. Julgaste que lhe podias fugir. Que conseguias correr mais que ele. Um dia ele cansa-se, pensavas. O amor não se cansa – ao contrário de ti. E inventaste línguas para não dizeres o amor. Inventaste países para te refugiares e viveres de ti. Declaraste guerras a quem passava as tuas fronteiras. Renunciaste o gemido excitante do toque no corpo; o arrepio do orgasmo. Renunciaste a verdade escondida atrás dos lábios. Reinventaste o tempo para que nunca fosse o momento certo, o minuto certo. Quiseste com todas as forças que nada fosse como nos filmes do cinema. Apagaste todas as luzes para que não pudesses ver as caras que apaixonam. Calaste as vozes que gritavam dentro de ti e te pediam companhia. Tornaste-te cega e surda e muda. Quem não vê, quem não ouve e quem não diz, não pode amar, pensavas tu. Achavas que não havia mérito em jogos viciados. Achavas que o amor era um jogo viciado: perdias sempre. Não havia esperança. Um dia ele cansa-se, pensavas tu. Mas o amor não se cansa, já te disse. O amor encontra-te. E podes esconder-te na neblina da cidade, podes caminhar pelas ruas vazias de cabeça baixa, um dia ele encontra-te. Um dia o relógio marcará a hora certa. Levanta a cabeça, olha em frente: já está.


PedRodrigues   

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