Era já um novo ano e tu vivias dentro das paredes, a desenhar polegares com as pontas do indicador. Tudo te parecia um teatro, mas tu alinhavas, às escuras, esperando novos desfechos enquanto perpetuavas gestos antigos. Errar não é assim tão mau, talvez um dia aprenda. E os dias continuavam, do lado de fora das enormes janelas, o vidro tão limpo que quase consegues tocar o céu, do lado de fora. As piores prisões são as que construímos com as nossas mãos. O ano ainda agora começou e as promessas são tantas. Será que vou a tempo?, pensas. Ainda vou a tempo, respondes. Mas a inércia instala-se nos ossos, como se fizesse parte da sua constituição química. Tens os pés presos ao erro. Talvez desta vez seja diferente (talvez). Amaldiçoas tudo o resto, menos a ti, porque a culpa é menos pesada quando não a carregamos connosco - e é tão fácil depositá-la nos outros. Dentro do ecrã és a pessoa mais feliz do mundo. Nas fotografias sorris. Tens os braços levantados, elevados acima da cabeça, como quem festeja um golo, ou a queda de um regime absolutista. E as pessoas passam a mão pela tua felicidade, dois toques com o indicador, um coração. Comentam-na e partilham-na, como se a apalpassem. Soubessem elas o vazio que trazes por dentro - os vazios. A natureza abomina o vazio. Deve ser por isso que o preenchemos com os falsos elogios das mãos distantes, com os beijos dos Judas que sabemos cravarem o nosso fatal destino nas costas, com os sorrisos abafados atrás das mãos, para que não vejas, quando cais e esfolas os joelhos. Aprende que o melhor das quedas é a oportunidade de te ergueres (mais, melhor). Aprendemos muito quando esfolamos o corpo no chão. Aprendemos a apreciar o doce, quando provamos o que é amargo. Portanto aprendemos muito sobre o céu, quando sentimos o sabor terroso do pó. Sabes o que repito, vezes sem conta, quando caio? Uma frase que o meu avô, de mãos encardidas, me poisava como um manto pelos ombros: só sabe da vida, quem vive nela. E é assim. Será sempre assim.
PedRodrigues
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