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sexta-feira, 1 de abril de 2011

Feliz dia das mentiras Pedro

Sinto o peito a fechar-se em si mesmo. O bigode ainda tem o cheiro do último cigarro. A pieira natural do cansaço do corpo sente-se nas paredes e ecoa-me nos ouvidos. Neste quarto vazio ouço a vida lá fora. No silêncio perturbante em que por vezes a minha cabeça se encontra: o mundo diz-me adeus. Eu digo adeus ao mundo, como pessoa bem educada que sou. Escrevo as linhas que me chegam à cabeça. Escrevo na esperança de um dia ser publicado. Escrevo a realidade e a ficção: aquilo que vejo, aquilo que julgo ver e aquilo que gostaria de ver. Sonho todos os dias com o final do arco-íris. Sonho com o pote de ouro. Todos os dias acordo com esperança e adormeço na dura realidade. Apesar de dura ainda é melhor que muitas outras por esse mundo fora. Fome, peste e guerra são os cartões de visita do planeta azul. Gerações à rasca que se confundem com gerações rascas. Pessoas cujo horizonte é o próprio umbigo. Comemos a hipocrisia com as torradas do pequeno-almoço. E bebemos o cinismo num copo de vinho ao jantar. Os bons costumes são tão utópicos como este cheiro a cigarro que trago no bigode. No entanto, a prostituição desta sociedade é tão real como o silêncio neste quarto. Hoje escrevo a realidade e a ficção, como todo o bom escritor, ou aspirante a tal, deve fazer. Hoje não cedo a chantagens emocionais. Não cedo a ilusões de óptica. Sou tão hipócrita como o vizinho do lado, a única diferença é que me preocupo com isso. A única diferença é que acordo todos os dias a pensar que um dia isto vai mudar. Que um dia o pote de ouro vai aparecer. Nesse dia irei dizer "Fodam-se todos". Infelizmente todos os dias me deito com um "Vai-te foder" na cara. A vida é ingrata. A realidade confunde-se com a ficção: nos meus textos e na minha cabeça. Um dia espero dar vida às histórias que trago cá dentro. Um dia espero que o pote de ouro venha em forma de um livro publicado. Um dia vou ler o Bukowski, o Lobo Antunes, o Pablo Neruda, o Keats, ou o Dickens e dizer: "obrigado". De escritor, para escritor: "obrigado". Hoje não o posso fazer. Hoje não o devo fazer. Hoje ainda sou presunçoso só de assumir que lhes posso pisar os calcanhares. Mas hoje é dia das mentiras, e a verdade é o que cada um faz dela.


PedRodrigues

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