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quarta-feira, 13 de abril de 2011

Tudo o que é especial um dia deixará de o ser (?)

Deita-te aqui comigo que eu não mordo. Ou melhor, não deites. Vai-te embora que já deixaste o teu cheiro no meu quarto. Pensando bem: fica. Eu agora estou sozinho e vou sentir a tua falta – vou sentir a falta de todas. Desculpa. Não és especial.
Diz que gostas de mim. Não dizes?
“Oh Pedro”
Não te pedi que digas o meu nome. Pelos vistos, ainda não o esqueceste. Diz que gostas de mim, que eu respondo na mesma moeda. Pensando bem: talvez não responda. Eu gosto de ti e de todas. Não és especial. Irritas-me, é um facto. Se dissesses que gostas de mim
“Tens medo?”
(eu já sei a resposta)
“Oh Pedro… Eu gosto, mas não o suficiente para uma relação”
Só quero que digas que gostas. Eu sei que sim. Deixas que te toque aqui e ali – sem abusar. Eu também conheço os meus limites. Sorris quando te falo em amor. Fazes cenas de ciúmes – escusas de dizer que não. Até as outras têm medo de ti. Mexes-me no cabelo e fazes-me festas e dás-me a mão. Não entendo qual é o problema de dizeres que gostas de mim. Começo a achar que é mentira. Que não me queres para ti, mas também não queres que mais ninguém me tenha. Depois vem-me este cheiro às narinas, que me deixas no quarto, e apago esses pensamentos – absurdos?  No final das contas acho que gostas de mim, embora não o suficiente. No final das contas: não és especial.
Vem para a minha beira. Não me fujas.
“Eu não mordo”
Embora às vezes me arme em lobo mau.
“Oh Pedro”
Não te esqueces do meu nome. Já te esqueceste de como gostavas de mim? Desculpa se fui cego e não vi. Não me martirizes por um erro. Já te pedi desculpa. Não me esqueço que errei. Como não me esqueço de como me beijavas: uma e outra vez. De como me apertavas a mão, com medo que fugisse na primeira oportunidade – às vezes tinha vontade de o fazer. De como era o teu ídolo – mesmo quando me dividias com mais umas quantas. Hoje ainda me lembro. Será que te esqueceste que já quiseste fugir comigo?
“Não me imagino fora daqui”
Afinal também mentes. Afinal talvez não gostes de mim. Afinal, o final talvez esteja próximo. Talvez estejamos a adiar o inevitável. Até este cheiro acabará por desaparecer. Um dia não vou cá estar e tu vais sentir a minha falta – será? Um dia todas elas serão passado e alguma será presente e futuro. A sorte sorriu-nos até agora. Um dia também tu serás passado e serás só uma delas. Não serás especial. A minha mãe sempre me disse que há um tempo para tudo. Talvez o teu tenha chegado ao fim. Talvez o nosso tenha chegado ao fim. Somos ambos pessoas teimosas.
Mais uma vez:
“Gostas de mim?”
(Eu já sei a resposta, mas espero estar errado)
“Oh Pedro… Não o suficiente para…”
Pára por aí. Não quero ouvir mais.
“Tenho de me ir embora”
Eu sei que tens. Acho que já partiste há muito tempo. Tudo o resto são miragens. Levo-te à porta, pergunto novamente e digo-te adeus – para sempre? O elevador chega ao rés-do-chão e eu fecho a porta. As outras chamam por mim e eu dou luz verde à minha vontade. Tenho pena, mas já não és especial.

PedRodrigues

(Podem ler a mensagem/crítica do escritor José Luís Peixoto, referente a este texto, aqui.)

6 comentários:

  1. O meu reflexo, de ultimamente, está nestas tuas palavras...
    Por muito que queiramos, elas voltam sempre para dizer que "Gosto...mas não o suficiente para..."
    Abraço

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  2. eu gostava de comentar alguma coisa constructiva, mas este texto deixou-me sem palavras. está lindo. parabéns.

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  3. Já li muita coisa tua, mas este é para mim o melhor... Apesar de dizeres mesmo que já não significa nada, e saber que no fundo não é bem assim!

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  4. é quando o outro finalmente nos desarma e nos faz desistir que o som de bater uma porta se torna a dor mais consolável de todas. o fim é, por vezes, o caminho inevitável que tentamos desviar e enganar.
    pode já nao significar nada, mas o importante é que em algum momento da tua vida, significou tudo.

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    1. Olá Pedro! Mais uma vez parabéns, tens uma subtileza formidável para escrever sobre coisas tão comuns que acabas por nos/me envolver e criar o bichinho de querer saber sempre mais. Revejo-me em quase todos os textos que escreves mas o timing deste é inacreditável... Fechar uma porta pode doer mas talvez a/o "especial" ainda esteja a caminho.

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  5. Olá Pedro! Foste-me "apresentado" por uma amiga minha que é estudante em Coimbra, ela falava imenso de ti e na tua qualidade de escrita.
    Um destes dias andava aqui a revirar os favoritos e encontrei o teu blog ali no meio guardado, decidi começar a ler. Gostei de todos os textos até que encontrei este ...
    Bem, qualquer comentário que eu possa fazer vai ser pequeno pelo aquilo que me fez sentir à medida que ia avançando na leitura. É qualquer coisa de formidável e atrevo-me mesmo a dizer perfeito.
    Parabéns e ganhas-te aqui mais uma seguidora do teu maravilhoso trabalho.

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