-O que tens?
Ela parecia-me distante. Um imenso espaço em branco entre nós. A fugir aos meus toques. Sem reagir às minhas carícias. Sem me beijar. Nem um pequeno toque nos dedos. Um abraço com o olhar. Nada.
-Estou cansada.
No fundo eu sabia ser verdade. Agora que nos víamos separados por uma distância física que não conseguimos vencer, ela tem percorrido quilómetros para me ver. A distância também cansa.
-Vamos para casa.
A caminho do táxi: cada um para o seu lado. Os passos sem sintonia. Um à frente do outro, sem dar as mãos – nunca damos as mãos na rua. Damos, mas por pouco tempo. Demonstramos o nosso afecto sem exageros. Sem tornar a nossa relação penosa para quem está à nossa volta. De certa forma, não ligamos a convenções. Não amamos para o público. O amor não é um palco.
Entrámos no táxi sem nunca nos tocarmos. Separados por uma cerca invisível que teimava em se meter entre nós. Enquanto ela olhava pela janela, eu olhava para o espaço em branco que nos separava. Procurava saltar a tal cerca que teimava em ser um entrave entre nós. Eu com os olhos postos no espaço em branco. Ela olhar os semáforos pela janela. A ver enquanto mudavam de cor. Uma luz verde que teimava em não aparecer. Não só no semáforo, também entre nós. Uma estrela cadente que ela ia procurando no céu. Talvez. Digo eu, que me sentia perdido no buraco negro que era o espaço em branco. A desesperar pela luz verde que teimava em não aparecer. Um
-Dá-me agora a mão que a luz está verde
A passear pela minha cabeça. Eu a olhar para o espaço em branco. E enquanto olhava para o espaço em branco que me separava dela, ia olhando para um letreiro colado no vidro: “Proibido fumar”. Nos espaços entre os meus dedos, os dedos dela pareciam fugir-me – ou fugiam-me realmente – e eu ansiava por aquele cigarro que nunca fumei. Aquele que me ia salvar do nervosismo da indecisão. Da negligência de um olhar que teimava em não aparecer. Seriam as estrelas mais interessantes que eu? Onde estava eu, realmente? Sentia-me pequeno. Verdadeiramente pequeno. Afinal o semáforo nunca passou do vermelho. Afinal as estrelas são mais importantes que eu. Engraçado…
O taxista parou a vinte metros do meu prédio. No caminho entre o táxi e a entrada, o silêncio era só silêncio nada mais. Ela fugia de mim. Eu olhava para ela, à velocidade da luz, e deixava-a fugir. Talvez a minha masculinidade a falar mais alto. Talvez algo mais. Eu a olhar para o outro lado dela. A ver como nunca ninguém quer ver ninguém.
(Nunca ninguém quer ver ninguém assim, acreditem.)
Ela sem me dar a mão. Sem me dar o rosto. Nem os lábios. Apenas os lábios. Nada. No elevador uma falésia entre nós. Algo que nos separava. Uma parede. Não sei. Sei que nem uma palavra, nem um sorriso, nem um gesto. Sei que entrámos em casa, em direcção ao quarto, e nem um “Boa noite”. Nada. Deitou-se - no lado dela que não sei se me pertence. Na mão dela, sem ninguém a chatear. A negligenciar a minha vontade. Talvez não. Na minha cabeça, a negligência é apenas cansaço. Apenas cansaço. No entretanto, lá vai fechando os olhos do lado dela, a namorar com a parede, – ou com o meu "eu" dos sonhos dela – enquanto eu me vou desdobrando nesta busca pelas palavras que descrevem os espaços em branco que teimam em nos separar. A pensar que ninguém ama como quer, mas como pode - como li algures: “Mesmo que não te amem como tu queres, não quer dizer que não te amem com tudo o que têm.” Eu que acredito que existam várias definições para o verbo “amar”. No entanto, acredito que, todas elas partilham o mesmo núcleo. Para mim, “amar” é tão simples como isto: é dar a mão a alguém e nunca a largar. É desfrutar cada momento com essa pessoa, na saúde e na doença. É ser feliz no meio de cada imperfeição, porque convenhamos: o mundo não é um sítio perfeito. Para mim, amamos de mãos dadas.
-Dá-me a tua mão e vamos ser alguém
Um murmúrio
-A vida é feita para nós
A cantarolar de mãos dadas. Nunca na rua. Por vezes na rua. Sem plateias. O amor nunca foi um palco. E é quando passamos do amor ao teatro que nos vamos magoando. O amor não é um palco.
-Um beijo. Beija-me agora que não está ninguém a ver.
Ela a pensar em voz alta
-Tens vergonha de mim?
Eu a olhar nos olhos dela. Uma tristeza tão pequenina a chorar atrás dos olhos, bem lá no fundo.
-O amor não é um palco.
Ela vazia. Eu
-Beija-me agora que estão todos a olhar. Mas não lhes dês o prazer das palmas. Imagina-nos sozinhos.
A dar-lhe a mão. A dar-lhe a mão para o bem ou para o mal. A amar.
-Vês? O amor não é um palco.
E, se o amor fosse um palco, ela não me tinha abraçado o peito, serena, a dormir. Enquanto eu vou escrevendo sobre os espaços em branco que um dia deixaram de nos separar.
PedRodrigues
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