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terça-feira, 11 de outubro de 2011

Olá Lisboa


Olá Lisboa,

Regressei no mesmo comboio que me levou até ti. Parecia-me o mesmo, mas sinceramente não sei se seria o mesmo. Desembarquei na estação de Santa Apolónia. Está diferente desde a última vez que lá tinha estado. Mais moderna. A acompanhar a evolução dos tempos. Estava de noite quando cheguei e tu estavas linda vestida pelo brilho das luzes.
Apanhei um táxi até casa e a caminho fui revisitando alguns locais que me tinham sido apagados da memória. Continuas igual. As pinturas nos murais erodidos pelo tempo continuam a colorir-te da forma mais jovial possível. As casas continuam a transpirar tradição e até o musgo lhes continua a acentuar uma impetuosidade que poderia ter sido esquecida pelo tempo. Cada paralelo continua a ecoar nas rodas da mesma forma; e os barulhos das pessoas, dos carros e de toda a tua correria continuam a ter a mesma delicadeza. O Marquês continua a olhar para o rio, a desdenhar cada passo de quem se desloca pela Avenida da Liberdade. O Chiado e o Rossio continuam a ser a passerelle de todo o tipo de almas – mesmo das vazias. Continuam a  ser o local de trabalho dos artistas de rua, aspirantes a Jimmy Page - não fosse ter falhado a tal nota no momento certo, ou o toque de Midas na guitarra - que vão dedilhando uma Stairway to Heaven capaz de dar luta à original. Enquanto os turistas – só os turistas – lhes vão atirando uma moeda que andava a fazer peso no bolso e os vão guardando nas máquinas fotográficas, para mais tarde recordar – ou para dizer que estiveram a um metro de um quase Jimmy Page, em Portugal. Os cafés continuam cheios. Não há cadeiras vazias. Sentei-me algures na praça do Chiado a beber uma água. Procurei-me em cada rua. E enquanto me procurava dei por mim a admirar um Fernando Pessoa imaginário: a bebericar num cálice de absinto, ao mesmo tempo que escrevia uma ode a cada pedra da calçada. Apertei-lhe a mão e pedi-lhe cinco minutos de conversa. Ignorou-me e continuou a escrever. Eis o teu efeito em nós, Lisboa. És absorvente. Deve ser por isso que também te escrevo, ignorando tudo o resto.
No meio da minha jornada pelas tuas ruas entendi-te como uma cidade de extremos. A dicotomia entre classes sociais é visível a metros de distância. Mas não és menos elegante por isso. Até os mendigos exibem maior classe que muitas das senhoras que passeiam quilos de ouro pela calçada em cima dos seus sapatos de salto-alto. (Embora saiba que não há elegância nenhuma em mendigar por comida, ou abrigo, tenho para mim que quem mendiga por amor, ou apenas por uma pequena gota de altruísmo acaba por tocar no fundo do poço primeiro.) Isto és tu Lisboa. Um caldeirão onde se misturam raças e estratos sociais. Onde há, realmente, de tudo. Onde uma moeda pode ser a ajuda para o pão do dia, ou para a dose de mais uma noite, enquanto a ressaca não bate à porta - sei que nisto és só mais uma, infelizmente.
Lisboa vou-te ser sincero: não conheço o mundo - umas viagenzitas, nada de especial. Mas acredito que sejas única. Acredito que és a única que consegue juntar o passado com o presente de uma forma tão subtil que quase ninguém nota. Juntas a nostalgia dos eléctricos antigos, aqueles “comboios pequeninos” - como dizia quando era mais novo – e o modernismo das estações de metro. A delicadeza de cada edifício que transpira anos de história e o design futurista de tantos outros. Lisboa: tu és Camões; és Pessoa; és Marquês de Pombal; és Amália; és D. José e D. Duarte; não és francesa, és bem portuguesa. Continuas a cheirar a Lisboa em cada átrio de entrada. Não sei explicar-te a que cheiras, não lhe distingo nenhum aroma conhecido. Cheiras apenas a Lisboa – e como eu gosto do teu cheiro.
Parto no mesmo comboio que me trouxe até ti. Santa Apolónia agora está igual. Fica apenas a sensação de que parto sem ter-te conhecido como mereces. Com a sensação de que me falta algum bocado - falta-me sempre algum bocado. Ainda é de dia e o Tejo reflecte a tua imagem nas suas águas. Parto com aquele bichinho no corpo. Infelizmente não há postais que te guardem como és - nem fotografias, nem textos. Ninguém consegue levar-te no bolso. Eu trago-te na memória com a esperança de um dia - em breve? - voltar. Até já, Lisboa!

PedRodrigues

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