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sexta-feira, 4 de novembro de 2011

As mulheres no cinema

No cinema, o filme é só mais um filme. A tela em branco é só mais uma tela em branco - tingida com o protótipo de vidas alheias com que todos sonhamos. Procuramos identificar-nos com as personagens principais. Vemo-nos em cada gesto. Encontramo-nos em cada beijo. Partilhamos cada lágrima. Nos momentos de alegria sorrimos, como se aquele

-Amo-te.

Fosse para nós. Nos momentos de tristeza choramos como se fosse o nosso coração que estivesse a dançar na corda bamba.
No final das contas, vou ao cinema para me sentir viva. Para fugir da monotonia dos meus dias. Para esquecer o meu trabalho no hospital. Para ser uma aventureira destemida. Para ser a mulher que o herói procura. Para saltar de aviões. Evitar o apocalipse. Para estar em Roma, Londres, Nova Iorque, Sydney, Hong Kong… Para ser beijada em Paris. Para ser eu no meio dos clichés mais românticos que possa imaginar. Para ser eu: noutro corpo, noutra vida, noutro tempo, noutro lugar. Eu que nunca viajei. Raramente tiro dias para passear. Normalmente faço turnos a seguir a turnos. Pacientes atrás de pacientes. Não consigo fugir do sangue e das lágrimas. Dos cancros, das depressões, dos hipocondríacos e daqueles velhinhos que têm

-Uma dor aqui na perna há uns dias. E depois esta pieira no peito, senhora doutora.

Saudades de um pouco de afecto. De um grama de carinho, apenas. Que não buscam por mais uma dose de insulina, mas por um abraço e um sorriso

-Até à próxima dona Lucinda. Cumprimentos aos seus.

Uma mão nas costas para saberem que vai tudo correr bem. Embora não seja bem assim. E por vezes, numa questão de meses, a ficha da dona Lucinda faça apenas parte do arquivo. Infelizmente, a vida não é como um filme, em que no final, “no matter what”, tudo acaba bem.
No outro dia, o rapaz com quem ando a sair levou-me ao cinema. Confesso que me tem vindo a conquistar. Não sei se a culpa é do olhar - tem um olhar sonhador. Ou da gentileza com que me trata. Nesse dia cumprimentou-me com um beijo no canto da boca, enquanto me dava a mão, desdenhosamente, à porta de minha casa. Arrepiei-me. Não é normal em mim. Mas senti um friozinho na espinha, literalmente. Ofereceu-me o bilhete e deixou-me escolher o filme: uma comédia romântica. Dei por mim a encostar a cabeça no ombro dele. A perder-me nele, em vez de me perder no filme. A pensar como seria se ele se levantasse naquele momento e se fosse embora. Foi nesse momento que entendi que, por muito bom que seja o filme, sem ele não teria o mesmo sentido. Foi nesse momento que deixei de me perder a imaginar como seria se eu fosse a personagem principal: a saltar, a beijar, a chorar, a viajar… Nesse momento a tela em branco eclipsou-se nela mesma. E eu ali, perdida no ombro dele. A cheirar-lhe o colarinho e a guardar a fragrância num frasco, algures na minha cabeça. A respirar contra o pescoço dele enquanto lhe sentia os pêlos da barba e os cabelos na minha cara. Nesse momento senti uma pequena saudade. Se ele se levantasse e se fosse embora, era só o que me restava. Saudade. Saudade daquele momento em que deixei de ser uma personagem num filme e me senti uma pessoa real. A tentar procurar um

-Amo-te.

Nos olhos dele. Enquanto ele, tímido, olhava para o filme. Inquietava-me não saber em que estava a pensar. Se estava a sentir a minha respiração ansiosa no pescoço dele.

-Claro que sim. Não sejas tonta.

Pensava eu para mim. Enquanto imaginava os lábios dele a dizerem-me isso mesmo.

-Não sejas tonta.

E eu não sou tonta nenhuma. Quero apenas que ele se vire e me abrace. Que me agarre na mão e me diga

-Nunca mais a vou largar.

Eu a sorrir. Como quem sorri no filme. Ele a abraçar-me, tímido. A virar-se para mim. E é então que, tal como no filme, atingimos o clímax. Um beijo. Aquele beijo com que tenho sonhado uma vida inteira. Aquele beijo que me tem sido adiado devido às gripes alheias. É nesse momento que o imagino deitado numa maca, de peito aberto e coração de fora. O meu nome lá no meio. Gravado, como uma tatuagem. Quem me dera saber o que lhe vai na cabeça. Se realmente me quer para sempre, ou se, por outro lado, se vai levantar a meio do filme para nunca mais voltar.

PedRodrigues


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