No outro dia comprei uma vela com aroma a maçã e canela. Queria que a casa esquecesse o teu cheiro. Queria que as paredes deixassem de sentir a tua falta. Queria que as marcas do teu corpo, no divã da sala, desaparecessem. Queria que te fosses embora das fotografias. Que parasses de me abraçar naquela em que estamos juntos a ver o pôr-do-sol. Que te levantasses e te fosses embora para sempre. Que me deixasses sozinha, como me deixaste na vida real. Deixavas-me a sorrir, como uma parva. E, pé ante pé, lá te ias afastando. Enquanto eu, feita parva, sorria para o pôr-do-sol.
Faz hoje um mês que me disseste
-Não consigo mais
Uma falta de ar, subitamente, no meu peito. Ainda me lembro daquele nó na garganta, daquele sorvedouro no estômago. Uma agonia imensa. O cheiro a cebola queimada – estava a fazer-te o jantar. Não era o teu prato favorito, mas estava a fazer-te o jantar. Entraste pela porta e nem me deixaste dar-te um sorriso. Nem um beijo me deste. De certo que seria o último, mas pelo menos ficava-me marcado nos lábios. Pelo menos ia-me ficando de lembrança, visto que não me lembro do nosso último beijo – e isso pouco importa. Deixaste-me, é um facto. Deixaste-me a mim e à casa e aos móveis. Foste-te embora sem te despedires. Pegaste nas chaves do carro e
-Não consigo mais
Foste embora. Fechaste a porta atrás de ti e aposto que nem olhaste uma última vez para mim. Eu ali, no meio dos tachos, das facas, dos condimentos, das cebolas, a chorar. Lágrima atrás de lágrima, enquanto me perguntava se a culpa teria sido minha. Se a razão de teres ido embora e não conseguires mais seria eu. Nem um último olhar me deste. Deixaste-me enquanto me afogava em mim. O pior não tinha sido ver-te partir, o pior era não saber por que razão partias. No entanto, nunca olhaste para trás. Nem uma última explicação me deste. Nem um último beijo me deixaste. Nem um último abraço onde me pudesse agarrar enquanto me deixavas. Nada.
Lembro-me tão bem de quando o telefone tocou nesse dia. Tinha estado mudo até àquela hora. Corri para ele na esperança de ouvir a tua voz
-Desculpa…
Mas a tua voz não apareceu do outro lado. Só uma voz que não era a tua. A mesma voz que me acompanhou na altura em que fui reconhecer o teu corpo encarcerado no carro. Ao que parece embateste contra um poste. A polícia disse-me que o excesso de velocidade e o piso molhado foram as causas do acidente. Mal sabem eles que a culpa não foi da velocidade ou da chuva. Eu sei que me querias abraçar uma última vez. Aposto que te deixaste levar pelo momento. Que pisaste no acelerador fervorosamente, tal era a pressa de me abraçares. E na tua cabeça abraçaste-me. Enquanto os teus braços se incrustavam entre o carro e o poste, na tua cabeça abraçavas-me. Também eu te imagino a abraçar-me
-Desculpa… Não chores. Foi um impulso, mas já passou. Vou amar-te para sempre.
Um abraço tão forte. O calor do teu peito a evaporar-me as lágrimas. Imagino-te a entrar em casa com um ramo de flores na mão. Enquanto eu te faço o jantar: o teu prato favorito.
Hoje tu não estás por cá. Comprei uma vela para te empurrar para fora de casa. As paredes sentem a tua falta. Eu sinto a tua falta. Continuas abraçado a mim no retrato, mas os teus braços não me aquecem e estamos em Novembro. Foste embora e nem levaste um agasalho. Será que não tens frio? Na minha cabeça ainda te vejo a entrar pela porta, com o tal ramo de flores. Encharcado e com frio. A dizeres-me
-Vou amar-te para sempre…
E, se era para sempre, porque me deixaste? Ainda hoje me pergunto. Hoje que tomei a caixa inteira dos anti-depressivos e a casa me começa a fugir. Um nevoeiro imenso e eu vou-te procurando, aos apalpões. Ainda hoje me pergunto: porque me deixaste? Um frio cada vez mais intenso no meu corpo. Onde estás? Abraça-me. Afinal, ninguém é para sempre. Afinal, nada é para sempre.
PedRodrigues
Triste mas muito bonito, gostei ** :)
ResponderEliminar"em que fui reconhecer o teu corpo
ResponderEliminar(...)
m abraço tão forte. O calor do teu peito a evaporar-me as lágrimas. Imagino-te a entrar em casa com um ramo de flores na mão. Enquanto eu te faço o jantar: o teu prato favorito.
Hoje tu não estás por cá. Comprei uma vela para te empurrar para fora de casa. As paredes sentem a tua falta. Eu sinto a tua falta.
Continuas abraçado a mim no retrato, mas os teus braços não me aquecem e estamos em Novembro. Foste-te embora e nem levaste um agasalho. Será que não tens frio? Na minha cabeça ainda te vejo a entrar pela porta, com o tal ramo de flores. Encharcado e com frio. A dizeres-me
-Vou-te amar para sempre…
E, se era para sempre, porque me deixaste?
(...)
Afinal, ninguém é para sempre. Afinal, nada é para sempre."
é esta a realidade que enfrento minuto após minuto, dia após dia. Se é um amor para sempre, pq é que ele não é pra sempre? Pq é que não existem pessoas de ferro? e pq é que não existe uma simplicidade como a "justiça" no mundo dos mortos? :/
Dizes tudo. tudo mesmo.
Patrícia Ferreira
Demasiado real e triste!
ResponderEliminarNão vale a pena tecer mais nada, tudo está dito!
"O pior não tinha sido ver-te partir, o pior era não saber por que razão partias. No entanto, nunca olhaste para trás. Nem uma última explicação me deste."
Demasiado real e doloroso!
Simplesmente perfeito...
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