Amo-te devagarinho. Não sei como, mas amo-te. Vou-te trazendo pela casa: uns papelinhos na parede; umas calças do teu pijama pelo chão; umas folhas soltas de outros textos que te escrevi; o teu corpete numa caixa de sapatos, por baixo da televisão; o teu cheiro pela casa, desde o quarto até à porta da entrada; o teu batom na mesinha de cabeceira; e eu que te trago na minha cabeça. Que te trago nas minhas mãos, nos meus cabelos, aqui e ali pelo corpo. Uma marca mais bruta e outra mais suave. Vou-te amando devagarinho. Para quê acelerar?
Vou-te perseguindo pela casa
-És tão bonita
Vais-me sorrindo devagarinho. Os teus lábios não têm pressa. Os teus dentes não têm pressa. E eu aqui: a amar-te devagarinho pela casa. A procurar-te pelas esquinas de cada divisão. Um brinco na almofada. Umas cuecas no guarda-roupa. Eu deitado na minha cama a falar contigo ao telemóvel
-Tenho saudades tuas
Tu
-Estou quase a chegar
Mas ainda demoras e eu vou-te procurando pela casa, sem pressa. Numa calma inexplicável, enquanto vou dedilhando mais uma crónica pequenina de trazer por casa. Vou-te relendo nos meus textos. Vou-te aperfeiçoando em cada um. Nunca consigo escrever-te como tu mereces. Falta-me sempre aquela palavra. Falta-me sempre aquele bocadinho. Então vou esperando que apareças pela porta: de casaco branco com pêlo de ovelha – não sei dar o nome às coisas, como tu. Vestido verde e meias pretas. Com o cabelo solto, ou apanhado. A entrares devagarinho pelo quarto, enquanto eu te vou admirando e procurando aquela palavra que me vai faltando. Deitado na minha cama, ou sentado pelo chão. A olhar-te de alto a baixo. À procura de todos os pormenores que me permitam fazer-te melhor nos meus textos. Ou fazer os meus textos melhores para a tua pessoa. Vou-te olhando, vou-te lendo, e sempre que o faço, vou-te amando, cada vez mais, devagarinho.
-Estou a chegar. Abre a porta
O barulho do elevador a ecoar pelas escadas. Vou-te sentindo pela casa, mesmo antes de entrares. Vais-me dizendo olá pela casa. Nos papelinhos que me deixas na parede. Na roupa que deixas espalhada pelo chão do quarto. Nos cabelos que vais deixando nas almofadas. Nas crónicas que te escrevi e vou escrevendo na minha cabeça. No teu perfume que se vai passeando pela casa. Nas marcas que me vais deixando no corpo: umas mais brutas e outras mais suaves. E então eu vou-te amando devagarinho. Não sei como, nem porquê. Vou-te amando devagarinho, mas não te digo. E tu vais-me ficando pela casa. Vais-te deixando ficar pela casa. Porque também me amas devagarinho e nem quando partes me consegues largar.
PedRodrigues
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