O sol descia a pique, naquele
dia em que no noticiário anunciavam as primeiras chuvas do verão mais quente
dos últimos anos. Talvez fosse o primeiro presságio de uma mudança brusca na
normalidade das coisas. Eu sentia remorsos por não acreditar na incerteza do
céu: por vezes também ele chora, com saudades do chão. De todas as analogias
possíveis, as piores são as que se parecem fabricar em torno de nós. Foi isso,
talvez, que nos aconteceu. Ao longe chegava o vazio no telemóvel. Noutros
tempos a tua voz teria sido suficiente para me fazer acreditar que a chuva vem
de passagem. Mas a tua voz teimava em não chegar. As tuas palavras teimavam em
não aparecer no pequeno ecrã do meu telemóvel. A ansiedade, por vezes,
corrói-nos por dentro, como um ácido dado em doses mínimas – o suficiente para
nos queimar as entranhas. Tudo o que começa, tem de acabar. Infelizmente,
quando nos meteram no mundo, não nos ensinaram a lidar com o fim das coisas.
Devagar, tal como a chuva, as tuas palavras começaram a despenhar-se. Havia, de
facto, ventos de mudança. Disseste-me que o amor não é uma força suprema, nem
ele consegue carregar alguns pesos. As coisas arrefecem, até no verão da alma.
Eu não quis acreditar no que dizias. Talvez porque custa aceitar a nossa
fragilidade, os erros de julgamento, as inconsistências de uma relação. Custa
sobretudo aceitar as falhas – mesmo sabendo que sempre existiram e existirão.
De repente o céu tinha desabado, lá fora e cá dentro. A raiva tomou conta de
tudo. Como queixar-me do caos, se fui eu que lhe abri a porta? Devagar, todas
as paredes parecem cair. Somos casas de madeira, talvez, sem força para
aguentar as tempestades - embora eu julgasse sermos feitos de pedra. Agora vejo
a efemeridade do amor eterno. Depositamos esperanças em alguém, abrimos as
portas, mostramos as fissuras. Partilhamo-nos. Julgamos ter tempo, porque a
eternidade não tem pressa. Até que o tecto cai e o chão debaixo dos nossos pés
deixa de existir. O amor é um jogo viciado, sei lá. E depois do adeus fica o
travo amargo da solidão. As memórias de tudo o que um dia era belo, como a
última luz de um dia de verão. Choramos para dentro, de modo a que não nos
vejam a chorar. Talvez sejamos feitos de ferro, julgo que pensam assim. Não
somos. Por dentro está tudo remexido. Em todos os momentos a perco, em todos os
momentos a encontro – ao jeito de Cesariny. A melancolia das músicas parece ter
sido feita para nós, como esta que oiço agora. E nunca nenhuma mulher será como
tu. Talvez porque nenhuma delas fala na mesma língua que eu e acreditam que por
lerem as legendas me conseguirão decifrar, como um filme antigo. Todas as
palavras serão a saudade do teu cheiro. Sonharei acordado em todas as tardes
deste e doutros verões com a luz do teu sorriso; com os abraços que não soube
aproveitar porque pensei poder repeti-los para sempre. O amor é um jogo
viciado, repito. Ao que parece, perdi. Chove lá fora, e é verão. Nada disto
parece fazer sentido. Acorda-me. Por favor, acorda-me.
PedRodrigues
Que texto lindo, fantástico, maravilhoso! Das escritas mais lindas que já vi até hoje. Muitos parabéns, fiquei rendida!
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