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segunda-feira, 24 de abril de 2017

Até amanhã

Durante algum tempo achei que o mundo iria acabar, ou não voltaria a fazer sentido, achei que as noites nunca mais seriam feitas de gargalhadas e conversas até adormecer, ou de filmes e amor. Durante algum tempo não quis saber a que saberiam novos beijos, qual seria o cheiro de novos apegos, novos abraços. Durante algum tempo senti um vazio enorme e nada o parecia preencher: nem a bebida, nem as conversas com os amigos, nem os sorrisos de outras mulheres, nem os vermelhos vibrantes de outros lábios, as conversas sem nexo que nunca levavam a lugar nenhum, porque no fundo ainda estava encalhado na ideia de ti. Mas devagar comecei a perceber: copos partidos não voltam a carregar água - a matar a sede. Nada do que um dia foi, e já não é, voltará a ser. Os teus beijos nunca mais serão os mesmos, o teu riso nunca mais me deixará feliz como dantes, os teus abraços nunca mais voltarão a ser tão apertados. Desatámos o laço que nos unia e, em algum momento, a corda partiu. De maneira que tenho tentado avançar. Com as memórias a pesarem cada vez menos. Ainda me apareces em sonhos; às vezes, em conversa, ainda lembro as nossas façanhas; fomos eternos até ao fim, não fomos? Gosto muito desta frase*: eternos até ao fim. E a vida vai seguindo. Não voltei a ter notícias tuas. As imagens foram sendo cada vez menos, de maneira que não sei se mudaste o corte de cabelo, ou se ainda usas aquelas sapatilhas com cores garridas. Nada sei. Mas isso pouco importa. Tudo pertence ao seu tempo: o nosso ficou onde o deixámos. Eu sigo de mãos dadas com a mudança, temendo, porém, que não haja como voltar a juntar o que parece para sempre quebrado. Mas talvez seja este o dilema de ser de carne e osso: vivemos na ilusão que apenas o amor de alguém nos pode completar. Somos uns parvos. Até amanhã.


PedRodrigues


*a frase original é do JLP

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