O relógio na cómoda não faz “tic”, não faz “tac”.
Agarro no telemóvel. É a décima vez que pego nele, desde a última mensagem que lhe enviei. Procuro por um erro qualquer. Uma falha no aparelho que o impediu de quebrar este silêncio desesperante. Cenários e cenários que imagino na minha cabeça. Uma resposta. Só peço uma resposta, que tarda em chegar. Olho para o relógio, consulto o telemóvel na esperança de saber há quanto tempo estou à espera. Quase uma hora de silêncio. Uma hora de pensamentos absurdos
- Será que disse algo de mal?
(Uma breve revisão na última mensagem enviada)
Imagens e imagens sem nexo. Uma procura incansável por uma resposta que tento dar sozinho. Convenhamos que todos fazemos o mesmo no silêncio: imaginamos as coisas à nossa maneira. Em caso de dúvida, cada um vê o que quer, como quer, onde quer. Eu vou imaginando a cara dela a gozar comigo. Enquanto não a imagino a franzir o sobrolho ao ler aquilo que escrevi. Outras vezes ela está a chorar, sem saber o que pensar e o que responder. Uma mensagem entre nós. Uma pequena ponte que vai diminuindo a distância que nos separa. Uma agonia. Dores de barriga de tanto pensar. Eu que me perco neste silêncio agarrado a este telemóvel. Quando o que mais queria era estar agarrado a ela. Dúvidas. Imensas dúvidas. Eu que sou humano e que peco a todos os segundos. Eu que desconfio quando as coisas estão bem, e quase que morro quando as coisas estão mal. De maneira que, se formos a ver bem, quando não estou com ela, quando não estou a falar com ela, há uma dúvida que me vai minando a felicidade. Um eucalipto que me vai secando a floresta de sorrisos que guardo para ela
-Gosto de ti
(Silêncio)
Eu que espero por uma resposta
-Também gosto de ti
Que tarda em aparecer. Horas de espera. Para no final
-Tenho frio
Um desvio na conversa que me queima o estômago. Úlceras de tanto imaginar e uma fissura no coração quando ela me responde.
Eu que a imagino
-Não sei que dizer
Deitada no sofá. Muda. Um silêncio absoluto. Sem saber que responder. Com medo de dizer
-Também gosto de ti
Eu com o telemóvel, ora na mão, ora espalhado pela casa. Uma vontade de o partir, só para acabar com o silêncio. Uma vontade de o desligar, como se isso desligasse a minha cabeça e parasse esta onda de pensamentos que teima em afundar-me.
(Silêncio)
Lá a vou imaginando, como se de um carrasco se tratasse. Como se o telemóvel fosse a guilhotina. Ela que me vai cortando aos pedaços a cada minuto que se cala. Eu que não entendo o silêncio e me meto a ouvir música. O relógio que teima em parar, ou eu que tenho pressa e anseio por uma resposta. A distância. Uma falta de toques e carícias e sorrisos e olhares. Já só peço uma mensagem. Algumas palavras. As palavras certas. Eu que imagino sempre as erradas...
-Será que disse algo de mal?
A última mensagem. A agonia. A distância. O problema é a distância. E o problema da distância é esse mesmo: "olhos que não vêem, coração que não sente". Já dizia a minha avó. Eu não quero acreditar nela. Mas este silêncio… Não sei se o meu coração aguenta o silêncio. O meu corpo lá vai reagindo: transpiro, coço-me, meto os óculos, tiro os óculos. Lá me vou entregando a esta agonia e lá vou metendo o coração na mão, ao lado do telemóvel. Enquanto ela se vai esquecendo de responder, ou simplesmente me faz sofrer, de propósito, com um sorriso sádico no rosto. É este o problema dos telemóveis: não funcionam com o silêncio. E é este o problema do silêncio: nunca sabemos o que ele esconde.
-Será que disse algo de mal?
O telemóvel e o coração pela casa
-Gostas de mim?
Ela
-Tenho frio
Com a guilhotina na mão pronta a mutilar-me
-Importas-te de responder?
(Silêncio)
O relógio parado, o telemóvel que vibra. Uma mensagem
-Gosto de ti e adorava namorar contigo.
Um sorriso de felicidade no rosto quando ela acerta na resposta.
PedRodrigues
Não consigo! Já há muito que te queria dizer, mas por vergonha calei, que tu escreves muito bem! É fantástica a maneira como em cada palavra tua se encontra um pedacinho do sentimento humano! Espero mesmo que consigas tudo o que a escrita te possa trazer de bom e que um dia ELA acerte na resposta e diga "Sim, aceito" :) Parabéns!
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