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segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Humor negro, ou: uma chuva de incertezas

A água cai do chuveiro cortesia da gravidade.
Sento-me debaixo do chuveiro enrolado em mim. Perdido a imaginar-me feliz num dia qualquer – até um dia qualquer. Olhos fechados numa escuridão imensa, tenebrosa, asfixiante. Imagino-me de mãos dadas. Imagino-me a ver o sol. A olhar o horizonte e a imaginar onde começa. Imagino-me. E quanto mais me imagino, mais me eclipso em mim mesmo. Uma escuridão infinita. Uma selva densa, espessa, que não deixa passar o mais frágil raio de sol. Uma mágoa imensa. Uma imensidão de pingos por minuto que me molham a cabeça, me molham o tronco, me molham os membros. Nada, digo eu. O meu reflexo no chuveiro, nos espelhos: baço. Nada a não ser uma escuridão infinita. Eu perdido a imaginar onde começa o horizonte.
Enquanto a água corria por cima de mim, para cima de mim, a percorrer-me o corpo, eu sentia-me vazio. Enquanto ia me lembrando que nada é para sempre. Ninguém é para sempre. Um solstício dentro de mim. Noites maiores que dias. Eu ali, tão pequeno dentro de mim. Perdido numa cabana - dentro de mim. Frágil. Não entendia onde acabava a água que corria do chuveiro e começavam as minhas lágrimas - o meu corpo. Sentia-me feito de lágrimas. Não me sentia feito de nada. Um vazio. Uma escuridão infinita. Onde começa o horizonte da escuridão?
Centenas, milhares, milhões. Pensamentos. Mensagens. Pensamentos. Mensagens. Mágoas. Dores. Enredos. Novelas. Filmes. Enganos. O sol. Uma certeza

-Não sei

Ela

-Arranjo melhor

Uma escuridão infinita. Centenas, milhares, milhões. Incertezas

-Então força

Ela

-Namora comigo

Outra vez

-És lindo. Casa comigo

Eu perdido a ver o solstício

-Não entendo. Não te entendo

Ela

-Adrenalina. Faço isto pela adrenalina

Perdido na escuridão. Uma selva densa onde não passa o mais ínfimo raio de sol. Uma incerteza genuína. A trocar os pés à procura de um horizonte que ninguém sabe onde começa.
Quase a entregar-me à escuridão. A dar-me por vencido.

-Não aguento mais. Decide-te.

Ela que também está perdida na escuridão e eu que não sei como a encontrar. Não sei se a encontrei. Não sei como a perdi. Não sei se a perdi. Uma escuridão infinita. Um caos imenso. Um aguaceiro de pingos que se confundem com as lágrimas. Uma dor que se passeia pela escuridão à procura do melhor sítio para se reproduzir. Uma incerteza.

-Quando me pedes em namoro?

Para depois

-Não assumas nada. Posso-te escapar entre os dedos.

Eu perdido: em mim, em possibilidades, em outras pessoas. A incerteza também cansa. Eu sinto-me cansado de me perder em mim à procura de respostas. A perder-me numa escuridão, sem ter um sinal de que há luz. Um pequeno raio de sol entre a floresta densa. Só um pequeno raio de sol.

-Agora ou nunca?

Pergunto eu

-Agora ou nunca!

Digo eu.

E no entretanto, entre o agora e o nunca, vou procurando a minha lanterna interior, enquanto busco pelo horizonte da certeza.

PedRodrigues

1 comentário:

  1. Tens imenso jeito. Gosto muito porque revejo-me em muitas coisas... o talento não se aprende nos livros ou se tem ou não se tem e vindo dum engenheiro ainda é mais surprendente.

    Um abraço e força!

    Zé Tó

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