Diz
que me amas. Não digas baixinho, entre os dentes, a mastigar as palavras.
Parece que não me amas. Diz que me amas. Não me digas ao ouvido que eu conheço
os teus estratagemas: se me distraio a meio da frase já me estás a morder o
lóbulo da orelha, uma mão no peito e eu todo arrepiado, sem me conseguir
concentrar. Se não abro os olhos já me estás a enganar com as tuas manhas de
mulher. Acabas por não me dizer coisa alguma e eu fico sem saber de nada. Fico
aqui sem dormir, sem comer. A minha mãe no outro dia
-Estás
mais magro
De
sobrolho em riste à procura de uma pista. As mães são todas iguais, sabem
sempre de tudo. E quando não sabem metem-se a olhar para nós de sobrolho em
riste como que a explorar as nossas entranhas à procura das pequenas omissões
que vamos escondendo delas. Ou a farejar a roupa, numa luta incansável com o
tecido, em busca das sobras de um perfume alheio qualquer. Sedentas de um
conhecimento que lhes vamos negando; imaginando-nos numa terra do nunca onde os
meninos são meninos para sempre. De mãos
na cabeça
-Não
te tens alimentado como deve ser. Estás mais magro.
Enquanto
nos impingem o cachecol porque está frio. Ou nos seguem pela casa porque temos
o colarinho da camisa desalinhado. A mendigar por novidades enquanto nos
compõem a roupa, nos empurram a comida pela goela abaixo, ou nos mimam com
beijos intermináveis. As mães são todas iguais.
Há
uns dias sonhei que te apresentava à minha mãe. Não me olhes assim, não sejas
parva. Eu não sou maluco: não lhe disse nada. Quando me lembro do sobrolho em
riste, a olhar para ti com vontades homicidas. A dizer entre os dentes
-Vai
roubar-me o meu menino
(Um
sorriso de plástico a disfarçar)
A
mastigar as palavras como tu, que ainda não disseste que me amas. Vais-me
enganando com suspiros, com abraços, com beijos e sucede-se que eu hoje não
quero suspiros, nem abraços, nem beijos. Quero que digas que me amas. Sem
mastigares as palavras, sem te engasgares a meio. Estou aqui pele e osso, ouve
o que te digo: pele e osso. Eu já nem como, já nem durmo. Qualquer dia a minha
mãe liga-me e eu conto-lhe tudo. Ela a passar-me a mão pelo cabelo, do outro
lado do telefone, a empurrar-me um prato de sopa, enquanto que, deste lado, tu
me olhas de sobrolho em riste. Já te disse que me fazes lembrar a minha mãe?
Não me olhes dessa forma, não é vergonha nenhuma. A minha mãe também me ama. A
minha mãe também é bonita como tu. Não comeces com essas coisas. Não me olhes
com esses olhos de predadora. Guardaste a noite nos teus olhos, guardaste o
negro da noite nos teus olhos. Quando me mostras a noite nos teus olhos eu
derreto. Juro que derreto. Não me olhes assim que derreto. Pára de me beijar o
pescoço. Já chega de beijos e de carícias. Já te disse que estou farto.
Continuas com o olhar de predadora. Se me distraio já os teus dotes de mulher
me estão a enganar novamente. Se a minha mãe soubesse que me enganas
-Ai
o meu menino
Vinha
até aqui e metia-te na linha. Acredita que metia. Continua a armar-te ao
pingarelho. Continua a enganar-me com esses suspiros. Se ela sonha
-Estás
mais magro
(De
sobrolho em riste a procurar-te nas minhas entranhas)
Vem
até aqui e mete-te na linha. De forma que o melhor é dizeres que me amas, antes
que o telefone toque e a minha mãe comece o interrogatório habitual. Deixa-te
de rendilhados que, se não dizes que me amas entretanto, mando-te à fava em
menos de um fósforo. Troco-te por um prato de sopa, que estou cada vez mais
magro e a minha mãe, do outro lado, já começa a desconfiar.
PedRodrigues
(Crónica da edição de Janeiro da revista Algarve Mais)
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