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sábado, 28 de janeiro de 2012

Que Deus?


Não sei onde começam tantas guerras. Não sei de onde vem tanta ganância. Não sei porque gritam os soldados de arma em punho a apontar para o céu. Não sei porque sorriem esses mesmos soldados. Corpos pelo chão. Mórbidos olhares de crianças vazias. Sangue no meio da poeira e poeira no meio do sangue. Rajadas de metralhadoras jubilosas: sedentas de um pouco mais da carne dos filhos que as mães choram. Corpos pelo chão. Uma pilha putrefacta de causas perdidas. Porque lutavas tu? Glória eterna, amor à pátria e ao teu Deus. Onde estás tu? No meio dos cadáveres és só mais um, na tua pátria apenas quem te ama te recorda, será que encontraste o teu Deus? A tua mãe chora-te pelo meio da multidão de soldados, de joelhos, a pedir explicações ao céu. Estás aí? Chora-te pelo meio da alegria dos teus camaradas. No meio do desfile vitorioso da tua nobre causa, os teus filhos são estátuas. Petrificaram com o medo - enquanto os últimos disparos e as últimas explosões faziam as últimas vítimas. A criança dentro deles também morreu. Consegues vê-la? Não sei onde começam tantas guerras. Não sei que Deus é este que tantos mata. Que conceito abstracto é este que vos tentam vender com tanto sucesso. Que fórmula mágica é esta que tantos move. Não sei. Talvez os teus filhos um dia saibam. Não estarás cá para lhes contar as histórias que te contavam a ti. A tua mãe morrerá e não terá tempo para o fazer. A tua mulher chorará ao pisar a mesquita. Não verterá lágrimas, mas chorará. Os teus filhos estarão condenados a conhecer o teu Deus. O mesmo que te levou deles tão precocemente. Irão um dia lutar noutra guerra qualquer em nome dessa fórmula divina. Onde estarás tu para os proteger das balas? Que pai serás tu se não conseguires proteger os teus filhos das balas? Serás a memória do pai que os abandonou pela vida eterna. E se uma bala não os levar, serão eles no desfile pelas ruas da cidade. De metralhadora em punho a disparar para o céu. A sorrir, enquanto os corpos mutilados fazem montes nas valetas. A gritar pelo meio das lágrimas, do suor, do sangue, do pó. Sempre de arma em punho e Deus na boca. A aplaudir mais um tirano que chegará ao poder a vender o abstracto. Outro que procurará a glória terrena, enquanto vende a vida eterna. Assim começam as guerras: quando Deus é vendido para proveito dos homens. Assim choram as mães e as mulheres. Assim nascem os filhos da guerra: no meio da ganância e da fé. Uma mistura tão explosiva como um raide de uma bazuca. Onde estarás tu, quando te aperceberes que deste a vida por uma fantasia? Nesse dia serás feito do mesmo pó onde hoje jazes. Não estarás cá, mas serás a prova que há um demónio que Deus desperta nos homens.


PedRodrigues

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