Hoje um dos pássaros do meu pai fugiu da gaiola em que esteve preso a vida toda. Voou para a velha nogueira do quintal dos vizinhos; ou seja, não voou para muito longe, apesar das asas e da liberdade que o vento lhe concedeu. Sempre que olho os pássaros do meu pai, lembro-me de uma mítica frase de Jodorowsky: “pássaros presos em gaiolas, acham que voar é uma doença”. A frase repete-se vezes sem conta dentro da minha cabeça, como se fosse uma mensagem subliminar da vida. Hoje é Setembro e, apesar de não me lembrar bem da data (sou péssimo a decorar datas), sei que fazes anos perto destes dias. Sinto-me como o pássaro, ainda preso a estas memórias, apesar da liberdade de seguir em frente, ou da prisão de o fazer sem te ter ao meu lado. Sou um sádico do caraças, penso. E uso um repertório vasto de asneiras e outras coisas menos boas, para dentro, de forma a não gritar e assustar todos em volta. O tempo tem amenizado a tristeza e as noites dormidas começam a ser mais longas e sem sonhos de ti. Mudei os lençóis da cama, quando partiste. Limpei o ralo da banheira que ainda tinha alguns cabelos teus. Meti a roupa na máquina. Guardei o que te pertencia num lugar onde não pudesse esbarrar com as tuas coisas no decorrer dos dias. Nada disso resultou, no início, e entrei numa espiral de depressão - algo muito comum em mim - com alguns textos tristes e imagens daquilo que fomos e que poderíamos ter sido. O tempo seguiu o seu rumo natural. Eu? Mudei de casa. Mudei de cama. Comprei um colchão ergonómico com medidas suficientes para mim e outra pessoa - ainda a pensar em ti. Quem sabe? Decorei a casa com cores que sei também gostarias de ver. Comprei uma televisão maior que aquilo que os meus olhos podem aguentar, talvez para me fazer companhia nos dias em que a depressão ainda bate à porta. Mudei de freguesia e, como a casa é minha, tive também de mudar de cartão de cidadão. A fotografia continua a ser a de um fugitivo de uma prisão Mexicana (lembras-te de quando te mostrei o meu antigo cartão pela primeira vez e gozaste muito comigo?). Talvez tenha fugido dessa prisão, do outro lado do mundo, mas continuo preso nas memórias. Mesmo que as grades comecem a tornar-se cada vez mais turvas e eu consiga escapar. Talvez voar seja mesmo uma doença, penso. Mas logo dou com a palma da mão na cabeça. Por vezes é preciso partir. Deixar para trás o que não nos faz falta. Ir. Levar o passado na bagagem. Não esquecer. Aprender. Há sempre mais lugares que a velha nogueira: mais longe, com outras cores que ainda não descobrimos. Vai.
PedRodrigues
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