"O que me falta em palavras, sobra-me em amor"
Lembro-me, como se fosse hoje, dos pessegueiros em flor no quintal dos meus avós. Guardo essa imagem com saudade. Mas tenho medo de a guardar tão fundo, num canto qualquer do meu cérebro, que nunca mais a consiga encontrar. É nessas alturas que gostava de ter uma fotografia. Uma cábula para a eventualidade da memória me atraiçoar. É nessas alturas que sinto a falta do meu primo Pedro, com a sua máquina fotográfica, a prender o mundo num momento.
A nossa amizade vem de longe. Vem dos laços de sangue que ainda nos unem. Uma pequeníssima quantidade de genes que partilhamos como irmãos. Somos mais que família, somos mais que simples amigos, mas não sentimos necessidade de o partilhar por palavras. Há um código de honra entre nós, uma linguagem indecifrável, muito própria, que não partilhamos com ninguém. Não precisamos.
Tal como nunca lhe disse:
-És importante para mim
(Apesar de ter a certeza que ele sabe disso)
Nunca fiz um elogio decente ao trabalho dele. Um
-Gostei
Ou
-Bom trabalho
Nunca
-Excelente. Digno de um prémio. Continua
Algo de construtivo, com começo, meio e fim. Eu que até levo jeito para usar as palavras, nunca lhe consegui dizer que para mim ele é o melhor - com condições para ser o melhor no mundo dos entendidos da matéria. Calo-me. Deixo que ele entenda o código, e apesar de não ouvir
-Obrigado.
Eu sei que ele agradece. Ao nosso jeito lá vamos falando nos espaços em branco. Preenchendo o mundo com imagens e palavras. Cada macaco no seu galho. Procurando, no entanto, o mesmo destino. Trancando nas palavras, o que o outro guarda na moldura. Parando o mundo em pequenos instantes. Gravando memórias no espaço de segundos. Inventando histórias em mil palavras - enquanto o outro as vai captando no dia-a-dia. Cada um ao seu jeito
-És importante para mim
Um olhar atrás da lente
-Bom trabalho
Mais mil palavras no papel. No espaço em branco, ele:
-Gostei
Se me tirasse uma fotografia nesse momento, expunha ao mundo o nosso segredo. Se alguém nos conseguia expor ao mundo, era ele. Está sempre mil palavras à minha frente. E isso, realmente, pouco importa. Só queria uma imagem dos pessegueiros em flor, que não tenho palavras para os descrever como eles merecem. Faltam-me sempre mil palavras. Onde andavas tu quando os pessegueiros me imploravam que os prendesse no tempo?
PedRodrigues