Cinco minutos. São só mais cinco minutos. Não podes esperar um pouco? São só mais cinco minutos. O ano novo pode esperar. As novas conversas podem esperar. As novas pessoas podem esperar - ainda nem me conhecem, por que carga de água não esperariam? As lágrimas podem esperar, e os abraços também, e os beijos na cara, e as noites de solidão e as noites de alegria e copos catatónicos também esperam por nós, são só mais cinco minutos aqui, mais cinco minutos a guardar este espaço, este tempo que ainda me pertence. Para quê tanta pressa? Ainda ontem dei o meu primeiro beijo, no campo da escola: as miúdas tinham vergonha, os miúdos gozavam - o amor era motivo de chacota, nessa altura, o que interessava era ser o melhor no futebol, com mais fintas, mais golos, mais gritos para o ar e sapatilhas rasgadas do uso - brincávamos às escondidas, à apanhada, e os melhores eram sempre os que se escondiam melhor, os que fugiam mais, - talvez devesse ter continuado a esconder-me e a fugir, mas o tempo corre sempre mais, encontra-me sempre melhor - e os verões duravam meses, com os pés enterrados na areia e os lábios roxos das horas passadas no mar, e no mar os melhores eram os que apanhavam as ondas maiores, mesmo que depois se desmanchassem com elas na areia, e comíamos camarinhas como se fôssemos náufragos esfomeados nesses verões intermináveis da nossa infância, e também demos beijos na praia às miúdas de biquíni que vinham de fora, fazíamos fogueiras e dançávamos, dançávamos, dançávamos como se a vida fosse uma banalidade que podia esperar pelo amanhã, e depois o tempo, sempre o tempo, a faculdade, uns para aqui, outros para ali, as revoltas, os amores um pouco mais sérios, as primeiras chatices, os primeiros corações partidos, - até ali desenhavam-se inteiros, no vapor preso nos vidros - o perceber que a vida também acaba e há amores que partem para sempre porque temos de aprender a guardar dentro de nós o que é importante, como se fôssemos um cofre para pessoas valiosas, e somos atropelados pelos invernos gelados que nos obrigam a procurar abrigo num abraço qualquer. E são só mais cinco minutos aqui. O ginásio do ano que vem pode esperar, já me inscrevi, e prometo lá ir até ficar com um corpo de capa de revista - será que assim voltas para mim? - a casa pode esperar, os móveis podem esperar, porque a casa não se faz de betão e aço e outros materiais, faz-se de pessoas e as pessoas fazem-se de amor, o que quer dizer que no final das contas as casas se fazem de amor, talvez te leve para lá e as nossas sombras possam namorar no silêncio do bairro, e faço-te novamente os jantares, preparo-te as marmitas, tomo conta de ti, como o bem precioso que és. E talvez este ano que vem seja o ano. O ano de que falamos aos anos. Este ano é que é. Porque Janeiro traz sempre possibilidades, e Dezembro, habitualmente, traz as desilusões: podia ter feito, podia ter sido, podia. E os tempos verbais têm de mudar - tudo muda, dizem as leis da Física. Estamos em constante mutação. E talvez este ano escolha ser um pássaro, livre, com asas para voar e chegar ao sítio onde pertenço. Mesmo que a casa, mesmo que a praia, mesmo que os beijos, mesmo que as lágrimas, mesmo que o ginásio. Este ano talvez seja pássaro e te leve comigo. Vamos ver o mundo lá de cima. Juntos. Mas primeiro o ano pode esperar. São só mais cinco minutos. O novo ano pode esperar. Dá-me só mais cinco minutos, amor.
PedRodrigues