No meio da viagem uma música
melancólica no rádio, o orvalho matinal desfeito no para-brisas, todos os
ingredientes necessários para uma cena de filme. À medida que o carro avançava
lembrava-me de ti. Apetecia-me meter a cabeça de fora e gritar. Talvez as lágrimas
teimassem em aparecer a qualquer momento: não sei se pelos copos entornados, ou
se o amor bate mais forte pela madrugada – enquanto a cidade ainda dorme.
O senhor perguntou-me:
- Para onde deseja ir?
Apeteceu-me responder-lhe
- Para onde for feliz – mas
não o fiz; até porque ele não tinha como saber a tua morada, ou que a nossa
história se tinha perdido pelas esquinas do destino. Já era tarde, e o meu
cérebro parecia não ter força, nem vontade, para calar o meu coração. Sentia-o
a chamar o teu nome e a saudade do teu cheiro chegava-me como um espasmo sádico
na boca do estômago. Não sei o que me custa mais: se repetir as imagens dos
nossos melhores momentos, se imaginar-te sozinha imune às nossas memórias.
Talvez me custe mais cair no esquecimento, até porque a queda é imensa e o
corpo não é feito de esponja. Cortaste-me as asas, digo eu. Há muita coisa má
no mundo, mas acredito que não haja nada como nos eclipsarmos no peito de quem
gostamos. Quanto mais me imagino a desaparecer na tua vida, mais vontade tenho
de pedir que me levem à tua porta, na esperança que a abras e possamos voltar a
ser os putos felizes de outros tempos. Não há uma noite em que não recorde o teu
sorriso e, acredita, sonho praticamente todos os dias com os teus beijos. Devo
ser masoquista.
A viagem ia longa ou, àquela
hora, tudo parecia passar mais devagar. Ao chegar a casa tomei um banho e
tentei afogar os fantasmas que me atormentam e se passeiam desvairados nessas
noites em que a bebida entornada não dilui a tua imagem, nem o que ainda sinto
por ti. O passado é uma lágrima chorada, ou tocada numa música que teima em
passar na rádio. É melhor mudar de estação.
- Já é tarde. Leve-me a casa,
por favor.
PedRodrigues