disseram-me que a intimidade
começava quando a roupa caía
como fruta madura sobre os lençóis
gastos por outros corpos
e, na verdade, eu acreditei nessa premissa
enquanto a olhava a tirar os brincos
enormes círculos dourados
sobre a cómoda branca do quarto
o gesto dela todo numa eternidade
lento, mudo, ausente
dizia-me que os brincos a incomodavam
e que não ajudavam em nada nessa partilha da intimidade
retirou a maquilhagem
o batom dos lábios avermelhava em pinceladas drásticas
o lenço
(por momentos julguei que queria também limpar os meus beijos)
depois a base
depois tudo o resto que não conheço
quando o vestido caiu no soalho
o meu corpo estremeceu
quando a lingerie foi projectada para um canto
o meu coração disparou
julguei ser nesse momento que começava a intimidade
e depois entrámos juntos nesse lugar onde tudo é sangue
onde tudo é suor, onde tudo são respirações, onde tudo
é orgasmo
no final olhei-a
já com a cabeça poisada na almofada
o sorriso lindíssimo como uma lua perolada
sem segredos
sem maquilhagem, sem roupa
onde todos os limites podiam ter o nome de pele
onde todos os limites podiam ser depois da pele
percebi
a intimidade começa depois
a intimidade é tudo o que vem depois dessa fronteira
íntimos são aqueles que partilham mais que os seus corpos
Pedro Rodrigues