E depois a luz arranja-se entre
os buracos da persiana. Os sonhos arranjam-se por dentro, com vontade de nos
juntar a eles para sempre. Mas temos de acordar. Abrir os olhos. Poisar os pés
no chão. Não sentir a terra a girar: saber, apenas, que é assim. Há mais vida
para lá dos sonhos. É esse, talvez, o flagelo da realidade. Não podemos abrir
novamente os olhos quando as coisas não correm bem. A realidade é uma certeza
dolorosa. Aqui, no chão, não há deuses que nos valham. Anjos que nos acudam. A
terra gira. Somos forças dinâmicas, capazes de moldar a nossa realidade.
Motores de carne e de ossos, movidos pela vontade. Nada na vida está perdido
totalmente. Para o futuro há que aprender com o passado. Nada na vida se perde
totalmente. Pelo menos, é a forma como eu olho para as coisas. Desejando
reparar os erros do passado num futuro que ainda vou sonhando. Depois a luz
teima em aparecer. Abro os olhos e percebo o poder do sonho e do tempo. As
feridas que não nos matam, acabam por sarar. E um dia acabaremos por usar essas
marcas com orgulho. Porque é isso que os guerreiros fazem. Mostram que venceram
a morte, com um sorriso no rosto. Mostram que sangraram durante a batalha, mas
venceram. E nós somos uns guerreiros do caraças, não somos?
PedRodrigues