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terça-feira, 28 de agosto de 2012

Cem metros a falar em ti


Andei cerca de cem metros. A rua estava deserta e ao olhar para trás conseguia ver-me a caminhar vazio na minha direção. Urgentemente todos caminhamos sem rumo. Urgentemente todos temos pressa de viver. Acreditamos na velocidade das coisas: ainda hoje nos conhecemos e já queremos envelhecer juntos. Vivemos à velocidade do sol: nascemos com ele e desaparecemos com ele. Os nossos sentimentos seguem os nossos passos. Um dia todos nos amámos uns aos outros. Um dia todos amámos. Um dia todos fomos felizes. Mas nesta pressa que temos de viver, acabamos por não entender nada. Demoramos uma eternidade a andar em frente, mas não damos conta disso. Naquele dia não demorei cem minutos, nem cem horas, nem cem segundos a falar em ti. Naquele dia não me demorei nas pausas, nem me apressei nas explicações. Olhei em frente e continuei sem rumo. Andei cem metros e nesses cem metros tu viveste em mim. Parece que ainda ontem te conheci. Parece que ainda ontem te mandei a primeira mensagem, ou escrevi o primeiro texto. Ainda ontem envelhecia ao teu lado. E na verdade envelheci mesmo. Passei trezentos e trinta e quatro dias a envelhecer ao teu lado. Uma eternidade, diria eu. Senti essa eternidade e vivi agarrado com unhas e dentes a ela. Caminhei cem metros. Caminhei cem metros a falar em ti. Nunca te consegui descrever porque começas a desaparecer aos poucos. Eu tento agarrar-te, juro que tento, mas escapas-me entre os dedos. Nesta urgência que temos de viver, começas a desaparecer. No entanto a cada cem metros continuas a estar viva e isso assusta-me. Ninguém consegue viver para sempre em cem metros. Há escalas que precisam de ser vencidas. Há amores que acabam todos os dias. E não chega envelhecermos juntos, se não soubermos viver juntos - num só. A vida não caminha para sempre desenfreada. Basta encontrarmos aquilo que nos une e carregar no botão de stop. Acredita que quando queremos vivemos devagar no coração de quem amamos. Acredita que quando nos permitimos vivemos devagar no coração de quem nos ama. E naqueles últimos cem metros tu viveste parada em mim.

PedRodrigues

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

21-08-2012


Há três dias que não durmo. Há três dias que me perco a imaginar o que estará errado. Jurámos amor um ao outro. Amámo-nos durante onze meses. Lutei por ti como nunca lutei por ninguém. Nunca desisti de nós porque sempre nos vi emoldurados a sorrir um para o outro como se o mundo tivesse sido feito à nossa imagem. Escrevi-te durante meses e em todos os meus textos conseguia sentir-te a palpitar nas palavras. Nunca me deste crédito por nenhum deles, mas isso pouco importava. Sabia que me amavas e sabia que te amava e o resto era só o resto e não me aquecia nem arrefecia. Aprendi a lidar com a tua meninez e a compensar todos os teus caprichos com a minha maturidade. Nunca me interessou a tua falta de vontade pelos grandes gestos românticos. Sempre consegui retirar aquilo que precisava nas pequenas demonstrações de afeto que por vezes deixavas escapar. Amava-te e ainda te amo e não deixarei de amar. Os teus papéis continuarão colados na parede. As minhas camisolas continuarão a fazer parte do teu guarda-roupa. Não nos deixarei morrer, mas não cabe apenas a mim manter-nos vivos. Não sei onde errei, nem onde te falhei, mas se o fiz só te posso pedir desculpa. A vida segue em frente e nós seguimos com ela. Um dia vivemos um sem o outro e hoje teremos de o voltar a fazer. Custar-me-á o mundo não acordar com os teus telefonemas, ou adormecer sem te ter ao meu lado, mas terei de aprender a lidar com isso. Mais uma vez te digo que não sei o que se passou para me dizeres

-As coisas arrefecem

Ou

-Não sei se ainda gosto de ti como gostava

Não sei quem entrou na tua vida. Não sei se alguém entrou na tua vida. Mas às vezes perco-me de razões a imaginar se não terei sido eu a abrir-lhe a porta. Sempre achei que a distância não era grande o suficiente para nos separar. Habituei-me a lidar com a relação dos meus pais como se fosse minha. Tornou-se no meu mantra e no meio de todo esse processo acabei por negligenciar a tua falta de conhecimento das relações em interruptor. Não és como a minha mãe, não és a minha mãe e eu não sou o meu pai. Talvez tenha errado nas assunções, mas não o fiz por mal. Acabei por me sentar à margem a ver a nossa relação ruir. Por isso mesmo te peço desculpa.
Espero que não te esqueças de nós, assim como eu não esquecerei que um dia disse pela primeira vez

-Amo-te

Com todas as letras a que a palavra tem direito. Acredita que não o disse ao acaso, ou sem razão aparente. Disse-o do coração e de coração na boca ainda hoje o digo – se for preciso. Nunca me esquecerei da saia grená que usavas nesse dia, das botas de salto alto com pêlo, da tua camisa branca. Lembro-me do beijo, lembro-me das tuas palavras

-Gostas de mim de A até E?

E que poderia eu dizer a não ser

-Amo-te

E esperar pelo teu

-Amo-te muito

Como queres que me sinta hoje a não ser desfeito? Como queres que me sinta depois de me dizeres

-Já não sei se gosto como gostava

Custa-me o mundo. Acredita que me custa o mundo. Custa-me ainda mais porque nunca entendi – e tu sabes – essa coisa do amor crescente em função do tempo. Para mim o amor é apenas amor e será sempre amor: não cresce, nem decresce. Assim sendo, não sei o que nos aconteceu. Juro que não sei. Apenas continuo a crer naquilo que sei: as relações são feitas de amor. As relações são feitas para aqueles que acreditam. As relações não são feitas para aqueles que desistem. Agradeço-te por tudo, mas não te perdoo por um dia teres desistido de nós.

PedRodrigues

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Breve reflexão a quente


Tenho saudades tuas. Com a maquilhagem certa todas as fotografias podem ficar esquecidas na estante, toda a ausência pode parecer menor. Com a maquilhagem certa tudo brilha como o ouro. Tenho saudades tuas e não as consigo mascarar. Foges-me pelos dedos quando não estamos juntos. Foges-me pelas palavras quando desligo o telemóvel. A distância torna-se imensa e eu torno-me tão pequeno que acabo por desaparecer em todos os cantos. Às vezes a minha pele ressaca da tua pele. Às vezes, quase sempre, em todos os momentos. Tenho saudades tuas e não consigo disfarçar. Sabes, há merdas que a mim não me dizem nada, coisas que desaparecem a qualquer momento e das quais não quero saber. Há coisas que me irritam, coisas que me aborrecem, coisas que me deixam à beira de um ataque de nervos. Há o silêncio e o excesso de silêncio. Há tudo o que existe e tudo aquilo que poderá um dia existir. Há aquilo que sinto por ti, aquilo que um dia senti por ti e aquilo que um dia vou sentir por ti. Há isso tudo misturado. Há isso tudo num só. Não existe nada disso só por si. A verdade é que eu te amo hoje como amei um dia e como virei a amar noutro dia qualquer. O nosso amor não depende das horas e pouco importam os minutos. Não é menor quanto maior é a distância, nem deixa de existir só porque a chamada terminou. Amamo-nos de corpos misturados. Somos tão complexos como as coisas simples do mundo. Poderia ficar aqui uma vida inteira a escrever-nos. Poderia desistir de tudo na vida: da pátria, da religião, da justiça e da sociedade. Poderia respirar da apneia dos quases. E, enquanto respirasse, nós vivíamos misturados um no outro: que eu já não existo sem ti, assim como acredito que tu não existas sem mim. Se algum dia nos falhar, podes desligar-nos. Se algum dia falhar serei o primeiro a admitir os meus erros. Se algum dia falhar estarei condenado a viver pela metade. Se a verdade é que tu me completas, a verdade é que eu já não consigo viver dividido. A vida não é apenas o que acontece. A vida é o que acontece na urgência de te amar. E neste fio da navalha tudo é permitido, desde que no final das contas reste eu e tu - só depois o mundo.

Agora
Sempre?
Até um dia
Amor
Meu Amor

PedRodrigues

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Crónica com corações desenhados


Desenha um coração no papel. Desenha-o inteiro e sem pontas soltas. Desenha-o a olhar para mim, ou com o meu nome lá no meio. Se não souberes desenhar eu ensino-te. Dá-me a tua mão. Deixa-me guiar-te com a minha. Deixa-me poisar o queixo no teu ombro. Juro que não te faço cócegas com a barba

-Estás a arrepiar-me

Juro que não respiro contra o teu pescoço. Não sorrias assim que me desconcentras. Olha o coração a formar-se no papel. Não tenhas medo que eu não largo a tua mão. Desenhamo-lo juntos. Desenhamo-lo até ao fim, que os corações só são corações quando estão inteiros. Desenha-nos a nós de mão dada por baixo do coração. Olha para mim de mansinho que eu ajudo-te a pintar o coração. De que cor queres pintar o coração? De que cor é o teu coração?

-Não sei

Pinta-o com o amarelo do sol. Pinta-o a brilhar para nós. Pinta-o com o azul do céu. Pinta-o infinito como nós. Pinta-o com o verde das folhas, ou o castanho das raízes. Pinta-o com todas as cores. Pinta-o como se fosse feito de tudo e não se partisse com nada. Pinta-o como se confiasses cegamente em mim

-Confias em mim?

Olha a minha mão sobre a tua e um coração no papel. Agora desenha-o no meu peito. Podes usar o teu batom vermelho. Desenha-o inteiro, desenha-o infinito, desenha-o a brilhar. Eu confio em ti. Não o deixes a meio. Podes fazer-me cócegas com o cabelo, podes beijar-me a boca e o pescoço e os ombros, mas não pares. Continua a desenhar o coração até ficar inteiro. Não o deixes com pontas soltas. Não te distraias com nada - eu sei que é difícil. Segue o rumo das linhas como te ensinei. Desenha o meu coração e não o estragues. Faz como eu te ensinei: primeiro a minha metade, depois a tua, primeiro a tua metade, depois a minha. Faz como entenderes, mas não o deixes incompleto. Guarda bem o meu coração e confia em mim. Juro que não te engano

-Desconfio de tudo, até mesmo dos corações.

Confia em mim, como eu confio em ti. Continua a pintar-me um coração no peito. Pinta-o como entenderes que eu não quero saber. Quero apenas que fique inteiro. Acredita que confio em ti para guardares o meu coração. E se me permitires acabo esse coração que está pintado a meio no teu peito. Não tenhas medo que eu não o deixo ficar assim. Deixa-me pintá-lo com todas as cores: como se fosse feito de tudo e não se partisse com nada. Quem deixa os corações a meio não merece o coração de ninguém. Acredita nisto que é verdade. Não tenhas medo que eu sei o que estou a fazer

-Não sei se devo confiar em ti. Tu acreditas em tudo.

Não acredito em tudo. Acredito em corações perfeitos. Acredito em amores perfeitos.

-Acreditas em tudo.

E se eu desconfiar de tudo, já acreditas em mim?

PedRodrigues

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Tudo acaba (um dia)


No telemóvel nem uma mensagem. Nem uma chamada perdida, ou outra coisa qualquer. Um vazio no ecrã, um vazio por aí. Perco-me de razões com as chamadas que não me fazes, com as mensagens que não me envias, com o desprezo com que me deixas aqui. Tanto tempo que demos um ao outro, tantas vezes que te disse

-Amo-te

Que lhes perco a conta. Não tenho dedos que cheguem para contar todas as vezes que te amei em palavras. Podia multiplicar as mãos, ou os pés, elevar tudo ao máximo expoente possível e mesmo assim não conseguiria dar-te uma resposta concreta. Não te conseguiria dar mais. Nem mais, nem menos. Não que me arrependa. Claro que não me arrependo. Continuo a amar-te porque ninguém desliga os sentimentos no interruptor do coração. Não há uma borracha que apague o que vivemos. Vivemos e ficamos marcados. Somos o produto de todas essas marcas: das boas e das menos boas. No meio daquilo que fizemos e daquilo que deixámos por fazer a única coisa que me custa é o teu silêncio. Custa-me imenso. Não dizes nada, não me dizes nada. Pego no telemóvel de cinco em cinco minutos à tua procura no ecrã: nem uma mensagem, nem uma chamada. Poiso-o novamente e enfio a cara na almofada. Respiro da apneia do coração. Recordo os nossos melhores momentos. Recordo-te a olhar-me entre o brilho elétrico da ternura nos teus olhos, da pele de galinha dos teus braços quando te beijava os ombros despidos, das conversas incessantes até ao amanhecer. Recordo-te a amar-me com todas as tuas forças e recordo-me a amar-te com todas as minhas forças. Fomos bons juntos, ainda somos bons juntos – penso. Se te dissesse

-Amo-te

Esperaria que me retribuísses com um

-Também te amo

Era capaz de ficar a amar-te até o sol se pôr. Era capaz de amar-te até depois do sol nascer. Não sei se o que é bom dura para sempre. Acredito que não dure para sempre. Nada dura para sempre. A verdade é que continuo aqui a esperar-te: todos os dias, a todas as horas. O que é feito de ti? O que é feito da música da tua voz? Onde deixaste o brilho elétrico dos teus olhos? Seguiste sem mim. Seguiste a tua vida sem mim, enquanto eu por aqui fico à espera de uma mensagem tua, ou outra coisa qualquer. Um sinal de que ainda existes na minha vida. Algo que me lembre daquilo que um dia fomos. Que ainda somos esse algo que um dia fomos. Acredito que não me esqueceste, porque não se esquece quem se ama. Como viverei eu sem aquele

-Amo-te

Ao amanhecer. Ou aquele

-Ficas comigo para sempre?

Ao adormecer. E que será feito de mim agora que adormeço sem ti? O telemóvel toca, mas não és tu. O que esconderá o teu silêncio? Por que razão te escondes no teu silêncio? Custa-me o mundo esse silêncio. Acredita quando digo

-Ainda te amo

A meio de uma mensagem. Um dia fomos imensos. Um dia fomos fantásticos. Um dia fomos quase eternos. No entanto, as coisas boas também acabam - um dia.

Pedrodrigues

(Crónica do mês de Agosto na revista Algarve Mais)