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sexta-feira, 24 de maio de 2013

Crónica feliz


Se te pedissem para escreveres, escrevias? Se te pedissem mesmo, com muita vontade, com vontade genuína, com alguma esperança, – nem muita, nem pouca – se te pedissem mesmo, com um brilho nos olhos, cientes que compreendes, que sabes, que inventas por já teres vivido, por estares, se te pedissem mesmo, escrevias?
Se te pedissem para ficares, ficavas? Se te pedissem

- Não vás! Por favor, fica!

Com a certeza que são capazes de te obrigar a ficar porque te pedem. Se te pedissem com todas as palavras que sabem, com toda a vontade que têm, ficavas?
Pergunta a ti mesmo: acreditas? Acreditas em ti? Acreditas que és capaz? Acreditas que podes, mesmo quando levas um murro no estômago, mesmo quando tudo parece não fazer sentido, mesmo quando a sorte te parece fugir entre os dedos, – ou o azar parece atropelar-te de propósito – mesmo quando choras por algo ou alguém, acreditas? Pergunta a ti mesmo: acreditas? Acreditas que o amor é a cura para toda esta merda? Acreditas que um sorriso daqueles que gostas, daqueles que amas, pode mudar o teu dia? Acreditas que o sol e a lua e as estrelas são feitos de átomos e de matéria que não é matéria, ou talvez seja, e que nós vivemos aqui e somos parte dessa matéria e amamo-nos porque os átomos vivem de átomos e tudo na vida está ligado? Compreendes? Acreditas que somos o racional e o irracional, tudo muito bem misturado

-Não entendo como posso gostar de alguém assim.

Ou

-Agora que não te tenho, fazes-me falta.

Uma salada russa de paradoxos. Um compêndio de vontades estranhas. Um

-Não entendo.

Cheio de certezas duvidosas. Entendes esta coisa de que a vida é como um Lego, e cada dia é uma peça, e todos os dias, durante toda a tua vida, tu vais sendo construído. Entendes isso? Já pensaste nisso quando te deitas com a cabeça na almofada? Já deste o teu melhor e pensaste que estavas lá, que chegaste lá, que depois disto só o céu? Já chegaste lá e percebeste que afinal o céu não é o limite, que te podes superar sempre? Já pensaste que depois de lá chegares, de atingires o teu máximo, só podes descer? Já pensaste bem nisso?
Se te pedirem para amares, amas mesmo? Brincas ao amor? Não brinques ao amor. Diz-lhe

-Ter-te sem te ter. Querer-te sem te tocar. Sentir-te quando não estás. Amar-te mesmo assim, porque não vejo razões para não te amar.

Às vezes é só isto que as pessoas querem ouvir

-Não vejo razões para não te amar.

Não custa nada seres sincero. Não custa nada amares de tripas de fora – como ama quem realmente ama. Não custa nada olhares alguém nos olhos e dizeres

-É de ti que gosto.

Não custa nada. Permite-te ser feliz. Faz alguém feliz. Não vivas uma vida de enganos e enredos e novelas amorosas. Não espalhes o “quase amor”. Não existe o “quase amor”: ou é amor, ou é outra coisa. Não sejas um malabarista das palavras, um prostituto dos sentimentos, não inventes se não sabes, se não sentes, se não entendes. Não digas que fazes para não te magoares. Não digas que tens de ser porque já sentiste e já sofreste e já choraste e já estiveste na merda. Acontece a todos, mas a vida continua. Uma coisa que fui aprendendo: depois de um pequeno amor, há um grande amor. Os romances vão e vêm como as estações. Mas o amor, o verdadeiro amor, é como o sol. Mesmo quando está atrás das nuvens, o sol não deixa de ser sol. Já reparaste?
Lembra-te disto. Lembra-te de mim. Lembra-te de tudo aquilo que te trouxe até aqui. Hoje sou eu que te escrevo. Amanhã és tu que me lês. É esta sucessão das coisas que te deve fazer acreditar. Acredita que hoje és feliz, e amanhã lembra-te: hoje é um bom dia para voltar a ser feliz.

PedRodrigues

terça-feira, 14 de maio de 2013

Crónica de incentivo


É como dizem por aí: tudo o que começa, um dia, acaba. Tudo tem de acontecer por uma razão e acabar por uma razão. Não há volta a dar. Não há nada a fazer. Todos sonhamos com os finais felizes. Com os eternos clichés dos filmes. Todos procuramos um romance, um verdadeiro romance, um romance à moda antiga, à prova de bala e de tempestades. Damos o nosso melhor e queremos que tratem o nosso melhor com respeito – como merece ser tratado. Às vezes somos enxovalhados, maltratados, esconjurados. Sofremos horrores, mas teimamos em querer mais. Teimamos em ver a luz ao fundo do túnel. Pensamos, refletimos, choramos um pouco, – por vezes não chega chorar um pouco – pensamos novamente, rebobinamos, mas lá no fundo queremos aquele final feliz. Queremos o beijo eterno. Queremos o beijo que parece eterno e com que os filmes acabam. Príncipes e princesas que serão reis e rainhas. Amores épicos que sobrevivem a guerras e tiroteios e ferimentos. Queremos aquilo a que temos direito. Convenhamos: temos direito a tudo. Temos direito a muito mais que aquilo a que estamos sujeitos. Somos mais, somos melhores, somos imensos. Não vivemos à base de quases, embora muitas vezes pensemos que sim. Precisamos de mais, precisamos de muito mais. Não nos contentamos com o fugaz, com o efémero, com os amores de bolso do dia a dia. Queremos ser o romance na vida de alguém. Queremos alguém que seja o nosso romance. Não nos contentamos com pouco. Nós somos tanto. Tanto, tanto. Somos os loucos que acreditam que as estrelas do céu escondem segredos. Somos os loucos que desejam sorrisos. Somos os loucos que acreditam na felicidade e no amor. Somos os loucos. Os loucos. Os loucos. Os loucos. Somos melhores por pensarmos assim. Somos Verão durante o Inverno. E Primavera quando o gelo esconde as flores. Somos os segundos dos minutos e os minutos das horas. Chego a pensar que somos os dias dos anos que passam por nós. Somos fórmulas gastas. Somos os parvos, os palermas, os patetas. Os ultrapassados que julgam existir algo mais. Não existe. Nunca existe. Mas nós não deixamos de acreditar. Talvez por isso sejamos tão felizes. Talvez por isso não tenhamos nada nas mãos a não ser um punhado de ar. E até o ar nos faz sorrir. Quando somos verdadeiramente felizes, até o ar nos faz sorrir.

PedRodrigues

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Amanhã escrevo-te outro poema, meu amor


A vida tem o condão de seguir sem nos pedir licença. Uma das coisas que aprendi nestes oitenta e dois anos é que a vida, ao contrário dos homens, não se importa com quem vai ou com quem fica. Hoje sou aquilo que restou do homem que um dia fui. Hoje os joelhos não me permitem ser o mesmo maratonista de outros tempos. O coração não me deixa viver na adrenalina dos meus vinte anos. A minha cabeça teima em confundir os aniversários dos meus netos. Hoje o meu corpo é o meu maior inimigo.
Faz este ano sete anos que o amor da minha vida partiu. Deixou-me aqui, a cair aos bocados, sozinho. Dei por mim a procurar novas alegrias. Vi bisnetos que ela não viu. Vi casamentos que ela não viu. Vi tantas coisas que ela gostaria de ter visto e não viu. Como sinto saudades dela. Como sinto saudades daquela mulher que julgava ser eterna. Nunca dei o devido valor à felicidade que era tê-la ao meu lado. Hoje a vida segue sem ela. Eu sigo sem ela e sinto um aperto no peito de cada vez que penso nela. Aprendi da pior maneira que devemos agarrar-nos com unhas e dentes a cada segundo que passa. Que a felicidade não é um dado adquirido. Um dia aquilo que temos pode passar a ser aquilo que tivemos. A vida tem mania de tornar o presente no passado. E o futuro, aquela coisa que parece estar tão distante, às vezes torna-se no presente sem darmos conta.
Hoje, à medida que o calor do sol se mistura com o calor do sangue que corre nas minhas  veias, sonho acordado com os momentos partilhados de outrora. Deixo-lhe num papel um poema

Talvez não saibas
Mas eu sei
Que a vida sem ti
Não faz sentido
E o que havia para ser vivido
Já lá vai
Serei para sempre teu
Porque não sei ser
De outra forma

Um dia disseram-me que é suposto os poemas rimarem. Que a poesia sem rimas não faz sentido. Mas a verdade é que já nada nesta vida faz sentido. Sem ela era capaz de jurar que os rios não correm para o mar; que temos o céu por baixo dos pés e a terra sobre as nossas cabeças. Era capaz de jurar que, sem ela, a vida é uma morte lenta. Amanhã – se cá estiver - escrevo-lhe outro poema.

Amanhã escrevo-te outro poema, meu amor.

(Escreveu ele, no papel.)

PedRodrigues

(Texto escrito para a edição de Maio da revista Algarve Mais)