Faz hoje um ano que te vi pela última vez. Um ano. Depois de teres partido aconteceram muitas coisas, avô. Depois de ti entrei numa casa cujas portas já não chegaste a passar. Acabei um novo livro cujas palavras nunca chegaste a ler, mas que te dediquei. A escrita é uma forma de te continuar, mas a saudade não cabe inteira nas margens do papel, acaba sempre por transbordar. Agora já não te oiço a leres-me em voz alta as notícias, com o dedo a apontar as palavras com medo que elas escapem. Quando regresso a casa olho para o sofá da sala, agora sempre vazio, esperando que te levantes e me esmagues os ossos com um abraço. O pai ocupou o teu lugar na mesa, ao meu lado. Um ano, meu amigo. Um ano. O tempo tem sido generoso comigo, em parte. As pessoas continuam a achar que os anos não passam por mim. Mas passam, avô. Elas não conseguem ver os vazios que trago por dentro. Acreditas que não faço a barba há mais de um mês? Se aqui estivesses teria de te ouvir dizer que pareço um pilantra, no teu tom bruto. Até disso tenho saudades. O nosso Benfica não anda a jogar nada, mas pode ser que ainda lá vá. Há umas semanas fui ajudar a mãe ao cemitério, a campa ficou bonita, com flores frescas que me faziam lembrar a primavera. Acredito que desse lado as andorinhas te cantem ao ouvido. A mãe está bem, acho que todos os dias fala de ti. É impossível esquecer-te, sabes? Sou-te sincero, não sei o que para aqui escrevi, porque ainda não reli, mas tudo o que queria era transformar estas lágrimas que estou a chorar num texto que não te deixasse partir inteiramente. Entretanto tenho de ir almoçar, para voltar ao livro que estou a escrever. Mais logo vou para o futebol, mas não te preocupes que não me aleijo. A única coisa que me dói de momento é esta puta desta saudade. Vou parar de escrever, por agora.
Espero que seja Primavera onde estás, meu amor.
Do teu pombo,
Pedro