Às vezes um silêncio enorme
que me deixa a pensar. Todos os pensamentos misturados de negro mudo. Uma
imensidão vazia, como fechar os olhos sem adormecer. Fitar os espectros da
vontade de te olhar, de te ver, de te tocar. Deste lado onde nada parece igual.
Onde cresço à socapa do tempo: evitando as rugas, evitando as chagas. Deixando
as feridas abertas para me lembrar. Há dores que nos consomem; há dores que nos
despertam. Ouvi o meu avô dizer que o mar é só muita água junta. E que no meio
do mar há apenas mais mar, e no meio desse mar há esperança de terra.
Esperança. Deixamos que as águas nos levem à deriva, na esperança de
encontrarmos terra, mas nem sempre as correntes estão a nosso favor. Por vezes
temos de remar. Dar de nós. A vida nem sempre nos sorri. Nós nem sempre lhe
sorrimos de volta. Às vezes um “puta que pariu” sabe tão bem. Às vezes um
pontapé numa pedra que está no nosso caminho sabe tão bem. Às vezes uma lágrima
sabe tão bem – e um rio delas?
A vida é uma puta sádica que
gosta de nos ver sofrer. Eu devo ser um masoquista do pior, por continuar a
acreditar em dias mais felizes. Mas, se assim não for, que me resta? Desisto de
remar? Deixo-me levar pela corrente até um dia me afogar na procura de terra?
Fecho os olhos. Respiro fundo. Lambo as feridas. Invento um novo tempo. Começo
do zero noutro referencial. Guardo a bagagem. Não a apago. Recordar os erros é
meio caminho andado para não os voltar a cometer. Feridas abertas que nos
destroem ou constroem.
(Reparei agora que, ao longe,
consigo tapar a lua com as minhas mãos.)
Não tenho medo daquilo que o
futuro me reserva. É esta adrenalina de não saber que me dá vontade de seguir
em frente. O chão é construído e pisado e caminhado. As chuvas limpam a poeira,
mas não apagam os passos. As luzes da cidade iluminam o que a escuridão queria
esconder. Há putas e poetas e pessoas que morrem de amor. A uma certa
distância, tudo isto nos pode parecer pequeno. A uma certa distância, todos
parecemos mais pequenos que aquilo que realmente somos. Não nos enganemos. Ao
longe, a lua cabe na palma das nossas mãos. E a lua é enorme. Não é?
PedRodrigues