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segunda-feira, 25 de abril de 2016

25/04

Falavam em liberdade
mas cortavam as palavras
e tentavam moldar-nos
em quadrados obedientes.
Vivemos na moldura
presos à ideia de sermos livres.

PedRodrigues

sexta-feira, 22 de abril de 2016

Casa

Tão bom chegar
onde os lençóis lavados, a roupa
devidamente engomada, o cheiro
a café acabado de fazer e os abraços
apertados nos fazem perceber que
nunca partimos inteiramente.

PedRodrigues

quinta-feira, 21 de abril de 2016

720

No autocarro 720 vai uma menina. Ninguém lhe parece ligar muito, embora ela gesticule freneticamente, enquanto solta sons agudos indistinguíveis. À sua frente vai - julgo - a sua mãe, ou alguém encarregado de a vigiar. Só lhe vejo os cabelos grisalhos, sem nunca lhe ver a cara. Apesar de todo o aparato que a menina faz, as pessoas passam e nunca se sentam perto, como que com medo de serem contagiadas por uma doença qualquer. A menina é deficiente. Imagino que siga a caminho do Hospital da Estefânia, com a senhora. Está sempre a sorrir e a gesticular. Parece feliz. E ninguém que tenha a perfeita noção da realidade consegue ser tão feliz e sorrir tanto. As pessoas entram no autocarro e continuam a afastar-se. Terão medo que a felicidade, ou a ignorância sejam contagiantes?


PedRodrigues

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Lisboa, nos dias feios


Os chapéus de chuva escondem rostos chateados, avançando sobre pernas apressadas. Há quem dance, com o vento, imitando os ramos das árvores. As velhas amaldiçoam os motoristas dos autocarros que, a custo, engolem os insultos e os horários, sem darem resposta. O céu de chumbo parece demasiado pesado para continuar a ser céu, e por vezes acaba por cair sobre as cabeças dos mais distraídos. Nos semáforos os carros apitam, porque entre a origem e o destino há uma estrada demasiado longa. Nos dias feios, as pessoas parecem não ligar à beleza da cidade. Desconfio que nunca olharam bem o recorte fino das nuvens no horizonte do Tejo. Os jeitos infantis dos pingos a caírem sobre as velhas estátuas. A beleza sórdida no cheiro do asfalto oleoso molhado: um afrodisíaco citadino. Os quadros pintados nos vidros espelhados dos edifícios, uma espécie de ode aos tons cinzentos dos filmes antigos. As flores arrebitadas nos vasos das varandas ancestrais. Lisboa é uma cidade bonita, mesmo nos dias feios. Só é preciso saber parar um pouco: respirar, olhar, escutar. Esquecer, por segundos, a velocidade dos dias. A beleza nasce da tempestade. E Lisboa nunca se destacou pela calmaria.

 

PedRodrigues

quinta-feira, 7 de abril de 2016

Canção simples

Há coisas simples:
como desenhar corações
ou dizer amor
em traços gerais:
o teu nome
escrito com a grossura
dos meus dedos
no interior de uma
janela poeirenta
Há coisas simples:
como ler em braille
na tua pele
todos os arrepios.
ou desenhar corações
taquicárdicos com urgência
de amar.
Há coisas simples.
Há coisas muito simples.

PedRodrigues

domingo, 3 de abril de 2016

Memória das flores


Tempos há
em que o vento
sopra do reverso
e o verso
nasce nas folhas
das flores
que jurei
um dia te dar.

 
Tempos há,
em que as flores
apanhadas e juradas
regressam ao verso
e o reverso
desse poema
nasce devagar
no teu olhar.

 
PedRodrigues