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quarta-feira, 29 de outubro de 2014

O último poema de Outubro

O que mais me custou quando partiste foi pensar que
passaria mais um inverno sozinho.
Não guardei de ti calorias de amor suficientes para
me manter  quente nos dias gelados que se aproximam.

Vem o frio, vem a chuva
e nada disso parece fazer sentido sem ti.
Os dias são mais pequenos e
as noites mais longas.

A solidão é um banho de água gelada.

Talvez morra de hipotermia.



PedRodrigues

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

O meu lugar


Nem sempre o horizonte é uma linha recta - pelo menos aqui. Noutro lugar, haverá outros horizontes. Talvez sejam linhas rectas, ou não. Não sei. Conheço o horizonte deste lugar. Embora por vezes ainda me surpreenda. Conheço o horizonte do meu lugar. Foi aqui que nasci. Foi aqui que cresci. Foi aqui que dei o meu primeiro beijo. É aqui que me perco. É por aqui que desespero, quando estou longe. Este é o meu lugar. Diz-se que “casa é onde o coração está”. Não podiam estar mais certos. Vá para onde for, a minha casa vai comigo. É por este horizonte que desespero – e ainda cá estou. Tenho vontade de conhecer o mundo, tenho vontade de viver noutros lugares, de conhecer e viver novas culturas. Mas este será sempre o meu horizonte: um mar de prata imenso, que se desmancha freneticamente na areia. Para onde quer que vá, levarei este cheiro comigo. O toque salgado das areias e das algas deste mar. É bom partir, se tivermos para onde regressar. Tenho para mim que a vida se perde numa circunferência: começa e acaba no mesmo ponto. Tenhamos nós a sorte de acabar de a desenhar. Tenhamos nós a sorte de partir, para regressar.

 

PedRodrigues

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Não sei que título dar a isto


Não quero olhar para ti e pensar que foste aquela que deixei fugir.
Vou esperar que o tempo passe, a poeira assente e tudo volte ao sítio certo – se é que há um sítio certo.
Vou esperar pela neblina da manhã do primeiro dia da primavera, pelo vermelho fogo do pôr-do-sol do primeiro dia de verão, pelo cheiro da terra molhada do primeiro dia de outono, pelo calor humano partilhado na primeira noite de inverno.
Vou esperar. Sem pressa de nada. Sem vertigens de ansiedade.
Vou esperar no meu canto, sem te pressionar.
Não vou adiantar os ponteiros do relógio. Rezar aos anjos e aos santos para que o tempo acelere. Não me vou desdobrar em pensamentos, ou invenções. Não me vou lamentar, como um parvo.
Vou esperar.
Devagar, o momento certo há-de chegar. Quero estar preparado.
E quando olhares para mim, espero que digas que sou aquele que acertou.
Quero ser aquele que ficou.

 

PedRodrigues

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Às mulheres que terminam capítulos

Então saiu à rua. Muito senhora de si. De lágrimas guardadas na mala, ao lado da maquilhagem. De esperança nos olhos e sonhos desenhados nas palmas das mãos. Às vezes é preciso um ponto final, e não uma vírgula. Os capítulos começam com letra maiúscula – aprendeu na escola. Olhou para trás e ele ainda lá estava. Se deres mais um passo, cais no precipício, pensou. Já não há chão entre nós. Acabou. Desabou por completo.  Se deres mais um passo cais no precipício. Agora eu avanço sem ti.  Já nada nos une. Já nada de bom nos une. Já nem as lágrimas te choro. Já nem o luto te faço. Acabou. Acabamos por perder aquilo que não sabemos guardar. E tu perdeste-me, pensou. Nem uma palavra ela disse. Nem um som ela fez. Nem uma última lágrima, por ele, ela chorou. Diz-se que o destino é um corredor muito longo com várias portas. Ela acabara de fechar uma. E preparava-se para abrir outra.


PedRodrigues

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Seis de Outubro


Não foi pelo primeiro olhar que partilhámos – e acredita, pareceu eterno. Não foi pelo primeiro beijo: lábios nos lábios. Não foi pela vontade revolucionária de mudar o imutável - tempo e espaço - que me separavam dela. Não foi pela primeira conversa que tivemos: as horas transformadas em palavras e sentimentos. Não foi nada disso. Nem sequer a necessidade urgente de lhe dizer as palavras que se atropelavam por dentro como que com pressa de sair. Nada disso. Não foram os suspiros que me percorriam o corpo, na busca de segredos que teimava em tentar esconder. Não foram os sonhos inventados de vidas futuras partilhadas lado a lado: ilhas na corrente. Não foram as gargalhadas estridentes a ecoarem pelo quarto. Não foi nada disso. Apesar de tudo isso parecer suficiente. Apesar de tudo isso parecer bastante. Não foi pela sorte de a ter conhecido. Não foi pela estabilidade no meio do caos, ou o caos no meio da estabilidade. Não foi pelo desafio de a fazer sorrir a primeira vez. Não foi por nada disso. Nem dos olhos eu me esqueço, nem da boca eu me esqueço, nem do nariz eu me esqueço, nem dos cabelos eu me esqueço, nem do cheiro, nem dos sinais, nem das curvas, nem da voz. Mas não foi por isso que me apaixonei por ela. Foi pela forma como ela dançava para mim, como se eu cantasse uma música que só ela conseguia ouvir.

 

PedRodrigues