Já
faltou mais para que um dia destes tenha de passar de espectador atento desta
realidade, a interveniente inconformado com o rumo dela. Aliás acho que essa
hora acabou de chegar, visto que atingi o limite - que penso ser o natural -
para lidar com a imbecilidade.
Lembro-me
de algumas histórias que ouvia da boca de estudantes mais velhos no ano em que
entrei para a faculdade. Uma delas sempre me intrigou: “há professores que
mandam os exames ao ar: os que ficarem em cima da cama passam, os que caírem no
chão chumbam.” Naquela altura nada disto fazia sentido. Vinha de um mundo
totalmente diferente, em que os professores nos avaliavam pelo nosso verdadeiro
valor e mérito, nos acompanhavam todos os dias, sabiam o nosso nome e
distinguiam-nos no meio de uma multidão. Vinha de um mundo justo, onde tudo
funcionava na devida proporção: os alunos sentavam-se para aprender, os
professores esforçavam-se para ensinar. E vindo deste paraíso pedagógico,
custava-me acreditar em todas aquelas histórias que ouvia pelo menos uma vez
por mês da boca dos mais velhos. Anos passados, dou por mim a boiar, como um
cadáver, neste rio de merda a que damos o paradoxal nome de Ensino Superior.
Hoje é a minha vez de posar como aluno mais velho e contar aos mais novos, e a
todos os outros, as fantásticas histórias dos vampiros das bolsas de
investigação a quem também chamamos paradoxalmente de professores. É triste
constatar que despendemos milhares de euros para nos sujeitarmos a um
tratamento de segunda como se não fossemos dignos de algo mais e ainda, ao
mostrarmos a nossa indignação, ouvirmos da boca de um desses senhores: “se querem
ser bem tratados paguem propinas mais elevadas”. O que demonstra da sua parte
não só falta de tacto, como também um egoísmo desmedido. No entanto é este o
mote de tantos outros que se passeiam pelos corredores desta faculdade,
entrando nas salas sem vontade alguma de ensinar, arrastando-se por obrigação. Na
altura em que o tratado de Bolonha entrou em vigor todos os problemas pareciam
resolvidos. A ideia era a de um ensino presencial em que os alunos teriam o
papel mais importante: dinamizar o processo de estudo e aprendizagem. Para os
professores tornou-se num alívio, tinha começado a era do “chame-me se tiver
dúvidas”. O grande problema é que não há dúvidas se não houver estudo e para
haver estudo é necessário alguém que ensine. Assim sendo, o papel do professor
seria não só procurar as dúvidas, mas fomentá-las. Não deveria caber ao aluno
ser autodidata quando há alguém que é pago para ensinar. Da mesma forma que não
deveria haver um tratamento especial aos alunos apenas porque vão às aulas e
aos gabinetes. A função do pedagogo será sempre ensinar e avaliar, mas avaliar
de forma objectiva: merece passar: passa; não merece passar: não passa.
Enquanto situações como esta acontecerem
“Você
tem exame para doze, mas os seus trabalhos não estão grande coisa. Estão
positivos, mas podia ter tido uma nota como aqui a do seu colega, olhe aqui os
trabalhos dele. Venha cá para o ano que você tira uma boa nota a isto. Este ano
dou-lhe o nove, mas para o ano você vai tirar uma grande nota e agradece-me”
em
que o professor me reprova com exame para doze, a injustiça continuará a
reinar. Enquanto um professor passar cinquenta por cento dos alunos inscritos a
exame e reprovar os outros cinquenta sem sequer se dignar a meter as
notas na pauta, a injustiça continuará a reinar. Mais: enquanto nós alunos soubermos que
temos condições para ser aprovados a uma disciplina, ao passo que outros declaradamente
não têm e mesmo assim esses mesmos alunos que não tinham condições para ser
aprovados o são, enquanto os outros que estudaram sabem o que fizeram e têm
todas as condições para ter pelo menos um dez reprovarem, a injustiça
continuará a reinar. Enquanto nos obrigarem a rastejar por aquilo que merecemos, a injustiça
continuará a reinar. Enquanto optarmos pelo silêncio, a injustiça continuará a
reinar. Enquanto nos chuparem o sangue e o dinheiro sem nada recebermos em
troca, continuaremos a ser o país dos iletrados com canudo. Mas duma coisa
podem ter a certeza: depois do dia de hoje há mais uma voz que não se cala.
Estou farto desta merda até aos ossos.
PedRodrigues