Páginas

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Tentar esquecer

Tentar esquecer deve ser das coisas mais difíceis do mundo.
Durante a nossa vida, esquecemo-nos de tantas coisas. Coisas banais: como as chaves do carro, ou da casa, o sítio onde deixámos aquele número apontado, que agora nos faz falta, de uma ou outra data de aniversário. Esquecemo-nos de tudo, menos daquilo que nos queremos esquecer. Obrigar a esquecer é um exercício que desafia a lógica. Temos a mania sádica de guardar as mágoas. De repetir a angústia dos momentos tristes, como se o botão de repetição estivesse encravado. De reviver os momentos que um dia foram uma alegria imensa, mas que agora apenas se arrastam por dentro como fantasmas dispostos a atormentar-nos de cada vez que as luzes se apagam. O amor é um bicho do caraças. Quando amamos com as tripas de fora – a única forma de amar que conheço -  julgamos que a nossa felicidade será, para sempre, à prova de bala. Mas até os amores à prova de bala podem ser feridos mortalmente. Somos definidos pela nossa fragilidade. As nossas relações acompanham-nos. Aqui, no campo de batalha, no meio da lama, todos podemos cair: a perfeição serve apenas para nos obrigar a olhar em frente. O que fica depois da queda, além da lama no rosto, são as recordações, as memórias, as chagas. Tentar esquecer, deve ser das coisas mais difíceis do mundo. Obrigar o coração a avançar é impossível: deve ser por isso que ele bate por conta própria. Um dia partilhámos beijos, carne na carne, palavras de amor, alma na alma, momentos, cidades, imagens, danças, sorrisos. Como podemos obrigar-nos a esquecer quem amámos, quando aquilo que queremos esquecer, é aquilo que os faz ficar? São estes paradoxos que nos desgastam por dentro. São estas as cólicas que nos deixam a pensar: se o amor é uma máquina de criar monstros, talvez o melhor seja amar de caçadeira na mão. E no entretanto entre este pensamento e a próxima insónia, acabamos por esquecer tudo isto. Caímos na armadilha e voltamos a dar de nós. Porque, apesar de tudo, o amor é necessário. Um dia há-de ser de vez. Ninguém sai daqui vivo – li eu, um dia destes. 

(Um sorriso, depois do ponto final.)

PedRodrigues

2 comentários:

  1. Tentar esquecer é mentir, a nós mesmos, sobre algo que (não) sentimos. Porque o amor é estúpido, tão estúpido que é o sentimento mais desnorteante e estonteante que existe.
    Porque é que temos de esquecer se amamos? Porque é que há quem não veja nem dê valor ao sentimento? Será que é assim tão mau amar alguém?
    É o pior do mundo, quando se dá e não se recebe, após tanta batalha, tantas feridas. O amor cansa. O amor chora. O amor é estúpido. Mas de não fosse assim era pior.
    Desistir é apenas o ponto de ebulição do amor. E ainda assim, nem sempre a intenção resulta bem. Porque o amor não deixa desistir. E isso é a pior parte. Continua-se a sangrar sem cicatrizar até que haja algo que consiga ser melhor. Mas é tão dificil. 😃

    Escrever só acalma naquele momento. Porque depois volta ao mesmo. :)

    Btw, gostei do que andei a ler, por aqui. :)

    ResponderEliminar
  2. Sempre acreditei que nunca esquecemos, apenas não nos lembramos.
    Quando uma ferida dói e corrói por dentro apercebemos-nos e habituamos-nos a essa dor e essa dor fica sempre lá, sentes a dor contigo para onde quer que vás quando ela ainda está de chegada, mas depois o tempo passa e a dor é-te intrínseca, deixas de te lembrar que a tens e segues a vida à procura de outras dores e destruições. Isto da vida revela-se um tiroteio constante e por muito que já tenhas lutado nunca te vais habituar aquela sensação de que podes ser atingido a qualquer momento, e tu sabes que serás atingido portanto mais vale guardar o medo no bolso e amar com as tripas de fora ( como tu dizes ) e eu acredito que será mesmo a melhor forma de amar.
    Nunca tinha lido nenhum texto teu, incrível, continuarei a ler e a surpreender-me. Reconforta-me saber que há por aí almas assim.

    ResponderEliminar