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segunda-feira, 12 de março de 2018

Sociedade de plástico

O mundo está a acontecer. E nós estamos demasiado presos aos nossos computadores e smartphones. Agarrados às promessas de plástico que vamos fazendo ao longo do tempo, e escrevendo nas nossas redes sociais. Todos os dias nos entram as notícias pelos olhos, como mosquitos que se despenham no pára-brisas de um carro a cento e vinte na autoestrada. O mundo está a acontecer. Com guerras, doenças, tragédias naturais. E nós agarrados ao nosso umbigo. Escondidos atrás dos ecrãs, longe das hecatombes, comentando à distância e esperando que as pessoas vejam a tamanha solidariedade das nossas palavras. Que nos vejam como a encarnação de anjos e santos. O mundo está acontecer e nós estamos cada vez mais presos aos filtros com que vamos maquilhando a realidade. Inventando novas formas de alimentarmos o ego. Será que com esta foto terei mais seguidores? Será que com estas palavras terei mais mensagens de carinho? Ninguém se apercebe do desfile do tempo a passar pelos corpos, porque os filtros vão mascarando a realidade. E, na verdade, na sociedade de plástico as promessas são descartáveis, os amores são descartáveis, as amizades são descartáveis. Andamos aqui todos a regar as plantas de plástico, enquanto as árvores na rua vão morrendo. Encarcerados em casas de espelhos, medindo o tamanho dos músculos, como quem procura uma razão para se declarar no mundo, se destacar pela aparência. E cada vez mais estamos presos às nossas versões digitais. O mundo a acontecer lá fora. A paisagem, o lugar, a companhia. E nós a querermos viver através do ecrã. Só mais uma fotografia. Só mais um vídeo. Olha, está chover. Que saudades do sol. Uma fotografia. Olha, está sol. Que saudades das chuvas de inverno. Uma fotografia. Nunca estamos satisfeitos. E o mundo a acontecer lá fora. A desfazer-se lá fora. Sabem, dou por mim, por vezes, a pensar na primavera. (Várias vezes.) Falo muito nas flores, nas ondas, no sol, na chuva. Eu sei. São a minha poesia. A poesia a acontecer lá fora.
Sabem que mais? Dou por mim a pensar, enquanto o manto negro da noite cai sobre a cidade e os candeeiros começam o seu espectáculo luminescente: não precisamos de pintar as flores. Não precisamos, de maneira alguma, de pintar as flores. 


Pedro Rodrigues


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