-Há
coisas que tu não sabes e há coisas que eu não te digo.
Apertava-a
com toda a força do mundo e toda a força do mundo não lhe chegava. Sentia-a na
pele do pescoço a misturar-se de respiração em cada milímetro. Beijava-lhe os
ombros seminus enquanto fechava os olhos e pensava que realmente existiam
coisas que não eram ditas, coisas que ficavam caladas pelos cantos: mudas,
estranhas, trágicas. Como calar as coisas que nos magoam? Pensava ele enquanto
a tentava esmagar no seu peito. O coração dela batia em uníssono com o dele e o
mundo completava-se no seu abraço.
-Há
coisas que não sabes
Gritava
ele na sua cabeça. Delirava de febres extremas vindas sabe-se lá de onde.
Gritava de garganta em riste, amaldiçoando o mundo
-Não
sabes e eu não te digo
Berrava
naquele abraço e naquele abraço continuava-se de horizonte até ao infinito.
Passava-lhe a mão pelos cabelos. E que cachoeira de linho seria aquela que lhe
caía pelas costas? Que mulher era aquela feita de girassóis e flores do campo?
Que cheiro era aquele que desdenhoso se misturava no ar e incrustava-se nas
suas narinas? Há coisas que não devem ser estragadas por aquilo que sabemos e
assim sendo devemos sorrir de ignorância e viver de ignorância e vivendo assim:
ignorantes mas felizes, caminhamos pelo mundo com uma facilidade imensurável.
Dando o nosso melhor caminhamos. Tropeçando no pior caminhamos. Seguimos até
deixarmos de ser vistos. Há coisas que merecem ficar por aí perdidas. Neste
mundo só se transforma o que nos pertence. Só nos pertence o que não nos foge
pelos dedos. E mesmo o que nos foge pode ser nosso até um dia.
-Há
coisas que nos fazem felizes
E
que coisas são essas? E que pessoas são essas? E que momentos são esses? Perguntava-se
ele perdido de razões naquela eternidade, naquela pequena eternidade. O sangue
misturava-se, o ar misturava-se, os corpos misturavam-se, eles misturavam-se.
Tudo se misturava numa simbiose perfeita de amor quase eterno. Olhavam-se nos
olhos um do outro e viam-se nos olhos um do outro. Existem coisas que não
sabemos. Existem coisas que merecem ficar guardadas. Merecem existir em
silêncio e enquanto forem silêncio não existem. Somos felizes nessa mudez.
Somos felizes.
-Há
coisas, sabes?
Na
paz daquele abraço nem ela nem ele eram mais ou menos reais que essas coisas. Na
paz daquele abraço: nada. Ali, ao longe, para lá do infinito dos corpos deles,
existia o mundo. Ali, naquele momento não existia nada a não ser eles. Eram o
sol, e a lua, e o mundo, e as estrelas. Brilhavam. Brilhavam muito.
-Há
coisas que nos fartam.
-Porquê?
-Porque
existem.
E
ali ficaram enraizados enquanto, infinitos, olhavam um para o outro.
PedRodrigues
texto fantástico
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