Todos
os Domingos a mesma coisa. Deixa a mulher em casa e vai para o café ver o
futebol com os amigos. Entra, religiosamente, uma hora antes do jogo, compra um
maço de cigarros e pede uma cerveja. Senta-se sempre na mesma mesa, junto à
televisão. Acende o primeiro cigarro e começa o falatório habitual de
fim-de-semana com os seus companheiros de bancada. Falam do tempo
-Isto
anda tudo mudado…
(De
cigarro pendurado nos lábios num trapezismo apavorante)
-Onde
já se viu?
Que
antigamente é que isto andava tudo nos eixos: no inverno chovia, no verão fazia
sol.
-Agora
anda tudo mudado…
Acaba-se
o assunto com a cerveja e vão pedindo mais uma rodada de forma a aguçar a língua
e hidratar as gargantas - que ainda há muita conversa para meter em dia e não
vale a pena esforçar as cordas vocais. Entre cigarros e cervejas vão discutindo
o dia-a-dia do país num tom imperativo de quem sabe o que está dizer. Sempre
com um brilho de ministro-das-finanças nos olhos. Cheios de soluções nas algibeiras.
Confrontam-se num duelo de titãs da economia a desbobinar casos da vida lá da
vila. Do vizinho que foi posto na rua pelo senhorio porque não tinha dinheiro
para pagar a renda, ou do outro que era dono do talho mas também abriu
falência, e depois lá vem a exceção que confirma a regra: aquele das heranças
que se farta de construir prédios por aí. Vão desmascarando todos os males,
solucionando todos os problemas, contando que as cervejas continuem a chegar à
mesa e os cigarros não lhes faltem.
-Ai
se eu estivesse no governo…
Acredito
piamente nas palavras deles. Digo mais: votava neles. Inspiram-me confiança,
têm cara de quem sabe o que faz. E, a menos que faltem as cervejas ou os
cigarros, ideias e soluções nunca serão um problema.
(Na
televisão começa o jogo)
As
rodadas continuam a chegar e o assunto agora é outro. No meio das goladas cada
vez mais sôfregas vão amaldiçoando o árbitro, por roubar sempre os mesmos; os
jogadores, por nunca jogarem bem quando é preciso; o treinador, que é um
trauliteiro que ali anda, sem saber que fazer com os jogadores. De maneira que,
no final das contas, eles deveriam estar a treinar uma equipa de futebol
-Ai
se eu fosse o treinador…
E eu
continuaria a acreditar neles. Não duvido que seríamos campeões com as táticas deles.
Tenho para mim que os jogadores com eles jogariam o dobro. E a corrupção, de
que tanto se queixam, seria apenas uma miragem. Dêem-lhes cerveja e cigarros.
-Comigo
é que eles jogavam…
No
final do jogo sobra-lhe o cartão do maço de tabaco. Todos os Domingos a mesma
coisa. Levanta-se da mesa a cambalear, despede-se efusivamente dos seus
camaradas, mete as cervejas na conta que está por pagar há mais de uma semana e
segue a sua vida. Quando passo à porta da casa dele oiço sempre a mesma gritaria
com a mulher. Se ela soubesse o que eu sei, recebia-o de cerveja na mão e
cigarro na boca. Ninguém resolve problemas de garganta seca e língua
enferrujada.
PedRodrigues
(Crónica da edição de Maio da revista Algarve Mais)
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