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quarta-feira, 2 de maio de 2012

As soluções de Domingo


Todos os Domingos a mesma coisa. Deixa a mulher em casa e vai para o café ver o futebol com os amigos. Entra, religiosamente, uma hora antes do jogo, compra um maço de cigarros e pede uma cerveja. Senta-se sempre na mesma mesa, junto à televisão. Acende o primeiro cigarro e começa o falatório habitual de fim-de-semana com os seus companheiros de bancada. Falam do tempo

-Isto anda tudo mudado…

(De cigarro pendurado nos lábios num trapezismo apavorante)

-Onde já se viu?

Que antigamente é que isto andava tudo nos eixos: no inverno chovia, no verão fazia sol.

-Agora anda tudo mudado…

Acaba-se o assunto com a cerveja e vão pedindo mais uma rodada de forma a aguçar a língua e hidratar as gargantas - que ainda há muita conversa para meter em dia e não vale a pena esforçar as cordas vocais. Entre cigarros e cervejas vão discutindo o dia-a-dia do país num tom imperativo de quem sabe o que está dizer. Sempre com um brilho de ministro-das-finanças nos olhos. Cheios de soluções nas algibeiras. Confrontam-se num duelo de titãs da economia a desbobinar casos da vida lá da vila. Do vizinho que foi posto na rua pelo senhorio porque não tinha dinheiro para pagar a renda, ou do outro que era dono do talho mas também abriu falência, e depois lá vem a exceção que confirma a regra: aquele das heranças que se farta de construir prédios por aí. Vão desmascarando todos os males, solucionando todos os problemas, contando que as cervejas continuem a chegar à mesa e os cigarros não lhes faltem.

-Ai se eu estivesse no governo…

Acredito piamente nas palavras deles. Digo mais: votava neles. Inspiram-me confiança, têm cara de quem sabe o que faz. E, a menos que faltem as cervejas ou os cigarros, ideias e soluções nunca serão um problema.

(Na televisão começa o jogo)

As rodadas continuam a chegar e o assunto agora é outro. No meio das goladas cada vez mais sôfregas vão amaldiçoando o árbitro, por roubar sempre os mesmos; os jogadores, por nunca jogarem bem quando é preciso; o treinador, que é um trauliteiro que ali anda, sem saber que fazer com os jogadores. De maneira que, no final das contas, eles deveriam estar a treinar uma equipa de futebol

-Ai se eu fosse o treinador…

E eu continuaria a acreditar neles. Não duvido que seríamos campeões com as táticas deles. Tenho para mim que os jogadores com eles jogariam o dobro. E a corrupção, de que tanto se queixam, seria apenas uma miragem. Dêem-lhes cerveja e cigarros.

-Comigo é que eles jogavam…

No final do jogo sobra-lhe o cartão do maço de tabaco. Todos os Domingos a mesma coisa. Levanta-se da mesa a cambalear, despede-se efusivamente dos seus camaradas, mete as cervejas na conta que está por pagar há mais de uma semana e segue a sua vida. Quando passo à porta da casa dele oiço sempre a mesma gritaria com a mulher. Se ela soubesse o que eu sei, recebia-o de cerveja na mão e cigarro na boca. Ninguém resolve problemas de garganta seca e língua enferrujada.

PedRodrigues

(Crónica da edição de Maio da revista Algarve Mais)

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