Sou
da opinião de António Lobo Antunes quando diz que as biografias “contam factos,
acumulam testemunhos, relatam acontecimentos mas é tudo por fora”. E assim
sendo, é-me penoso, quase antinatural, escrever o que quer que seja sobre mim
num contexto autobiográfico. Estaria a enganar-me e a enganar quem me lê, se o
tentasse fazer. Far-me-ia mais alto, mais bonito, mais interessante. Faria de
mim um personagem, enquanto eu, Pedro Miguel Pimentel Rodrigues, ficaria
sentado na cama a ver-me como gostaria de ser visto. Claro que há factos irrefutáveis:
nasci a um de Março de oitenta e sete na Cova-Gala, Figueira da Foz, frequentei
o Jardim Escola João de Deus, fiz o meu ensino primário na Escola da Gala,
passei pela EB 2/3 Dr. João de Barros, bem como pela Escola Secundária Dr.
Joaquim de Carvalho e, neste momento, encontro-me a concluir o Mestrado em
Engenharia Civil na Faculdade de Ciências e Tecnologias da Universidade de Coimbra,
mas tudo isto é sintético, factual, sem nada dizer sobre mim. E acabo com a noção
de que quem lê esta sequência pouco saberá sobre quem sou. O meu gosto pela
escrita vem de longe: começou na primária, continuou no ciclo, onde entrei em
alguns concursos de poesia, e entretanto foi adormecido pelo desejo súbito de
me tornar num homem das ciências, mais que num homem das letras. Continuei a
escrever, mas a faísca de escritor que havia em mim esmoreceu. Passaram-se
dias, passaram-se meses, passaram-se anos e tudo o que escrevia era muito
pouco: um poema, ou uma carta de vez em quando. Ouvia muito, falava pouco e
guardava em mim cada conversa, cada discussão, cada súplica, cada grito de
revolta. Fui vivendo com o corpo atulhado de vozes que, quero crer, a minha
juventude e ingenuidade calaram. Reprimi o que havia para reprimir até ao dia
em que a minha avó morreu. Nesse dia, nesse fatídico dia, o meu corpo tornou-se
pequeno para a vida que havia em mim. Escrevi. Escrevi páginas inteiras
tingidas de lágrimas. Dei de mim ao papel tudo o que tinha cá dentro. Nesse dia
percebi que não mais conseguiria calar as vozes, não mais as calaria. Passaram
quatro anos desde a morte da minha avó até ao dia em que criei Os Filhos do
Mondego, em Novembro de dois mil e dez. Quatro anos em que escrevi para mim, ou
melhor, para as minhas gavetas. Hoje, graças ao meu primo Luís Filipe, escrevo
para dar vida às minhas palavras. Escrevo para dar vida às vozes que trago cá
dentro. Escrevo para o mundo, se o mundo me quiser ler. Desde o dia em que
publiquei pela primeira vez algo no blogue que me sinto a evoluir diariamente
enquanto escritor – perdoem-me a presunção. A prova está nos convites que têm
surgido, entre os quais o da Algarve Mais, revista para a qual escrevo mensalmente
desde Janeiro deste ano, e nas críticas tão positivas de quem lê os meus
textos. Hoje ainda sou um projeto do Pedro Rodrigues que gostaria de biografar
um dia. Hoje, sem rendilhados, sou apenas mais um rapaz com faísca e meia dúzia
de textos editados. Espero que um dia essa faísca dê lugar a um incêndio e o seu clarão
se veja a quilómetros e quilómetros de distância.
PedRodrigues
Muitos de nós gostaríamos de biografar, e espero que entre a vontade e o desejo se tire algum proveito, porque não é só querer. Abraço.
ResponderEliminarNão a tenho a menor dúvida que essa faísca dará, como dizes, lugar a um incêndio capaz de controlar e apagar. Boa sorte.
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