-É a
vida
Realmente,
é verdade: é a vida. Às vezes muda sem nos pedir licença, sem nos avisar. Às
vezes, aquilo que tinha tudo para correr bem, acaba por correr mal. Fazem-se
escolhas. Vivem-se essas escolhas e depois
-É a
vida
Ficamos
admirados a contemplar a vida a atropelar-nos. Acabamos abraçados às paredes de
queixo partido, de dentes partidos, de pernas partidas, de braços partidos, de
coração partido. Acabamos. Desfeitos. Acabamos. E é nos finais que sentimos a
vida no corpo. A despenhar-se na nossa direção a duzentos quilómetros por hora.
É nessa hora, nesse preciso momento, que a sentimos nos ossos e nos músculos e
nas veias. A vida dói. Vai passando por nós sem pedir licença. Levando o que
amamos consigo.
-Vai.
Matando-nos
devagarinho: centímetro a centímetro.
-Não
queres que fique?
(Um
olhar no vazio.)
-É
por querer tanto que fiques, que te peço que vás.
O
relógio da estação a teimar em parar o tempo. Cada segundo mais longo que o
outro. Até o ar parecia parar, teimando em não entrar nas narinas, em não
chegar aos pulmões.
-Mas
eu quero ficar. Quero ficar contigo. Como é suposto ser feliz sozinha?
Ao
ouvi-la os meus ossos a racharem lentamente. Cada palavra um murro no estômago.
As pessoas a desviarem-se, ágeis, ignorando o meu sofrimento. Os comboios
chegavam e partiam sem que nada os fizesse parar: nem o relógio, nem as
lágrimas, nem o meu corpo quase desfeito em pó de giz. Nada os fazia parar.
Nada fazia parar a vida. E enquanto ela seguia o seu rumo atropelava-me uma e
outra vez. Inconsciente do meu sofrimento, ou do sofrimento da Luísa.
Ignorava-nos. Ignorava as lágrimas dela
-Nunca
serei feliz sem ti
Ignorava
as minhas dores.
-Então
sê feliz por mim. Peço-te: sê feliz. Faz isso por mim.
-Esperas?
A
mão dela tremia na minha. Sentia-a a apertar-me com as forças que lhe restavam.
Os nossos dedos abraçavam-se eternamente. Sentia as unhas dela na minha carne.
A marcarem-me uma última vez. Queria guardar na pele uma chaga que fosse que me
lembrasse dela. Não queria encarar aquele momento como um final, ou um adeus.
Queria que fosse só mais um entretanto. Que é aquilo que realmente somos:
entretantos. Olhei-a nos olhos e limpei-lhe suavemente as lágrimas do rosto. A
cara dela brilhava de tristeza e isso matava o que ainda restava de mim. A mão
dela teimava em não largar a minha, com medo da falsa eternidade que sabia
unir-nos. Engoli um trago de saliva e lágrimas. Olhei-a nos olhos, como se olha
quem se ama, e respondi-lhe
-Por
ti? Uma vida. E se existir outra continuarei a esperar.
Ainda
me lembro daquele último sorriso de papel vegetal: leve, frágil, transparente.
Sorri com ela e ajudei-a a subir para o comboio. Beijámo-nos ao som do sinal de
partida e nesse momento senti-me como se fosse feito de pó, a espalhar-me pelo
mundo: um braço aqui, um pulmão ali, o coração acolá. Sentia-me mutilado,
partido, incompleto. O meu amor, o meu grande amor de oito anos, acabara de
desaparecer atrás de uma vidraça, à velocidade de um alfa pendular. E eu corri
para não a perder de vista. Corri sem condições de a alcançar.
(-É
a vida)
Espero
que realize todos os seus sonhos e um dia volte para me completar.
PedRodrigues
A vida dói. E a vida continua. Sempre. Às vezes, dou por mim a perguntar: como podem as pessoas caminhar normalmente quando para mim só me apetece parar e parar no tempo e inventar a máquina do tempo?
ResponderEliminarCaro amigo, a vida dói. Mas é a vida.